O Brasil e a pandemia

O Brasil e a pandemia

 

Por Elaine Tavares, no Correio da Cidadania

O Brasil vive um clima de es­tu­pe­fação, mas ainda assim, com a mai­oria da po­pu­lação inerte e des­nor­teada. Com o avanço das in­fec­ções por co­ro­na­vírus os bra­si­leiros as­sistem o go­verno fe­deral tomar uma série de me­didas an­ti­vida, sem con­se­guir es­boçar re­ação. Os casos au­mentam e jus­ta­mente nesse mo­mento de su­bida das in­fec­ções o go­verno troca a equipe do Mi­nis­tério da Saúde, que, em vez de apontar ca­mi­nhos para o en­fren­ta­mento da do­ença, se ma­ni­festa sobre como será a eco­nomia quando o pico passar. É uma si­tu­ação ater­ro­ri­zante.

A crise no Mi­nis­tério da Saúde surgiu porque o então mi­nistro, mé­dico or­to­pe­dista, as­sumiu o co­mando da luta contra o co­ro­na­vírus de ma­neira bas­tante ofen­siva. Dava en­tre­vista co­le­tiva todos os dias ori­en­tando a po­pu­lação, in­for­mando e su­ge­rindo que todos aten­dessem ao cha­mado de per­ma­necer em casa. Essa po­sição era to­tal­mente con­trária à po­sição do pre­si­dente Jair Bol­so­naro, que dizia em alto e bom tom: que morram todos os que ti­verem de morrer, porque não pode parar a eco­nomia.

Mas, o mi­nistro de­cidiu se­guir o ca­minho apon­tado pelas au­to­ri­dades mé­dicas e man­teve a po­sição de iso­la­mento so­cial. A coisa foi fi­cando in­sus­ten­tável e os dois ba­tiam boca através dos re­pór­teres. Acabou que o pre­si­dente de­mitiu o mi­nistro que, afinal, es­tava apa­re­cendo para a po­pu­lação como um cara ver­da­dei­ra­mente pre­o­cu­pado com a saúde das pes­soas. Es­tava tendo mais po­pu­la­ri­dade que o pre­si­dente. E o pre­si­dente não su­portou.

A de­missão do mi­nistro Man­detta de­sar­ti­culou todo o tra­balho de com­bate que vinha sendo feito via Mi­nis­tério da Saúde. O novo mi­nistro es­co­lhido pelo pre­si­dente tinha duas mis­sões bá­sicas: não apa­recer mais que o pre­si­dente e mandar todo mundo voltar ao tra­balho. E assim está sendo feito. Aca­baram-se as co­le­tivas diá­rias e a ori­en­tação é de que a vida volte ao normal. Apenas na quinta, 24, o novo mi­nistro, um mé­dico/eco­no­mista que nunca na vida atuou no setor pú­blico da saúde, apa­receu na te­le­visão com sua equipe. Um show de bi­zar­rices. Anun­ciou o novo se­cre­tário do mi­nis­tério, que tem como vir­tude apenas ser um mi­litar. Ne­nhuma ex­pe­ri­ência em lidar com saúde, muito menos com uma crise dessa en­ver­ga­dura.

A co­le­tiva do novo mi­nistro causou es­tupor. Ne­nhuma ori­en­tação para a po­pu­lação. Nada. Apenas uma al­ga­ravia ab­surda sobre como de­verá ser a eco­nomia de­pois que a pan­demia passar. Não dava para saber se quem es­tava ali era a re­pre­sen­tação da Saúde ou da Eco­nomia. Um terror.

No campo da luta so­cial a vida está es­tag­nada. Com a con­fusão cau­sada pelas ori­en­ta­ções di­fe­ren­ci­adas - cada go­ver­nado de­fine sua es­tra­tégia - os tra­ba­lha­dores pa­recem re­sig­nados. Aqueles que não con­se­guem ficar em iso­la­mento e se­guem tra­ba­lhando não en­con­tram ca­mi­nhos a não ser co­locar uma más­cara e se­guir dri­blando o vírus até quando der. Mesmo sa­bendo que isso não é su­fi­ci­ente. Du­rante mais de 30 dias, tempo que durou a qua­ren­tena, uma massa gi­gan­tesca de gente se­guiu com vida normal, saindo de casa todos os dias para tra­ba­lhar, sem que hou­vesse qual­quer ação por parte de seus sin­di­catos, salvo ra­rís­simas ex­ce­ções.

Agora, com o novo mi­nistro com­ple­ta­mente sub­me­tido aos de­sejos do pre­si­dente de re­tomar a eco­nomia, tam­pouco se per­cebe al­guma ação por parte das Cen­trais Sin­di­cais ou dos mo­vi­mentos so­ciais. Tudo está pa­ra­li­sado, até porque boa parte das li­de­ranças está em iso­la­mento so­cial. En­quanto isso, os par­ti­dá­rios do pre­si­dente - in­ci­tados por ele - fazem car­re­atas, pas­se­atas e atos pú­blicos pe­dindo a volta do co­mércio e aber­tura total de tudo. Não acre­ditam na pan­demia e dizem que é um golpe dos chi­neses para de­ses­ta­bi­lizar o pre­si­dente do Brasil.

No geral, os go­ver­na­dores que ainda man­ti­nham uma po­sição de ga­rantir o iso­la­mento so­cial também de­ci­diram se render aos de­sejos do pre­si­dente, sabe-se lá mo­ti­vados pelo quê. E jus­ta­mente no mo­mento em que o país co­meça a mos­trar a fa­lência dos sis­temas de aten­di­mento, re­solvem re­a­brir o co­mércio e fazer a vida voltar ao normal. Uma san­dice sem ex­pli­cação. O re­sul­tado é a po­pu­lação toda na rua outra vez, sem os cui­dados ne­ces­sá­rios. O que virá, nin­guém sabe, mas pode-se in­tuir pelo que já acon­teceu em ou­tros países.

Não bas­tasse isso, o novo mi­nistro disse que o país não vai in­vestir em compra de res­pi­ra­dores ou novas UTIs porque de­pois não ha­verá o que fazer com isso. Assim, res­palda a ideia de Bol­so­naro de que os que ti­verem de morrer, que morram logo para que a vida siga.

Al­guns es­tados como o Ama­zonas e São Paulo têm apre­sen­tado altos ín­dices de mortes e os cai­xões co­meçam a apa­recer nas telas da TV. Mas, ainda assim, a mai­oria dos bra­si­leiros pa­rece não acre­ditar que as coisas possam ficar pior. Uma boa parte acusa os que in­sistem nos cui­dados de "querer que tudo dê er­rado para pre­ju­dicar Bol­so­naro". É uma lou­cura sem fim. Essas pes­soas re­al­mente acre­ditam que o mundo está gi­rando em torno do pre­si­dente do Brasil e que tudo que acon­tece ou deixa de acon­tecer tem re­lação com ele. Nunca se viu nada igual.

O an­ta­go­nista na­tural de Bol­so­naro, que de­veria ser o PT e seu líder Lula, até agora man­teve a po­sição de não atacar o pre­si­dente, sendo que Lula chegou a de­clarar que não iria chamar o "Fora Bol­so­naro" que muitos bra­si­leiros já estão cha­mando. De novo, deixa uma par­cela bem sig­ni­fi­ca­tiva da po­pu­lação sem di­reção.

Assim, as gentes bra­si­leiras se­guem. Al­guns devem per­ma­necer em iso­la­mento, mas serão poucos, porque o tra­balho vai acabar de­fi­nindo a volta. A mai­oria está nas ruas de novo e o mi­nistro da saúde, can­di­da­mente, diz que se morrer muita gente, quem sabe o país volta a apostar no iso­la­mento. Mas terá que morrer muita gente. Ou seja. É um go­verno que es­pera e aposta na morte. E ainda assim, o pre­si­dente segue man­tendo um bom ín­dice de apro­vação.

Em meio à pan­demia Bol­so­naro in­cita seus se­gui­dores a pedir in­ter­venção mi­litar e o fe­cha­mento do Con­gresso e do Su­premo Tri­bunal Fe­deral. As ins­ti­tui­ções fazem ou­vidos moucos e per­mitem que a Cons­ti­tuição seja ras­gada, ao vivo e a cores. O má­ximo que fazem é lançar notas de re­púdio. Da mesma forma os par­tidos de es­querda.

A nau Brasil pa­rece se­guir des­go­ver­nada, mas não, ela segue muito bem go­ver­nada pelos in­te­resses do ca­pital. Afinal, em meio ao caos, ne­nhuma pa­lavra dos em­pre­sá­rios, dos in­dus­triais, da re­pre­sen­tação da classe do­mi­nante. Estão todos ca­lados es­pe­rando que seus tra­ba­lha­dores voltem e sigam gi­rando a roda do di­nheiro. Creio que des­co­nhecem que quando Nero pôs fogo em Roma, queimou foi tudo.

 

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