Opinião: Deus e a Igreja

Deus é Amor, a Igreja deve ser também

João XXIII, o papa que mereceu o título de “papa bom”, procurou traduzir de mil maneiras esta vocação divina. Ele dizia que existem duas formas de apresentar a fé. Uma divide e segrega. A outra une e atrai.

Marcelo Barros

Quem acredita que Deus é Amor, tema escolhido pelo atual papa para a sua primeira encíclica, é chamado a se deixar impregnar por esta energia amorosa. Conforme o evangelho de Lucas, Jesus traduz o “sede santos porque Eu sou santo” (do Lev 19) pelo apelo: “Sede compassivos, como o vosso Pai do céu é compassivo” (Lc 6, 36).

Na língua hebraica, o termo compaixão vem da mesma raiz de útero e significa o amor que, normalmente, uma mãe sente pelo/a filho/a que gerou. Se a nossa vocação é vivermos com todas as criaturas este amor compassivo, a comunidade dos discípulos e discípulas de Jesus deve, em primeiro lugar, dar este testemunho de amor.

João XXIII, o papa que mereceu o título de “papa bom”, procurou traduzir de mil maneiras esta vocação divina. Ele dizia que existem duas formas de apresentar a fé. Uma divide e segrega. A outra une e atrai. Os católicos deveriam aprender a sempre apresentar a fé, não de um modo que divida e sim que una as pessoas.

Ele sabia que uma forma arrogante de defender a verdade, a separa do amor e acaba traindo a própria verdade. O salmo diz: “o amor e a verdade se abraçam, a justiça e a paz se beijam” (Sl 85, 10). O que resta de uma verdade, cujo conteúdo deve ser o amor, se a preocupação em absolutizar uma determinada expressão desta verdade como se fosse a verdade em si mesma, é tão forte que agride os outros e faz sofrer os irmãos? Como reconhecer verdade na intolerância e no absolutismo mesquinho?

Nos Evangelhos, o termo Igreja aparece raramente. Entretanto, pela segunda metade do século I, os grupos judaicos e simpatizantes que se identificavam com o movimento profético de Jesus de Nazaré se organizaram como comunidades abertas e inclusivas. Era o contrário das sinagogas reservadas a circuncidados.

Estas consideravam a si mesmas como detentoras únicas da herança da salvação. As Igrejas, em oposição a isso, se constituíam como espaços de inclusão para circuncisos e incircuncisos, judeus e gregos, romanos e bárbaros, escravos e livres, homens e mulheres. “No Cristo todos são Um” (Cf. Gl 3, 27- 28). Os modos de compreender a fé, de organizar a Igreja e de viver a missão eram os mais diversos possíveis, mas a carta aos efésios deixa claro: “Existe um só batismo, uma fé única, um Deus que é o mesmo e é único. Atua em todos e está em todos” (Ef 4, 4).

Hoje, muitas causas nobres da humanidade dependem do diálogo e do compromisso das diversas Igrejas e religiões. Para isso, como para obedecer à orientação de Jesus, muitos cristãos procuram viver uma “diversidade reconciliada”, na qual cada Igreja mantém sua identidade própria e valoriza elementos das outras. Dom Helder Câmara gostava de dizer: “Ninguém (podemos aplicar às Igrejas) é tão pobre que não tenha algo a dar e ninguém é tão rico que não tenha o que receber”.

Há décadas, as Igrejas evangélicas aprenderam a se aproximar mais da tradição litúrgica da Igreja Católica. Esta, que tinha em grande parte se afastado do convívio cotidiano com a Bíblia, reaprendeu com as Igrejas evangélicas a fazer deste livro sua orientação de vida e de espiritualidade.

O Concílio Vaticano II foi convocado pelo bom papa João para reunir as Igrejas divididas. Por mais que a exegese de seus textos possa ser discutida, a intenção dos bispos era sabidamente valorizar as outras confissões como comunidades de salvação, verdadeiras Igrejas-irmãs e pôr fim ao escândalo da divisão. É neste espírito que imploro a inspiração do Espírito Santo sobre as Igrejas atuais para que a moda não pegue e nenhum mau exemplo seja imitado.

Seria terrível que o mundo, habituado a campeonatos de futebol, tivesse agora um campeonato de Igrejas, cada uma se dizendo a única verdadeira, na qual subsiste a totalidade da Igreja de Cristo. Que os pastores se recordem de que, no mundo antigo, um pai da Igreja oriental dizia que a Igreja era um ensaio de como o mundo deveria ser. Sejam, então, laboratórios de reconciliação e valorização do diferente para que, um dia, quem sabe, ao olhar para uma Igreja, por mais que ela se sinta a única verdadeira, as pessoas comuns e sem religião possam dizer como os não cristãos diziam dos primeiros cristãos: “Vejam como eles (e elas) se amam”. Sem dúvida, esta é a única verdade da qual Deus faz questão para a sua Igreja.

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