Entrevista: Fernando Leitão da Cunha

LL – Fernando, como surgiu a ideia de escrever este manual explicativo sobre a importância dos dividendos, que ensina o leitor ver o mercado acionário através de uma ótica diferente da que se vê por aí, nos cadernos de economia e outras publicações?

Fernando – Um amigo sugeriu: “poxa, Fernando, você que gosta de escrever, por que não faz um livro sobre dividendos?” Aí, fui juntando anotações, observações sobre o comportamento dos investidores tradicionais e os que tendem a agir seguindo o efeito manada, aquele em que todos correm para o mesmo lado, às vezes sem razões claramente fundamentadas, movidos por meros boatos.

LL – O livro tem um título criativo, simples, que remete direto ao assunto, e desperta em quem o vê a curiosidade: viver de dividendos? Aí, você lança mão da sua prática na gestão de recursos há mais de 30 anos e capacidade de síntese, deixando o leitor relaxado, fazendo uma introdução interessante que conta a história das bolsas de valores, com a criação da primeira delas, a Bolsa de Paris, em 1141, pelo Rei Luís VII. É fato que muita gente tem medo da bolsa, muitas vezes porque caiu na mão de um gestor ou operador inescrupuloso, ou irresponsável, que o aconselha a comprar uma ação porque tem uma informação quente, criando a velha expectativa do ganho rápido.

Fernando – É exatamente isso que acaba gerando o medo da Bolsa.

LL – Aí, você mostra ao leitor que o importante são os fundamentos, isto é, se a empresa está ou não excessivamente endividada, seu potencial de mercado, se tem boa geração de caixa, planos de investimento assentados na realidade, e, por fim, seu histórico de pagamento de dividendos – que podemos traduzir aqui como simplesmente distribuição de lucros.

Fernando – A comparação entre os dividendos pagos pelo conjunto das empresas que integram o Índice Bovespa, que é revista periodicamente, e os dividendos gerados por uma carteira selecionada real, efetivamente pagos num período recente, comprova uma rentabilidade muito superior à de outra carteira, com todas as ações que compõem o índice IBV.

LL – O livro fala que esse acompanhamento do desempenho das companhias pode ser feito tanto pelo investidor que gosta e tem tempo quanto por um gestor, não é?

Fernando – O livro consegue demonstrar que o objetivo de obter uma renda pelo retorno do dividendo, o chamado Dividend Yield (DY), superior ao do CDI, sigla para Certificado de Depósito Interbancário, é perfeitamente factível.

LL – Você diz, em certo trecho: “Vamos imaginar que a empresa C distribua 25% do seu lucro apurado”. Esses 25% são o mínimo legal?

Fernando – Esse é o mínimo obrigatório.

LL – Mas esse porcentual é só para as ações preferenciais, ou inclui as ordinárias (que dão direito a voto)?

Fernando – Não, a empresa tem de dar 10% a mais ao detentor das preferenciais do que paga ao acionista que tem ações ordinárias.

LL – Pode-se concluir, então, que esse a mais pago às preferenciais é uma compensação que o detentor do controle da empresa, através da posse da maioria das ordinárias (ou de uma, digamos, coalizão com um grupo de acionistas que forme tal maioria) dá ao acionista sem direito a voto.

Fernando – Sim, ele compensa o acionista preferencial com um dividendo maior pelo fato de ele não ter direito a voto. Mas há um detalhe: Sendo o dividendo mínimo obrigatório de 25%, se a companhia não mencionar em seu estatuto o porcentual mínimo de dividendos a distribuir, ela passa a ter a obrigação de distribuir 50% do lucro na forma de dividendos, lembrando aqui que o detentor de preferenciais receberia, no caso de omissão, 50% mais 10% acima do distribuído às ações ordinárias. Essa é a lei, mas dificilmente um administrador irá deixar de observá-la, porque decerto estará assistido por advogados especializados em Direito Empresarial.

LL – Uma dúvida que me ocorreu durante a leitura do livro é por que certas companhias, não necessariamente sempre, pagam uma parte dos lucros em dividendos e outra em juros sobre o capital próprio, que são tributados.

Fernando – Por que elas optam por isso? A diferença para a empresa é que os juros sobre o capital entram como despesas financeiras no balanço, gerando um montante menor de imposto de renda a pagar. E para o acionista, juros sobre o capital sofrem tributação, enquanto os dividendos são totalmente isentos de tributação.

LL – Qual o porcentual dessa tributação sobre os juros, que, observe-se, são pagamentos que excedem a parcela mínima obrigatória de 25% em dividendos?

Fernando – Todo ganho de capital sobre a renda variável, à exceção dos dividendos, é tributado em 15%, enquanto a renda fixa tradicional (fora a poupança, que é isenta) sofre taxação a partir de 22%, regressivamente, só se equiparando aos 15% dos juros sobre capital ao cabo de dois anos.

LL – Na prática, então, no caso dos juros sobre capital, a companhia joga a responsabilidade do Imposto de Renda para o acionista? Quanto menos ela fizer isso, melhor pagadora de dividendos ela será?

Fernando – Não, porque ela só pode fazer isso após atingir o porcentual mínimo. Então, paga um adicional na forma de juros sobre o capital próprio. O acionista irá sofrer a taxação de um recurso a mais, tributado com uma alíquota inferior à da renda fixa.

LL – Na prática, a companhia só aparentemente transfere esse ônus tributário ao acionista?

Fernando - Sim, porque o acionista, em geral, não é contra esse procedimento, porque ele favorece a empresa da qual é participa ao deter suas ações, já que o seu lançamento como despesa financeira aumenta o lucro, e lucro é dividendo.

LL - Além disso, é um dinheiro que, eventualmente, será empregado em investimentos, gerando mais lucros.

Fernando – O que eu acho importante mostrar ao investidor é que a renda fixa não é o único caminho seguro para aplicar seu dinheiro. Se ele puser certa quantia numa empresa aberta, com ações negociadas em bolsas, poderá até observar a oscilação das cotações diariamente, mas a empresa está lá, produzindo e gerando lucros, independente da variação de preço delas. E só se perde efetivamente quando se vende um papel por preço inferior ao que se pagou por ele.

LL – E o inverso é verdadeiro. A valorização só se materializa após a venda pela cotação do momento. Há algo mais que você gostaria de dizer sobre dividendos?

Fernando – Eu acho que o mercado brasileiro seguirá uma tendência a atribuir mais valor aos dividendos na medida em que os juros continuem buscando patamares mais baixos. Hoje, temos uma taxa de juros real em torno de 5%, já descontada a inflação. E o normal é que esta taxa continue buscando valores cada vez mais baixos, favorecendo os rendimentos vindos dos dividendos.

LL – Nos Estados Unidos, quem não entrou na loucura dos SUVs (Sigla para uma invenção traiçoeira dos bancos americanos, uma modalidade de fundo onde eles enfiavam os títulos podres do subprime, que eram irresponsavelmente bem avaliados pelas agências de classificação de risco), mas tinha uma boa carteira de ações - evidentemente sem ações de bancos ou automotivas, cujos problemas eram conhecidos há anos -, não sofreu todo esse trauma. E o americano tem essa cultura de investir em ações, de participar do capital das empresas. Um colecionador de dividendos, enfim, usando aqui a sua ideia, e se ele prestou atenção aos alertas, que não foram poucos, deve ter se saído relativamente bem, e melhor ainda se tiver investido aqui no Brasil, em Eletrobrás, Vale, Petrobrás; não perdeu nada se tiver “sentado” sobre as ações.

Fernando – O investidor de ações pagadoras de dividendos não perdeu dinheiro nessa época, pode até ter ocorrido uma desvalorização momentânea do seu patrimônio, mas com o tempo voltou ao seu valor original. Este é um exemplo de oscilações de curto prazo que não devem influenciar a gestão de boas empresas.

LL – Daqueles que pertenciam à turma extremamente gananciosa, os que caíram no conto de Bernard Madoff (gestor de investimentos que deu um calote de inacreditáveis US$ 50 bilhões, hoje cumprindo pena de prisão).

Fernando – É isso, não existe ganho fácil, é preciso frisar isso. Quando aparece essa possibilidade, o risco aumenta exponencialmente.

LL – Você disse à reportagem que inaugurou um blog, ainda sem conteúdo por conta das atribulações do lançamento do livro, palestras.

Fernando – A ideia é manter um canal de comunicação permanente com os leitores e demais investidores, publicar matérias, esclarecer dúvidas.

LL – A nosso ver, você teve uma “ideia luminosa”, no sentido de clareza, com um título atraente e direto, e um texto facilmente compreensível.

Fernando – A intenção foi essa, falar na linguagem do dia-a-dia sobre um detalhe que sempre esteve lá, o objetivo final da empresa e do investidor: o lucro, que se traduz em dividendos.

LL – Agradecemos suas informações e deixamos para os leitores o endereço do blog e o seu e-mail, lembrando que o lançamento de Viva de dividendos, para o qual estão desde já convidados, será na Livraria da Vila, na Alameda Lorena, 1731, Jardins, em São Paulo, dia 15 de setembro, das 19h30 às 22h00. Telefone: (11) 3062-1063.

Blog: http://vivadedividendos.blogspot.com/

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