Sociedade russa aprende a ser tolerante

"Isto não é nenhum racismo - é puro banditismo". Os habitantes de São Petersburgo até hoje não têm a certeza se esta frase que saiu da boca da governadora da cidade, Valentina Matvienko, era justa. Foi desta maneira que ela comentou o assassinato recente de um estudante vietnamita. Antes deste crime, uma menina tajique já tinha sido vítima da mesma brutalidade. E houve outros casos desta natureza, menos conhecidos, que para muitos russos não foram senão manifestações patentes de intolerância étnica. E não só na segunda maior cidade da Rússia. A estratificação social, a intensa migração, o boom religioso, a quebra total das orientações ideológicas tradicionais, o terrorismo de "face muçulmana": estes e outros fenómenos têm tido bastante impacto e repercussão nos estados de ânimo dos cidadãos russos.

Contudo, até aos finais dos anos 90 estes problemas eram parte da crise generalizada, cujas dimensões ameaçavam a sobrevivência política e económica do país. No entanto, assim que apareceram os primeiros indícios de estabilização, a elite política começou a estar mais atenta ao problema da intolerância na sociedade russa.

E hoje temos um panorama que não é tão mau tendo em conta que há sempre coisas piores como, digamos, o caso da Jugoslávia - constatam os observadores. Em certo sentido a Rússia tem tido mais sorte do que a Europa e os Estados Unidos, que hoje enfrentam uma onda de xenofobia. Graças à longa coexistência entre os Cristianismo ortodoxo, o Islão e o Judaísmo, a Rússia conseguiu evitar o conflito de civilizações. Nem sequer teve impacto na sociedade russa o conflito israelo-palestiniano, que deu origem a uma onda de anti-semitismo na Europa. Por mais diferentes que sejam as ópticas políticas dos muçulmanos e judeus da Rússia, as relações entre estas duas comunidades não pioraram.

Ao mesmo tempo, nem a experiência da coexistência entre as várias confissões, nem as prédicas sobre o respeito pelos representantes de outras fés, nem os discursos de conhecidos políticos sobre a problemática étnica e religiosa na Rússia têm surtido efeito no combate à xenofobia no dia-a-dia. As manifestações mais "suaves" podem traduzir-se em formas diversas como, por exemplo, falar sobre "a invasão dos pretos" (oriundos do Cáucaso) e ir até formas extremas como seja o assassínio de pessoas de outras etnias. Ultrapassar estes fenómenos sociais é uma tarefa difícil, pois a questão não é só detectar e castigar os autores de um ou outro acto, mas sim alterar toda a consciência social.

No início do século XXI surgiu no léxico político russo o conceito de tolerância. E em 2001, foi formulado o programa federal "Formação da tolerância e prevenção do extremismo na sociedade russa". No âmbito deste programa foi efectuado o monitoramento da tensão social em várias regiões do país, elaborados programas de prevenção do extremismo, organizadas acções sócio-psicológicas de esclarecimento para adolescentes, professores e jornalistas, criado o fundo de apoio aos imigrantes e centros regionais "Tolerância". Nalgumas regiões - como, por exemplo, em Moscovo - existem, paralelamente programas federais e programas regionais de luta contra a xenofobia.

A tendência para a tolerância, se bem que poucos saibam o sentido exacto deste vocábulo, surgiu não só como iniciativa das autoridades, mas também na sociedade como necessidade vital. O exemplo das escolas é particularmente elucidativo neste sentido.

No princípio da década de 90, as escolas russas, tal como todo o país, estavam preocupadas essencialmente com a sua própria sobrevivência, reformando o sistema de educação, elaborando novos esquemas e programas de ensino, implementando as novas tecnologias. E com todas estas tarefas ficou esquecido o principal, que é a educação social das crianças e jovens. E por fim, quando os professores ouviram que diziam os estudantes, ficaram espantados.

Os resultados do monitoramento efectuado no quadro do Programa Federal para 2003 em escolas da Rússia mostraram que a crueldade e o extremismo se tornaram já normas sociais e a violência passou a ser um meio legítimo para resolver qualquer conflito. Respondendo à pergunta sobre as atitudes para com as minorias étnicas, religiosas e linguísticas, os adolescentes puseram em primeiro lugar como aceitáveis o nacionalismo agressivo (18,6 por cento), depois o racismo (17,1 por cento), a discriminação (16,4 por cento), a violência (14,7 por cento), a intolerância (14,4 por cento), o terrorismo (13,4 por cento).

Para corrigir esta situação anómala, foram incluídas nos programas escolares disciplinas dedicadas ao problema da tolerância. Não se trata somente das relações entre os representantes de diferentes nacionalidades e religiões, mas também, dum modo geral, das atitudes para com as pessoas com características físicas ou patologias várias: deficientes, gagos, gordos ou demasiado magros, etc. Diga-se de passagem, muitas escolas adoptaram estes programas sem esperar directrizes de "cima".

Na escola secundária N.º463 de Moscovo contaram ao observador da RIA "Novosti" que o programa para os primeiros anos de escolaridade inclui uma disciplina chamada Conhecimento dos Povos, que dá a conhecer aos alunos as tradições e cultura dos vários povos que habitam no território da Federação Russa. As aulas de Educação Moral são ministradas por iniciativa própria dos professores da escola. O objectivo é ensinar aos alunos, através de contos tradicionais e actividades lúdicas, a serem tolerantes para com aqueles que são mais fracos, assim como a terem respeito mútuo.

No ensino secundário são ensinadas as relações entre as várias etnias e confissões religiosas do país. Na escola visitada pelo correspondente da RIA "Novosti" são dadas aulas especiais sobre o Holocausto, recomendadas pelo Programa Federal. O mais difícil, consideram os professores, é ensinar a fazer analogias entre o que se passou nos anos da Segunda Guerra Mundial e o que se passa agora na Rússia. Todavia, acontece não raro que uma criança que chora durante o filme do realizador russo Pavel Tchukhrai "Filhos do Abismo" rodado no âmbito do projecto de Steven Spielberg "Sobreviventes do Shoah" (catástrofe, em judaico), mas ao sair à rua começa a ofender os oriundos do Cáucaso. Seja como for, estas aulas não são em vão e o estado de ânimo dos alunos vai-se alterando aos poucos, sustentam os professores.

Na escola N.º179 de Moscovo não há aulas do Holocausto, mas esta temática é incluída no curso de História Moderna. O corpo docente da escola dá prioridade ao problema da tolerância. Os alunos participam em concursos e projectos locais, nacionais e internacionais dedicados ao problema da xenofobia. Planeia-se proximamente criar na escola o museu "Crianças Vítimas do Genocídio". A escola elaborou o programa "Tolerância Através do Teatro" e os professores propõem-se convidar as embaixadas dos países estrangeiros a participar neste projecto. Como primeira experiência será organizado um sarau sobre a Geórgia. Muito depende da atenção que o professor dispensa a cada aluno individualmente considerado: que relacionamento ele tem com os seus colegas e outras pessoas, que atitudes demonstra, etc. As crianças necessitam de uma atenção permanente, quer na escola quer fora dela - dizem os professores.

Claro que o bom exemplo de duas escolas referidas é muito pouco, é uma gota no mar. Cada dia deparamos com actos de vandalismo em cemitérios e lugares de culto, vemos nas paredes suásticas, ouvimos injúrias e vexames nas ruas contra pessoas que são simplesmente "diferentes". São frequentemente dados a conhecer factos de discriminação de alguns grupos étnicos por parte das autoridades, nomeadamente da Polícia. Por isso, o trabalho desenvolvido em escolas incute-nos esperanças no futuro. Cada escola tem de 300 a 1000 alunos que, com uma educação e orientação adequadas, serão menos indiferentes e mais tolerantes do que era a geração actual.

É de suma importância acabar com o tabu da xenofobia e do racismo. Fala-se disso em diferentes níveis do poder, nos "mass media"; este tema é comentado por figuras públicas e homens da cultura. Não passa nem um só mês sem que, numa ou noutra região do país, não sejam promovidas conferências ou "mesas redondas" dedicadas a esta temática. É óbvio que dos debates à prática vai uma grande distância, mas o tema da tolerância entra aos poucos na sociedade russa.

Marianna Belenkaia observadora política RIA "Novosti"

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