Hitler, o Syriza e as dívidas desonrosas da Alemanha

A Grécia deve 322,0 bilhões de Euros (1.050,0 trilhão de Reais) a um conjunto de credores, encabeçado pelo Fundo Europeu de Estabilidade Financeira(EFSF/ESM)e Estados da zona do Euro, que juntos com o FMI e o Banco Central Europeu, em 2012, refinanciaram a dívida grega, depois de salvar sobretudo os bancos privados, hoje fora da negociação.

As condições para o reembolso (juros de 0,6%, carência até 2020 e prazo para reembolso até 2044) são favoráveis em âmbito europeu, mais vantajosas sobretudo em comparação ao custo dos empréstimos concedidos à Espanha e a Portugal. Já a contrapartida, o custo social cobrado pelos credores, e obedientemente implementado pela Grécia até o final de 2014 - o choque de austeridade, com redução do tamanho do Estado, privatizações e cortes de despesas orçamentárias de brutal impacto em políticas sociais - lançou 1/3 de sua população à linha da pobreza, condenou o país à recessão, impede seu crescimento econômico e bloqueia sua competividade no mercado europeu - eis a explicação para a notável vitória eleitoral do Syriza em janeiro de 2015. Caso a Grécia declare a moratória e seja excluída da zona do Euro, a Alemanha responderá por 27% (36,0 bilhões de Euros = 117,36 bilhões de Reais) das perdas do EFSF, que transferiu um total de 133,0 bilhões de Euros à Grécia. Se, ao contrário, em cenário otimista, a dívida for zerada, o EFSF distribuirá 12,5 bilhões ( 41,0 bilhões de Reais) de juros gregos, cabendo à Alemanha a parte do leão - um excelente negócio para os credores.

Depositário do poder, com ele o governo Alexis Tsipras assumiu a herança maldita de uma dívida duas vezes parcialmente perdoada e ainda assim virtualmente impagável. Diante da inflexibilidade da Alemanha - o carro-chefe da Economia e das Finanças europeias - o Syriza reeditou a cobrança de um crédito bancário e de reparações de guerra, vencidos há setenta anos.

Quando eu era garoto, com meus sete ou oito anos de idade, vez e outra fui testemunha de recordações de um parente, narradas à mesa do jantar, mas ocorridas em um país longínquo, no meio do Mediterrâneo. Aventuras que me emudeciam e faziam esquecer a mastigação do pão, buscando no clarão da luminária de teto, que pendia sobre a mesa, os contornos de um país chamado Grécia, onde, como dizia o narrador, tudo tinha sabor de azeite de oliva.

Muitos anos depois, descobri que esse parente servira como suboficial no LSSAH, acrônimo de "Leibstandarte SS Adolf Hitler", o pelotão de escolta pessoal do Führer, criado em 1923, e que, transformado em brigada de elite do 12º. Exército da Wehrmacht, em abril de 1941, recebeu das mãos do general Georgios Tsolakoglou o auto de rendição da Grécia.

Então entendi que a aventura helênica do tal parente não fora um ingênuo acampamento de escoteiros.

blitzkrieg

Em 18 de abril de 1941, doze dias após o início da invasão alemã, o presidente grego, Alexandros Korysis, cometia suicídio. À cabeça de novo governo, Emmanouil Tsouderos tentaria resistir aos exércitos de Hitler.

Dois dias depois, após consultar o alto oficialato, mas violando ordens do comandante-em-chefe do exército grego, Alexandros Papagos, o general Georgios Tsolakoglou ofereceu a capitulação grega a Joseph "Sepp" Dietrich, comandante da LSSAH.

Naquele mesmo 20 de abril, o governo grego encabeçado pelo rei Georgios II deixou Atenas, rumo, primeiro, à ilha de Creta e, depois, ao exílio na Grâ Bretanha.

Na esteira de Georgios II, no dia seguinte, 50.000 soldados aliados, sobretudo ingleses, comandados por Archiball Wavell, empreenderam fuga em massa para Creta, deixando para trás incontáveis colunas de blindados e armas pesadas, abandonando os gregos à própria sorte.

Em terra, os aliados tinham perdido 12.000 homens, contra 2.500 baixas e 6.000 feridos alemães.

No início do cerco alemão, Wehrmacht e SS fizeram 210.000 prisioneiros; com o cerco fechado, 430.000 mil gregos entregaram-se à tropa invasora, e 20.000 escaparam para o Egito.

A capitulação de 20 de abril foi repetida três dias depois: protestando contra o que considerou "procedimento unilateral" dos alemães, o ditador Mussolini - expansionista, agressor da Grécia e causador da invasão alemã, chamando Hitler em seu socorro após a derrota italiana diante de gregos e britânicos - insistiu que o general Alfred Jodl assinasse a capitulação "definitiva" em Salônica, em presença de oficiais italianos.

Em Atenas, a 27 de abril 1941, no alto da milenar Acrópole era hasteada a suástica nazista, e em 3 de maio alemães e italianos promoveram a humilhante "parada da vitória".

Assim pontifica a historiografia oficial, com páginas alvas, despojadas de furos de balas, queimaduras nas bordas e manchas de sangue.

Um presidente na cena do crime

País com pouco mais de 7,0 milhões de habitantes por volta de 1940, um ano após iniciada a ocupação alemã, 1,0 milhão de gregos estavam alistados nas guerrilhas da Frente Nacional de Libertação (EAM), integrada por correntes monarquistas, nacionalistas e esquerdistas de distintos matizes, discretamente dirigida pelo Partido Comunista Heleno (KKE).

Em 1941, começou a caçada alemã aos partisans.

"Nos livros escolares alemães, há poucas ou nenhuma palavra sobre o assunto. Os meios de comunicação dedicaram amplo espaço ao Holocausto, aos crimes [nazistas] cometidos na Rússia e Polônia, mas a Grécia nunca foi tema de pauta", comenta o semanário liberal alemão, "Die Zeit" (20/2/2014).

Ao longo dos últimos cinquenta anos, todos os primeiros-ministros alemães em missão na Grécia, premeditadamente evitaram visitas constrangedoras aos memoriais da Segunda Guerra. A exceção foram dois presidentes, figuras meramente representativas, sem nenhum poder decisório.

Anualmente, durante esses mesmos cinquenta anos, em média 2,5 milhões de alemães passaram suas férias de verão, lagarteando nas brancas areias das cálidas ilhas gregas, e seus relatos de viagem são apaixonadas odes ao sol, ao vinho e ao passos do sensual Syrtáki, sem menção de tristes epitáfios ou memoriais, advertindo às barbaridades cometidas por seus conterrâneos de outrora.

"Contas feitas, os crimes praticados em Hellas não pertencem ao cânone da memória alemã, e isso causa dor aos gregos", adverte "Die Zeit".

 

Em março de 2014, foi a vez do presidente Joachim Gauck visitar a Grécia.

Acompanhado pelo presidente Károlus Papoulias - ex-resistente socialista, co-fundador do Pasok, especialista em Direito Internacional e ex-ministro das RREE, que em 1983 coordenou a operação de resgate de Yasser Arafat e das brigadas palestinas, no Líbano -, Gauck fez um retiro a Lyngiades, uma aldeia encrustada num penhasco a 1.000 metros de altitude, no Épiro, noroeste da Grécia.

A visita de Gauck a Lyngiades visava sutil efeito midiático, não percebido ou não admitido pela imprensa internacional.

Ali, na madrugada de 1º. de outubro de 1943, um oficial da ocupante 1ª. Divisão de Montanha, Edelweiß - uma das tropas de elite mimadas por Hitler - foi morto numa emboscada por guerrilheiros gregos. Encolerizado, o general Hubert Lanz, comandante da divisão, emitiu a ordem de "represália inclemente contra os bandidos responsáveis pelo odioso assassinato", estendida a um raio de 20 quilômetros. O alvo escolhido foi Lyngiades, porque ali foram avistadas mulas de carga que "poderiam estar transportando armamento".

Dois dias depois, o 79º. Batalhão de Reserva de Caçadores da Wehrmacht irrompeu no vilarejo, encurralando seus moradores, empurrados para dentro de suas casas e porões. Ato continuo, a aldeia foi submetida a uma infernal metralha, em seguida incendiada. Em questão de horas, Lyngiades foi obliterada do mapa da Grécia. "Missão cumprida", os alemães subiram aos seus veículos de combate e não se falou mais no assunto.

 

No Épiro, famílias inteiras foram exterminadas, a selvageria não poupou crianças e bebês, queimados vivos em seus carrinhos. Após a partida dos assassinos, nos caixilhos de algumas portas jaziam corpos semi-carbonizados. Fácil imaginar que se tratava de camponeses desesperados, tentando escapar às labaredas e morrendo no fogo das metralhadoras.

70 anos depois: lágrimas de crocodilo e operação "apaga incêndio"?

À medida que ouvia pelos alto-falantes os nomes das 83 vítimas do massacre, o presidente Gauck chorou.

Em seguida, reverenciou os mortos diante do memorial e, tomando o microfone, disse: "Eu sinto vergonha, porque a Alemanha democrática, apesar de, aos poucos, resgatar seu passado com luto, tão pouco soube e aprendeu da culpa alemã perante os gregos ... Eu desejaria tanto que, há muito tempo, um dos responsáveis por aquelas ordens da chacina tivesse dito, ´peço desculpas!´ ou ´me arrependo de ter cumprido ordens criminosas!´".

Fora do pódio, então um dos poucos sobreviventes apresentou-se ao presidente alemão: Panos Babousikas, septuagenário de estatura agachada. "Minha mãe me mantinha nos braços, mas estava morta, e eu, ferido. Foi assim que me encontraram: colado ao peito da minha mãe, mamando o leite morto dela".

Bebê marcado para morrer, Babousikas sobreviveu com uma cicatriz indelével nas costas: um corte entre 30 e 40 cm. Causado por baioneta.

Outra sobrevivente, Eleni Cholevas, descreveu o inesquecível: "Nos juntaram no porão da casa e abriram fogo contra as pessoas amontoadas. Uma bala acertou minha carteira de dinheiro, outra, a cabeça do meu filhinho - seu cérebro foi arremessado em meu rosto. Os alemães saíam e retornavam, disparando a esmo, pois ouviam os gritos das crianças, deitadas debaixo dos mortos, esparramados. Em um canto da casa, vi meu outro filho, despedaçado. O porão encheu-se de fumaça... Uma labareda alcançou a cabecinha do meu filho".

No mesmo distrito de Ioannina, os "caçadores de montanha" do general Lanz reuniram a população judaica, para deportá-la a Auschwitz. De outros vilarejos chegaram notícias de atrocidades inenarráveis: soldados de Lanz meteram chumaços de algodão encharcado de gasolina na boca de crianças, delas aproximando palitos de fósforo acesos. Em outro caso, fenderam com adaga o ventre de uma mulher grávida, dele retirando o feto, que colocaram em seus braços.

Crimes de guerra hediondos, praticados por psicopatas repugnantes!

Nenhum dos comandantes responsáveis jamais cumpriu pena pelo Massacre de Lyngiades. As baixas patentes e soldados rasos nunca foram indiciados. Em 1948, Lanz e o comandante-em-chefe das operaçãos na Grécia, Wilhelm Speidel, foram sentenciados em Nürnberg a piedosos 10 anos de cárcere pela somatória de crimes de guerra praticados, mas em 1951 Lanz já gozava de liberdade, fazendo meteórica carreira como assessor para assuntos militares no recém-fundado partido liberal (FDP).

Contudo, Lyngiades é apenas uma das "90 aldeias de mártires" assaltadas, assassinadas e devastadas por tropas alemãs. As duas mais frequentemente referidas na Alemanha são Kalavryta (pelo menos 1.500 mortos) e Distomo (218), mas a lista é infindável, somando milhares de vítimas: Viannos (500+), Pyrgi (346), Komenno (317), Kokkinia (300+), Kandanos, em Creta (180)... O que dizer, então, da Divisão Acqui, italiana, cujos 5.000 (cinco mil!) combatentes foram chacinados em Kefalonia por comandos alemães, em 1943, para evitar sua deserção ou adesão aos aliados?

E o que dizer das lágrimas do presidente Gauck?

Que a Alemanha tenha demorado 70 anos para pedir perdão por apenas um entre tantos crimes de guerra nazistas, é em si um ultraje inaceitável, associado aos crimes inafiançáveis.

Quem deve a quem?

Mal o presidente alemão terminara seu discurso, Babousikas e representantes de outros vilarejos martirizados desenrolaram uma faixa na qual se lia, em grego e alemão: "Justiça e Reparações" - reivindicações que durante alguns minutos repetiram como incansável mantra. Porque "o perdão de Gauck para mim não tem nenhum valor!", justificou o sobrevivente.

Este teria sido o momento para o jornalista investigativo perspicaz perguntar-se, por que Gauck escolhera exatamente aquela data para sua visita. Mais enfáticamente: qual seria o real motivo por trás da súbita visita do presidente alemão à Grécia?

No início de 2014, o sentimento generalizado na Grécia era de indignação. Para contentamento da Troika, em Bruxelas - que em 2012 reiterou seu dracônico programa de austeridade de 2010, em troca do refinanciamento da dívida pública grega, que apesar de descontos voltava a beirar astronômicos 300,0 bilhões de dólares - o país conseguira gerar um superávit primário de 0,8% seu PIB, mas à custa de mais de 25% de desemprego e de brutal redução de 30% no valor dos salários. "Locomotiva" da Europa e principal credor da Grécia, a Alemanha era encarada, não sem razão, como a grande responsável pela penúria helênica.

 

Naquele contexto, alguns veículos de comunicação gregos voltaram a reverberar a tese da "dívida alemã", tese tão antiga quanto sua negação pela Alemanha.

Contemplada friamente, era naquele contexto que devia ser entendida a visita de Gauck. Menos exposto à execração da opinião pública grega do que Angela Merkel - frequentemente denunciada por manifestantes como "nazista", com bigodinho à la Hitler -, Gauck teve a missão de apagar incêndios, isto é, esboçar gestos de conciliação, estendendo a mão ao anti-germanismo mais recalcitrante, o que o ex-pastor luterano de voz macia fez à perfeição, deste modo evitando que a revolta contra o aqui e agora fosse contaminada pela indignação contra o ontem, literalmente juntando gregos e troianos, conservadores e a esquerda, em um só concerto pelo pagamento de reparações de guerra.

Nacionalista, embora abraçando credo liberal em Economia, desde 2012 o primeiro-ministro Antonis Samaras vinha encorajando discretamente o debate sobre a tal dívida alemã, evitando, porém, que o tema ganhasse a esfera diplomática, onde seria interpretado como lance oportunista para contrabalançar o impagável crédito da Troika com cobrança à Alemanha de "dívida prescrita", quanto mais então de reparações de guerra.

Porém, eis duas contas que devem ser separados: uma coisa é o crédito compulsório concedido pela Grécia ao regime nazista, outra, a estimativa dos prejuízos pessoais e materiais, que justificam cobrança de reparações.

Em 1943, o Banco da Grécia foi forçado pelo governo de ocupação nazista a conceder um crédito no valor de 1,5 trilhão de Dracmas (aprox. 238,0 milhões de dólares da época) aos governos alemão e italiano. O combinado foi que o empréstimo seria reembolsado ao final da guerra. Mas não foi. Em 2013, Nikos Christodoulakis, ministro das Finanças do governo Samaras, estimou que - com juros, correção monetária e multas, acumulados ao longo de 70 anos - hoje aqueles 238,0 milhões valeriam 11,0 bilhões de dólares. Outras estimativas projetam - mais acertado seria dizer: chutam - o valor para além de 70,0 bilhões de Euros, disparidades gritantes que tornam difícll, senão impossível a cobrança da dívida bancária da Alemanha.

A outra conta é a da dívida do saque e do sangue.

Enquanto crescia nas ruas a oposição contra a receita de austeridade da Troika, o Conselho Nacional para a Reclamação de Dívidas da Alemanha estimava que, ajustadas à inflação desde 1945, a Alemanha devia "centenas de bilhões de dólares" à Grécia.

Em 2013, uma equipe de economistas, historiadores e arqueólogos elaborou a primeira versão de um documento confidencial com 160 páginas, cuja versão final foi entregue em meados de janeiro de 2015 aos ministros das Finanças e das RREE do governo Antonis Samaras, que antecedeu o recém-empossado governo Alexis Tsipras. 

A fatura jamais apresentada por Samaras, mas brandida nos bastidores, e denunciada há vários anos pelo Euro-Deputado Manolis Glezos - nonagenário herói da resistência que em 30 de maio de 1941 escalou a Acrópole juntamente com Apostolos Santas, furtando de seu mastro a suástica nazista - soma extensa lista de prejuízos pelo afundamento da frota mercante grega, a destruição de indústrias, cidades, estradas e a pilhagem do patrimônio arqueológico, do qual até o presente encontram-se obras raras em museus alemães.

"Sem calcular os juros, a Alemanha deve 162,0 bilhões de Euros à Grécia!" - sentencia Glezos, explicando: "Trata-se de um numerário responsável, baseado em dados que me foram fornecidos pelo Banco da Grécia".

Para embasar seus cálculos, o parlamentar do Syriza utiliza documentos históricos de inegável validade. Por exemplo, os Tratados de Paz de 1947, em Paris, que ajuizaram o montante de reparações que a Alemanha deveria pagar aos países ocupados pelo nazismo. Em Paris, os 19 membros da comissão aliada determinaram que, pelos danos causados à Grécia, a Alemanha lhe devia 7,1 bilhões de dólares pelo valor de mercado de 1938; valor que atualizado em 2015 atingiria os tais 162,0 bilhões de Euros, em algumas publicações gregas turbinados para estratosféricos "300,0 bilhões de Euros", numerário que não por acaso encosta na atual dívida pública grega, que procura repudiar em bloco.

Importante observação sobre a dramaturgia: embora estimassen o valor das reparações alemães em 7,1 bilhões de dólares, os aliados recomendaram moderação aos países de Direito, para prevenir uma fatal repetição do desastre de Versalhes, de 1919, cujas exigências dracônicas e imbecis arruinaram a Alemanha, descovaram a serpente nazista e fizeram rebrotar em 1939 a guerra tida como finda em 1918.

Em Berlim, o pleito é taxado de risível a descarado.

O ministério das Finanças alemão argumenta que as reparações à Grécia foram quitadas há mais de 50 anos e que a conta está definitivamente zerada. Brandindo seus próprios números, os funcionários do ministro Wolfgang Schäuble advertem que, cumprindo determinações dos Tratados de Paris, a partir de 1948, a Alemanha forneceu bens - máquinas, motores, veículos e estruturas de engenharia - hoje avaliados em 2,0 bilhões de Euros. A Grécia contesta, dizendo que nunca recebeu, e a verdade é que durante anos grande parte dos equipamentos deteriorou no porto de Hamburgo, onde foi saqueado por navios britânicos, com nome e endereço.

Em 1953, o Acordo sobre Dívidas Alemãs, de Londres, estabeleceu que o atendimento a qualquer outra cobrança será "protelado... até a regulação definitiva da questão de reparações", mediante um Tratado de Paz.

Apesar disso, em 1960 a Alemanha pagou uma indenização de 115,0 milhões de Marcos a vítimas de crimes nazistas na Grécia. Ocorre que, anos depois, confirmou-se que aquela reparação contemplara sobretudo descendentes da minoria judaica e não a maioria das familias gregas vitimadas. Porém, segundo o contrato assinado na ocasião, a reparação quitava todas as reclamações por assassinato, saque e devastação, estando excluídos pleitos futuros. Atualizados, mais de meio século depois, os 115,0 milhões de Marcos somariam vários bilhões de Euros.

Finalmente, com a reunificação alemã, em 1990, a assinatura do tão sonhado tratado de paz estava na ordem do dia. Mas não foi assinado. Em seu lugar, entrou em vigor o "Tratado 2+4" (as duas Alemanhas + EUA, URSS, França e Grã-Bretanha) sobre a Unidade Alemã,explicitamente reconhecido pela Grécia, como país vitimado pelo nazismo, mas cujo teor - com esperto calculismo do governo Helmut Kohl - implicitamente evita defini-lo como tratado de paz, com isso enterrando de vez expectativas de pagamento de reparações.

O que a Alemanha temia era que, ao oficiar um acordo de paz explícito com os aliados, fosse imediatamente alcançada por sem número de causas judiciais cobrando reparações; o que, finalmente, explica, por que seus giovernantes tanto evitaram visitar memoriais gregos.

A indignação dos familiares das vítimas dos crimes nazistas na Grécia é justa e enorme. Não tendo sido devidamente representados por juristas como os empregados pelos lobbies judaicos, seus direitos jamais foram respeitados. Alguns, intrépidos, recorreram à Corte Internacional de Justiça (CIJ), em Haia. Mas foram decepcionados. Em fevereiro de 2012, a CIJ contestou ações indenizatórias de cidadãos gregos e italianos, advertindo a "convenção sobre a imunidade de Estado e seus bens", inalienáveis. Ponto.

Já uma ação pelo reeembolso do tal "empréstimo compulsório", que Hitler e Mussolini descaradamente cobraram ao Banco da Grécia para cobrir as despesas da ocupação violenta, tem possibilidades de êxito. Segundo o Direito Internacional, o crédito grego não pertence à categoria das reparações, sendo definido como empréstimo comercial contratado.

Cobrá-lo na CIJ, certamente levaria alguns anos - tempo que o Syriza não tem.

Receber sua atualização, certamente aliviaria as contas gregas. Mas envenenaria para sempre a azedada relação entre Atenas e Berlim.

O que mais temem Schäuble. Merkel e seus satélites - Holanda, Espanha, Portugal e países do Báltico - é que a acirrada oposição do Syriza ao irresponsável roteiro da austeridade contamine e rache a unidade do Euro-bloco, cujos primeiros sintomas tornaram-se visíveis quando da prorrrogação do programa de salvatagem financeira da Grécia, em 19 de fevereiro, oportunidade em que França e Itália cobraram receptividade aos pleitos do ministro Yannis Varoufakis.

Nada é perene e impossível, nem uma Europa de ponta a ponta indignada com a fórmula bandida, "aos amigos, tudo, aos inimigos, a lei!" - aos despossuídos, a austeridade, aos bancos criminosos, a persistente e escandalosa locupletação com recursos públicos.

 

Frederico Füllgraf

 

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