Conversações sobre o Irã

O ano era 1979. As ruas de Teerã ferviam de fervor revolucionário. O Imã Khomeini acabava de voltar há alguns dias de Paris e começavam os dez dias de manifestações que levariam à grande virada, dia 11 de fevereiro, quando as Forças Armadas mudaram de lado: da lealdade ao xá, à lealdade aos revolucionários. Por tradição, o Irã celebra a volta do exílio do Imã Khomeini no dia 1º de fevereiro, e, esse ano, a revolução completa 35 anos.

Há muito simbolismo no fato de os 4,2 bilhões de dólares, a primeira parte dos fundos iranianos congelados no exterior, terem sido devolvidos, depositados em bancos suíços,[1] anteontem, 6ª-feira, véspera do início da "Alvorada de Dez Dias" - as cerimônias que comemoram Revolução Iraniana.

Também na 6ª-feira foi anunciado que a próxima e crucial rodada de conversações P5+1 e Irã será realizada dia 18 de fevereiro. Interessante: o encontro acontecerá em Viena, sob o teto da ONU, mais perto do Irã. O ministro de Relações Exteriores do Irã Javad Zarif chegou a comentar em público que essa rodada de negociações bem poderia ser realizada em Teerã. E até a linguagem corporal[2] é animadora.

Mais importante: os senadores dos EUA que ameaçavam impor novas sanções contra o Irã retrocederam,[3] depois que o presidente Barack Obama reagiu às ameaças e disse que vetaria eventual resolução do Congresso nessa direção. De fato, será muito difícil mudar o locus da questão nuclear iraniana e trazê-lo de volta para a conversa das sanções.

Quando até a rede Fox News noticia[4] que os iranianos são povo amigável, é hora de a direita que faz oposição a Obama prestar atenção e tomar nota.

O Irã tem grandes planos para reciclar sua indústria de petróleo e as preferências andam na direção de levar o Grande Petróleo de Houston, Texas, para fazer a atualização da tecnologia. O que, por sua vez, começará a servir como padrão significativo[5] do engajamento EUA-Irã.

O cenário também agrada ao establishment clerical iraniano, que tem laços profundos com o bazaar em Teerã. O que, por sua vez, dará ao clericato iraniano perspectiva completamente diferente sobre do que tratam, de fato, as conversações nucleares - ou do que poderiam tratar.

A Reuters noticiou[6] que o presidente Hassan Rouhani já garantiu o apoio do poderoso establishment clerical na cidade santa de Qom para o modo como abordará as conversações do dia 18 de fevereiro próximo.

Nada disso, contudo, deve minimizar o desafio diplomático que aguarda norte-americanos e iranianos no próximo encontro em Viena, no qual se negociará um acordo definitivo para a questão nuclear. O que está em jogo é um acordo de longo prazo, sustentável e fiscalizável, a ser negociado em contexto de total confiança mútua, que pode levar ao fim do regime de sanções que será levantado passo a passo.

O hiato nas posições em negociação que se vê hoje não pode ser subestimado. A própria evidência de que vieram a público[7] as diferenças de interpretação em torno do acordo provisório de Genebra - se o Irã aceitou ou não desativar seu programa nuclear - já chama a atenção para o quanto estão sensíveis as opiniões públicas dos dois lados, nos EUA e no Irã.

Mais fundamentalmente, se pode descartar completamente a possibilidade de que o Irã algum dia aceite a total destruição de suas 19.800 centrífugas já instaladas, ou o fechamento total e definitivo do reator de água pesada em Arak. O ponto, portanto, é a disposição do Irã para negociar depende da convicção de que, como qualquer outro país signatário do Tratado de Não Proliferação, o país pode oferecer provas verificáveis à comunidade internacional de que seu programa nuclear é inteira e absolutamente civil.

Por outro lado, a posição dos EUA é que o Irã não é como qualquer outro país; e que terá de fazer muito mais que qualquer outro país para merecer confiança de que seu programa é pacífico. É preciso construir uma fórmula de concessões que talvez envolva o Irã diluir os atuais estoques de urânio enriquecido a 20% e converter Arak em, digamos, sistema de água leve. O Irã, é claro, avaliará muito cuidadosamente o que obterá em troca de cada concessão.

Tanto quanto posso ver, começa a haver clima para posições conciliatórias. O plano de Obama, de visitar a Arábia Saudita[8] no final de março pode ser visto como sinal inicial de que Washington está cautelosamente otimista sobre a possibilidade de que algum acordo brote das conversações de Viena e já prevê a urgência de trazer para bordo também o rei Abdullah.

Enquanto isso, não se entende por que o governo Obama mantém Israel no circuito. Pode ser cedo demais para saber, mas há sinais incipientes de que Israel começa a abandonar a posição de rejeição total a qualquer engajamento EUA-Irã, para uma posição de tentar aproximar-se de Washington para influenciar os 'pontos de divulgação' do encontro de Viena. No mínimo, leitura atenda do editorial do Jerusalem Post[9] de ontem, parece reforçar o que 'meu faro' me sugere.


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[1] http://www.globalpost.com/dispatch/news/afp/140201/iran-gets-first-instalment-frozen-assets
[2] http://news.msn.com/world/six-powers-to-hold-new-nuclear-talks-with-iran-in-feb
[3] http://atlanticsentinel.com/2014/02/senators-pull-back-support-from-iran-sanctions-after-obama-ultimatum/
[4] http://www.foxnews.com/world/2014/01/31/thawing-sanctions-against-iran-put-chill-on-anti-american-feelings/
[5] http://www.tehrantimes.com/economy-and-business/113794-irans-central-bank-to-allocate-10b-to-oil-projects
[6] http://english.alarabiya.net/en/News/middle-east/2014/02/01/Iran-s-top-clergy-back-Rouhani-s-nuclear-approach.html
[7] 23/1/2014, "Irã repudia linguagem da Casa Branca sobre acordo nuclear", trad. em http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2014/01/ira-repudia-linguagem-da-casa-branca.html
[8] 31/1/2014, Wall Street Journal, http://goo.gl/SnLkbq
[9] 1/2/2014, Jerusalem Post, http://www.jpost.com/Opinion/Editorials/Obama-and-Iran-in-business-340060
Aproxima-se o momento da definição
2/2/2014, MK Bhadrakumar, Indian Punchline
http://blogs.rediff.com/mkbhadrakumar/2014/02/02/defining-moment-aproaching-in-iran-talks/

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