Entrevista exclusiva do MNE Russo Igor Ivanov a RIAN

PERGUNTA: A primeira pergunta que se impõe é a seguinte: este ano foi positivo ou não para a diplomacia russa?

IVANOV: Ao abordarmos este assunto em linhas gerais, hoje torna-se patente - a nossa política externa, cujas direcções foram delineadas há pouco menos de três anos, após a eleição de Vladimir Putin para a Presidência, traz hoje ganhos reais no que concerne à segurança da Rússia, ao seu desenvolvimento económico, à garantia dos interesses vitais de todos os cidadãos do país. Acho que tomado por este prisma, o ano que está a findar não foi mau para todos nós, foi até mesmo bom em vários aspectos e direcções.

Gostaria de assinalar de imediato que foi precisamente este ano que se constituiu definitivamente a política multi-vectorial na qual as direcções geográficas diversas e as prioridades não se excluem mutuamente, antes pelo contrário se complementam. Quero dizer, melhorando as relações com os Estados Unidos, facilitamos a sua melhoria com a Europa, e vice-versa. O mesmo princípio é extensível e aplicável em relação à Região Asiática do Pacífico, onde temos conseguido avançar em todos os vectores.

Com referência à nossa insatisfação, devo citar aqui uma orientação importantíssima da nossa diplomacia: os países da Comunidade de Estados Independentes (CEI). É verdade que nesta área os êxitos poderiam ter sido maiores. É natural que muito mais se poderia ter feito também em outras direcções, mas sempre com realce especial para a CEI.

PERGUNTA: Você mencionou os interesses vitais dos cidadãos do país. Vamos abordar mais atentamente esta questão. Por exemplo, as mudanças positivas nos sentimentos dos Russos que residem no exterior não podem servir de indicador do êxito na área da política externa.

IVANOV: Com efeito, neste campo registámos mudanças para melhor. Sabe, devo dizer que o fortalecimento das nossas posições internacionais e a imagem cada vez melhor sobre a Rússia no estrangeiro também se têm repercutido sobre as atitudes para com os nossos conterrâneos que saem para diferentes países para tratar de negócios, para trabalhar, ou pura e simplesmente para descansar e fazer turismo. Hoje em dia, eles sentem-se mais seguros, como representantes dum país que o mundo inteiro respeita.

É também óbvio que muitas coisas dependem da conduta dos cidadãos russos propriamente ditos. Mas a meu ver, aquelas imagens de um país miserável, ou pelo contrário esbanjador de dinheiro, um país cheio dos mafiosos - imagens essas que se cultivavam no Ocidente ora espontaneamente, ora conscientemente nos anos 90 - tudo isso começa, aos poucos, a desaparecer. Por exemplo, agora é frequente e até surpreendente para os nossos parceiros ocidentais um fenómeno fora do vulgar, fora do comum: os empresários russos vão ao estrangeiro não para comprar objectos e bens de luxo, mas sim para comprar lotes de acções de grandes empresas.

Mais um exemplo: no último ano os cidadãos russos dirigiram-se mais frequentemente às embaixadas e aos consulados da Rússia para tratar de diferentes assuntos. Ao todo, dá algo na ordem de 800 mil contactos. Essencialmente os assuntos de maior interesse são a assistência jurídica. Congratulamo-nos com esta tendência, porquanto atesta que tanto o Estado russo como toda a nossa sociedade civil se está a integrar dinamicamente no espaço mundial, global.

PERGUNTA: O Senhor mencionou as mudanças ocorridas entre o empresariado russo no estrangeiro. A diplomacia económica é uma actividade algo nova para o Ministério dos Negócios Estrangeiros. Como analisa os seus resultados?

IVANOV: Em geral, a diplomacia económica tem existido sempre. Mas agora acaba de fazer-me essa pergunta antes, por exemplo, das questões da segurança. É casual isso? Pouco provável.

Aqui observamos o seguinte processo: por um lado, o melhoramento da situação económica no país reflecte-se positivamente sobre as suas posições internacionais. Por outro lado, através de uma activa política externa procuramos criar o máximo de condições favoráveis ao crescimento económico e à actividade dos homens de negócios russos. Muitas coisas resultam, mas às vezes é difícil. Temos a nossa lista de possibilidades desperdiçadas e contratos ou concursos falhados.

Mas, de um modo geral, o ano de 2002 foi muito frutífero. Basta citar as decisões dos EUA e da União Europeia sobre o reconhecimento da economia de mercado russa, o que prestará um apoio importante aos homens de negócios nacionais. Durante o ano foi elevado o "ranking" de crédito da Rússia. Tudo isso é em muito o resultado da atmosfera de confiança e parceria das nossas relações com os EUA e UE. Esta circunstância desempenha um papel importante também nas conversações que realizamos sobre o ingresso da Rússia na Organização Mundial do Comércio.

A diplomacia russa contribui activamente para o diálogo energético com os EUA e a UE e procura conseguir um espaço económico comum na Europa. Tanto mais que dentro em breve - depois do alargamento da UE - metade do nosso comércio será feito com a União Europeia. E aqui surge todo um conjunto de questões económico-comerciais concretas que devem ser resolvidas, inclusive pelos canais diplomáticos.

O nosso comércio com China já se aproximou de 12 biliões de dólares. Este valor é um êxito. Realizam-se projectos industriais e tecnológicos de larga escala com a Índia e uma série de outros países. Por trás de tudo isso está um trabalho diplomático, tanto no que concerne à formação do quadro político comum de cooperação económica como ao acompanhamento diplomático dos projectos concretos. Entre eles figuram, por exemplo, a construção do gasoduto trans-europeu pelo fundo do Mar Báltico e a realização do conhecido projecto "Corrente azul".

Todos nós trabalhamos intensamente em muitos fóruns económicos internacionais, por exemplo, na Comunidade Económica Ásia-Pacífico. Ou, por exemplo, no Grupo dos Oito. Neste sentido, o ano que finda foi igualmente marcado por mudanças qualitativas. Na cimeira de Kananaskis, a Rússia tornou-se definitivamente membro de pleno direito do G-8. Em 2006, ela presidirá a este fórum. Isso é importante, mas não por considerações de prestígio. A participação no Grupo dos Oito permite-nos falar sobre os projectos de cooperação multilateral e bilateral no valor de biliões de dólares. Pode servir de exemplo o entendimento obtido em Kananaskis sobre a Parceria global contra a proliferação de armas e materiais de extermínio em massa.

Nos últimos anos não houve praticamente nenhuma visita do Presidente ou ministro dos Negócios Estrangeiros a outros países em que durante as quais não fossem realizados encontros com representantes dos meios de negócios do respectivo país. Mas uma parte desta actividade é realizada também no território da Rússia, em estreita cooperação com outros departamentos nacionais e dirigentes das regiões russas. Por exemplo, só no último ano promovemos no centro de imprensa do Ministério dos Negócios Estrangeiros actos de apresentação de 20 repúblicas e regiões da Federação Russa. A mesma actividade é realizada também pelas nossas embaixadas.

De um modo geral, durante um ano incompleto levámos a cabo quase 500 fóruns económicos, exposições, mesas redondas e seminários de homens de negócios sobre a temática económica. E isso apenas pela linha do MNE. No domínio económico continuaremos a cooperar estreitamente com os dirigentes dos distritos federais, regiões e unidades da Federação para a sua participação plena nas relações económicas interregionais. Em geral, uma das principais tarefas da política externa do próximo ano consistirá em fazer aproximar ainda mais a nossa política externa da solução dos problemas concretos nos domínios económico, cultural e outros.

Agora mencionemos o que não conseguimos fazer. Por exemplo, a nossa diplomacia adquiriu uma determinada experiência de trabalho com as grandes empresas. No entanto, ainda temos de aprender a prestar um apoio eficaz às pequenas e médias empresas, tanto mais que este problema diz respeito não só à política externa mas também à política económica interna. Nestas questões cooperamos activamente com a Câmara do Comércio e Indústria e diversas associações de pequenas e médias empresas.

PERGUNTA: O Sr. acha que as posições da Rússia no palco internacional enfraqueceram ou fortaleceram-se? A sua voz é ouvida quando se fala dos interesses de Moscovo ou não? Tenho em vista não apenas os aspectos económicos do problema.

IVANOV: Em termos gerais, podemos falar do fortalecimento do papel do nosso país na arena internacional. Não há nenhum problema internacional sério que tenha sido resolvido sem a participação da Rússia. Tal diz respeito, antes de tudo, à actividade do Conselho de Segurança da ONU, no qual a Rússia, para além de exercer as funções de membro permanente, não deixa de influir na solução de múltiplos problemas relacionados a manutenção de paz e segurança. Um exemplo elucidativo disso foi a tomada da Resolução 1441 do CS sobre o Iraque.

A experiência mostra que nós não devemos ser "tímidos" na protecção dos nossos interesses. Há alguns anos, falou-se muito sobre o enfraquecimento das posições da Rússia, devendo, por conseguinte, a sua política externa ser mais moderada e "tímida".

Todavia, a prática mostra que as nossas posições se enfraquecem cada vez que nós fugimos à solução de um ou outro problema internacional. Ao mesmo tempo, se formos mais activos em todas as áreas - política, economia e militar - os nossos interesses poderão ser melhor respeitados.

PERGUNTA: Falemos mais de segurança: no ano que está a findar aumentou a segurança da Rússia?

IVANOV: Deve dizer-se que, hoje em dia, o significado da palavra "segurança" está a mudar. Antigamente, a segurança relacionava-se com a existência ou não de ameaça aos interesses nacionais. Neste sentido, se calhar, pela primeira vez na história, a Rússia não está ameaçada por nenhum Estado. Em igual medida, a Rússia não encara nenhum Estado como adversário ou inimigo. Por mais estranho que possa aparecer, o mundo de hoje não está à beira de uma catástrofe nuclear ou confrontação global.

Nestas circunstâncias, será mais fácil dar solução a problemas de difícil solução. Assim, podemos constatar que neste ano conseguimos manter a estabilidade estratégica, não obstante o abandono pelos EUA do Tratado ABM. O novo Tratado russo-norte-americano prevê reduções sucessivas dos potenciais estratégicos ofensivos. Caber-nos-á definir a estrutura a composição das nossas forças nucleares. Isto significa que a Rússia poderia manter a sua segurança estratégica, podendo ainda prosseguir a realização da reforma militar, sem se envolver na corrida aos armamentos.

Vejamos ainda a criação do Conselho Rússia-NATO, o que possibilita, com base nos direitos iguais, debater e tomar resoluções conjuntas. Mais do que isso, a Aliança Atlântica coloca as mesas tarefas prioritárias como o Conselho Rússia-NATO. Como é óbvio, trata-se do combate ao terrorismo e novas ameaças.

Enquanto isso, o mundo, que se livrou dos receios anteriores, deparou com os novos desafios. Actualmente, não há único um país que possa ficar livre da ameaça de terrorismo. É um facto consumado que fez mudar o mundo, tendo feito mudar as formas de encarar a segurança. Estão a surgir situações novas e até "extraordinárias".

Veja-se, por exemplo, a presença militar dos EUA em alguns países da Ásia Central devido à operação antiterrorista no Afeganistão. Como podemos avaliar este facto do ponto de vista do imperativo de lutar contra as ameaças terroristas, provenientes do Afeganistão? A Rússia e os seus parceiros da CEI perderam ou ganharam com a possibilidade de limitar ou eliminar este tipo de ameaça? Creio que a resposta a esta pergunta é bem clara e inequívoca.

Pode-se falar muito das mudanças operadas no mundo devido à alteração do carácter das ameaças. No entanto, pode-se constatar que o mundo se tornou mais coeso, pela primeira vez desde o fim da Segunda Guerra Mundial, na luta contra a ameaça do terrorismo. Este sentimento de coesão corresponde aos interesses nacionais da Rússia.

PERGUNTA: E tudo isso será deitado a perder, se começar a guerra contra o Iraque...

IVANOV: Envidámos enormes esforços para que o problema iraquiano não saia da área do direito internacional, para que seja resolvido no âmbito das resoluções do Conselho de Segurança da ONU. Temos agora a Resolução 1441, cujo cumprimento requer o trabalho coordenado com os Estados Unidos e a comunidade internacional, em geral. Por isso, temos que alcançar os objectivos que estão consagrados e nitidamente definidos neste documento. E mais concretamente, para que o Iraque não tenha armas de extermínio em massa. Para conseguir este objectivo, a guerra não é necessária.

PERGUNTA: E quanto à CEI, parece ter havido bastante mudanças positivas em 2002, no entanto o Sr. não está satisfeito. Por quê?

IVANOV: Temos feito muito, sem dúvida. E este progresso, esta dinâmica, testemunha e confirma que muitas coisas são alcançáveis. Sim, estamos a reforçar a CEI, estamos a reforçar a EVRAZES (Comunidade Económica Euro-Asiática).

Mais um resultado positivo do ano que termina foi a constituição da Organização do Acordo de Segurança Colectiva. Esta nova estrutura é vocacionada para lançar os alicerces do sistema da segurança em todo o espaço da Comunidade, incluindo a formação de forças de intervenção rápida. Sem dúvida alguma, temos aqui um importante elemento para redobrar a segurança nacional da Rússia propriamente dita.

Contudo, tudo isso é pouco. Tomemos, por exemplo, a ampliação do intercâmbio comercial, a dinamização de numerosos projectos económicos com os países da Comunidade de Estados Independentes. Creio que é justamente nestes domínios que temos que concentrar os nossos esforços no ano de 2003, entre muitas outras tarefas que se colocam perante a diplomacia da Rússia.

© RIAN

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