INTEGRAÇÃO, PERSEGUIÇÃO E NEGAÇÃO DA MEMÓRIA: ASPECTOS DO JUDAÌSMO NA FRANÇA

No primeiro semestre, três eventos ligados ao tema do Holocausto trouxeram à tona, em Paris, as especificidades e os incômodos nas relações entre os judeus, a nação francesa e a construção da memória histórica.

Cada um apresentou enfoques particulares para um mesmo fato histórico, que não cessa de suscitar debates e interpretações, pelo casamento inédito entre loucura e técnica, horror e racionalidade: o documentário „Autopsie d'un mensonge“ (autópsia de uma mentira), a mostra fotográfica Mémoire des camps (memória dos campos) e a exposição com diversas representações de conflitos, dando destaque para a Segunda Guerra: Voir, ne pas voir la guerre (ver, não ver a guerra), que terminou agora, no final de junho. O plano de eliminação de judeus empreendido pelos nazistas, principalmente entre 1942 e 1945, deixou números estarrecedores. Foram exterminados 50% dos judeus alemães, 83% dos judeus austríacos, 90% dos judeus poloneses, 82 % dos tchecos e 80% dos ioguslavos. Daí o termo bíblico Holocausto - „sacrifício onde se queima a vítima inteira“ -, surgido em Israel, nos anos 50, para substituir a expressão nazista Solução Final. Holocausto continha também maior carga dramático-religiosa que Genocídio, conceito cunhado por um jurista polonês, em 1944. Por outro lado, nos centros de pesquisa europeus, o termo corrente durante muito tempo foi Catástrofe, que acabou se transformando na expressão oficial atual: Shoah – tragédia em hebraico.

A polêmica em torno do nome é uma entre muitas. Os especialistas divergem sobre o papel do silêncio-cúmplice da Inglaterra, dos Estados Unidos e do Vaticano, e debatem se o extermínio fez parte dos planos de Hitler desde o início ou foi desenvolvido no decorrer da guerra. A historiografia difere quanto a considerar a Shoah um fenômeno único na história, ou um genocídio comparável a outro qualquer e quanto a apontar todo o povo alemão como "carrasco voluntário" ou nuançar seus diversos graus de ignorância e passividade. A antiga ênfase na separação entre a guerra "comum" do exército alemão e atividades específicas do extermínio vem sendo cada vez mais questionada. Enfim, restam várias lacunas devido ao baixo número de testemunhas vivas, à destruição sistemática de provas por parte dos nazistas e ao muro de Berlim, que barrou o acesso a documentos até 1989.

No entanto, o consenso é absoluto em relação à dimensão e à organização industrial do massacre. Mesmo o médico nazista Johann Kremmer, que realizava "experiências" com prisioneiros de Birkenau, escreveu em seu diário, em 1942: "em comparação, o inferno de Dante me parece uma comédia". É desta experiência extrema, capaz de pôr em cheque os limites do que é humano, que falavam as imagens da mostra Mémoire des camps e parte da exposição Voir, ne pas voir la guerre. Apenas algumas pessoas, movidas por um anti-semitismo virulento, insistem que "tudo não passa de mentira dos próprios judeus para legitimar Israel". Este é o foco do bem construído documentário Autopsie d'un mensonge, em cartaz em toda a França desde o início do ano.

Ilana Goldstein

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