'Cidade do exagero', Itu passa à história pela falta d'água

População paga por seca e descaso

Sem água nas torneiras há semanas, população gasta boa parte do dia, ou da noite, buscando bicas d'água. Para isso, faz investimentos altos em infraestrutura e abusa da criatividade

São Paulo - A vida em Itu, a 100 quilômetros da capital paulista, já girou em torno da produção de açúcar, e também do café, tendo sido considerada uma das mais importantes cidades do estado entre 1850 e 1935. Depois disso, a principal atividade foi a produção de cerâmica vermelha e também o turismo motivado para a chamada "cidade do exagero". Hoje, no entanto, Itu está em destaque em razão da seca, e a população gasta boa parte de sua energia, e do dinheiro, em uma busca desesperada por água potável, que em alguns locais não chega nas torneiras há 50 dias.

O aposentado José Bernardo, de 70 anos, vendeu um carro que valia R$ 33 mil por R$ 15 mil. Comprou uma caminhonete usada por R$ 39 mil, assumindo 48 parcelas de R$ 500. Acoplou ao veículo uma caixa de água de 500 litros, mais uma bomba d'água com uma extensão elétrica e uma mangueira, ambas com 35 metros. Essa parte, ao custo de R$ 1.200. Isso sem contar o gasto com combustível. O objetivo? Conseguir água.

"A gente está passando muito aperto. Não só pela falta da água em si, mas porque temos um parente que necessita cuidados de higiene mais complexos. Até hoje não vimos a cor do caminhão-pipa. A gente tem de se virar", desabafa Bernardo, que passa boa parte do dia indo e vindo da fábrica de cerveja Brasil Kirin, a cerca de sete quilômetros de sua casa, onde pessoas varam a noite pegando água na bica situada ao lado do portão de entrada. Ao voltar para casa, Bernardo ainda tem de subir no telhado da casa, levando consigo a mangueira para abastecer a caixa de mil litros.

A liberação de água das empresas e de outras propriedades na cidade é fruto de um decreto da prefeitura, que determinou a liberação de poços artesianos privados para a população. Além disso, desde fevereiro está decretado o racionamento, que previa água em dias alternados. Mas, desde setembro, muitas torneiras estão secas.

O cunhado de Bernardo, Ocimar de Souza Leite, de 60 anos, tem um problema de saúde que o deixa muito vulnerável a infecções, necessitando, ao menos, dois banhos diários para afastar o risco. Mas falta água na residência há 30 dias. "Não temos mais a quem recorrer. Ninguém nos apresenta uma solução. A empresa não atende, os vereadores não respondem e o prefeito ninguém vê faz tempo", protesta Leite.

Cadeirante, Leite teria preferência no atendimento dos caminhões-pipa, que distribuem água emergencialmente na cidade. Até quarta-feira (30), dia em que a reportagem visitou a cidade, havia 40 veículos fazendo o abastecimento. No mesmo dia, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), ofereceu apoio de mais 20 caminhões, contratados pela Defesa Civil. "Não sei para onde vão os caminhões. Ninguém sabe, na verdade. Aqui eles não chegam", reclama.

No Jardim Padre Bento, onde moram Bernardo e Leite, a presença da reportagem da RBA chamou a atenção de muitos moradores, que também tinham muitas reclamações sobre a situação. Na cidade há marcas de incêndios pelo asfalto, que, segundo os moradores, são causados pelos protestos agora cotidianos.

Algumas dificuldades surgiram na vida dos ituanos em consequência da seca. Comprar uma caixa de água é quase impossível, pois o item agora é raro e caro - cerca de R$ 800 uma caixa de mil litros - em qualquer casa de material para construção na cidade.

Até mesmo a compra de um galão com 20 litros de água já pesa no bolso. Não sai por menos que R$ 28. Na capital paulista custa de R$ 8 a R$ 15. Mesmo assim, a maior parte das revendedoras de água está fechada, com cartazes simbólicos: "Acabou a água".

Comprar mil litros de água de um caminhão-pipa se tornou artigo de luxo. O custo médio é de R$ 130. Em uma casa com quatro pessoas, essa quantidade é consumida em, no máximo, três dias - considerando os parâmetros da Organização das Nações Unidas (ONU), de 110 litros por pessoa por dia, para uma utilização saudável da água.

Em condições normais, as pessoas pagam R$ 27,80 por até dez mil litros de água utilizados em suas casas em um mês, para a concessionária Águas de Itu. Esse pagamento - equivalente à tarifa mínima da Sabesp na capital paulista - é outro motivo de revolta para a população de Itu. Com as torneiras quase sempre secas, muitas pessoas ainda receberam contas com a cobrança do valor mínimo.

A dificuldade em conseguir algo tão essencial para o cotidiano está mexendo com os nervos dos cerca de 150 mil ituanos. "A gente não dorme mais. Estamos sempre esperando alguma água chegar nas torneiras. Quem trabalha durante o dia tem de ir nas bicas de noite. E só depois fazer alguma coisa em casa. Quem não tem carro tem de contar com a boa vontade dos outros. Ninguém aguenta mais", lamenta a dona de casa Solange Rodrigues Belon, de 55 anos, sintetizando o sentimento geral.

Segundo Solange, é impossível localizar os caminhões-pipa, pois a empresa Águas de Itu não passa informações. Mesmo no site do Comitê de Gestão da Água, criado há 40 dias para definir ações prioritárias e acompanhar a atuação da empresa, não há informações claras de onde o caminhão vai estar. Sabe-se apenas onde ele já esteve.

Mas do caos surge a criatividade. A população ituana tem feito desde alterações simples, como o carro que passou a ficar estacionado na rua dando espaço na garagem a mais uma caixa d'água, a ter tambores diferentes para os diversos tipos de água - para beber, para lavar roupa ou para limpeza - até a engenhocas para minimizar as dificuldades.

Nesse caso se destacam o aposentado José Manoel Sobrinho, de 73 anos, e a esposa Clarisse Cardoso, de 68. Eles montaram vários sistemas com garrafões instalados na pia e no banheiro para garantir uma estrutura mínima para banho e lavagem de louça.

Como não pode carregar os galões de 200 litros que mantém no carro, Manoel também montou um sistema para bombear água do veículo para um galão no quintal e dali para a caixa d'água da casa. "Assim não preciso mais subir no telhado. Só que a gente já nota uma diferença na conta de energia elétrica, pois usamos a bomba muitas vezes por dia", relata.

 

Ler na íntegra:

http://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2014/11/banho-refeicoes-e-lavagem-de-roupa-se-tornam-via-crucis-para-populacao-de-itu-8297.html

 

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