O Beijo

Dois ou três vãos no máximo. Falta água encanada, rede elétrica. Esgotos a céu aberto. Sem mergulhar na intimidade daquelas moradias, nem na vida particular de seus habitantes, evitando assim maiores constrangimentos, mas, saltava à vista as privações redundantes daquela gente.

Essa vida de permanentes sacrifícios, desprovida totalmente de prazeres, essas condições subhumanas, onde faltava quase tudo, entretanto, não abalavam a conduta moral das mulheres, em sua maioria donas de casa, todas tementes a Deus, da Vila Beija-Flor. Tudo dentro da ordem, do respeito e dos bons costumes.

Contudo naquele ambiente havia pelo menos uma pecadora. Valdete. Ela tomou minha mão, sem dizer absolutamente nada, com olhar e sorriso a transbordar sensualidade, e me conduziu ao rústico banheiro coletivo trancando sua porta. Sempre olhando e rindo suavemente para mim, descortinou, com habilidade ímpar, seu corpo que por instantes se manteve parcial e fragilmente protegido. Em seguida, delicadamente exibiu-me sua rósea flor, ainda por desabrochar, visto que não tinham despontado as penugens da puberdade. O instinto animal que habita o âmago do meu ser conduziu-me sagazmente. Sentindo, pela primeira vez o delicioso aroma e o sabor próprios de mulher, beijei-lhe o mais íntimo do corpo.

Despertado aos quatro anos para aquele novo mundo de estranhas sensações até então completamente desconhecido para mim, sou flagrado bolinando o meu membro viril. Para aprender cedo e exemplarmente a não estar praticando imoralidades, fui brutalmente agredido física e moralmente por meus pais.

Passo então a fazer, silenciosamente, coro com as mulheres da Vila Beija-Flor no ódio que tinham a Valdete. Afinal, filha sem pai definido de suposta prostituta não declarada só podia representar perigo, coisa ruim. Era a presença humana de tentação satânica para os pobres cristãos daquela pacata ruazinha. Que Deus nos proteja!

Zanoni Carvalho da Silva [email protected]

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