MUIRAQUITÃ

Assim vivia o dia corrido e o dia por correr, porque todo dia vivia da mesma forma, com a mesma quase sem forças, com a mesma busca de força de todas as manhãs, orando mal amanhecia, num suspiro, lavando o rosto e suspirando, coando o café e suspirando e saindo de casa num suspiro profundo e enérgico.

Era preciso caminhar. Era preciso. Caminhante sempre pelo mesmo caminho, mas sem um assovio.

O ar da manhã o fazia sentir-se saudável, a necessidade dos passos o fazia sentir-se vencido. Sentir-se. A necessidade que movia seus passos todas as manhãs, mal o amanhecimento apontando, estrangulando o sono. A necessidade é que erguia cada pé, projetava o corpo, os braços cavoucando os bolsos, e o mandava para o trabalho.

A avenida projetada para além de seu olhar e, àquela hora sem a preocupação de atropelamento na ciclovia, já nem olhava para a frente, passava todo o trajeto pastando os olhos no asfalto, só vez ou outra gargarejando nuvens.

Vinte e cinco de dezembro não amanheceu diferente. Em verdade, nem amanhecera ainda e ele já se postava na avenida, seguindo a reta em contínua curva da avenida, as mãos tateando os fundos bolsos do macacão; as mãos batucando, dentro dos bolsos; o macacão aberto até o umbigo. Mas não olhava o chão. Assobiava para o alto, acompanhando o ritmo com a cabeça, um claro sorriso entrecortando a melodia, alguns soluços sorridentes ponteando. Nem se importava, daquela vez, de trabalhar no dia do natal. Daquela vez. E ia feliz de encontro ao galpão onde encontraria o caminhão e o trajeto que faria, em mais um dia por correr.

Sabia... até a noite anterior, não. Mas agora sabia, porque na noite anterior ficou sabendo pela voz da própria Norma Lúcia, e ao acordar viu confirmado pelo corpo da própria Norma Lúcia, e ao sair ouviu mais uma vez pelo olhar da própria Norma Lúcia, que Norma Lúcia o amava, e que o amaria, e que o amará.

Viver, e viver quase vencido. Mas erguendo forças e saber de onde vem essa força, desse muiraquitã.

Jules Rimet

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