O impasse no acordo com Irã

"Washington já se separou da vasta maioria dos 1,7 bilhão de seguidores do Islã. Já perdeu a maior parte do 1,2 bilhão de indianos - e a Índia está-se unindo à Organização de Cooperação de Xangai. Já perdeu 1,3 bilhão de chineses com aquele patético "pivô para a Ásia" - e as provocações sem fim no Mar do Sul da China. E perdeu completa e totalmente a Rússia, a absoluta maioria da América Latina e a absoluta maioria do Sul Global." 

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O hoje já lendário tuíto do ministro Zarif de Relações Exteriores do Irã, no qual citou Abraham Lincoln é a senha "Rosebud" para decifrar o atual impasse entre EUA e Irã em Viena.

Zarif tuitou, "Marque minhas palavras: ninguém pode trocar de cavalo no meio da corredeira". Como uma fonte privilegiada iraniana disse a Asia Times "trocar de cavalo" é precisamente o que fez, abruptamente, o presidente Obama dos EUA - sobre posições de conciliações com as quais havia concordado dois dias antes.

Aconteceu 4ª-feira passada à noite, hora de Viena - na mesa de negociações.

As coisas começaram a mudar depois de um coquetel de trabalho na Sala de Jantar de Estado em Washington, na 3ª-feira à noite, quando Obama apareceu "absolutamente não" preocupado sobre as possíveis implicações do acordo e disse que as chances eram "menos de 50% nesse momento".

Já antes do coquetel - no mesmo dia em que se esgotou o prazo de 7 de julho - o governo Obama já estava fazendo hora extra, desmentindo a noção de que assinaria qualquer acordo só para salvar "o único sucesso" de política externa em que todo seu legado se resume.

Em meados da semana, o secretário de Estado dos EUA John Kerry baixou a aposta ainda mais, depois de sua tirada nada diplomática do domingo passado - "o acordo pode ir para qualquer lado", e saiu-se com a coisa do "podemos ir embora", aplicadamente repetida à exaustão pela imprensa-empresa dos EUA.

"Trocar de cavalo" confirma tudo que Asia Times havia noticiado, depois de conversas detalhadas com diplomatas e negociadores; como um alto oficial iraniano disse a esse correspondente semana passada, o governo Obama não parece ter a vontade política - pelo menos até agora, se é que algum dia terá - de comprometer-se realmente com pôr fim, de uma vez por todas, ao Muro da Desconfiança contra o Irã.

Outro funcionário iraniano, em briefing aberto na 5ª-feira passada, lamentou um possível "grande retrocesso", mas manteve o discurso oficial do Irã, segundo o qual John Kerry é "sério". E também confirmou o que Asia Times ouvira off the record - que EUA, Reino Unido e França haviam começado repentinamente a retroceder em partes chaves do quadro demarcado em Lausanne.

Segundo o mesmo funcionário iraniano, com acesso direto à mesa de negociações, "não é negociação multilateral. Parece mais que você está em cinco bilaterais. Às vezes, cada país tem linhas vermelhas próprias."

Teerã, por sua vez, tomou suas decisões políticas há muito tempo, como Asia Times noticiou. E o funcionário iraniano voltou a reforçar o mesmo ponto: "O que falta é exatamente a decisão política, que não há no outro lado." 

Parece que todos devemos remixar America e pôr-nos a cantar "Estive em Viena / com um cavalo e sem acordo"...?

Um cavalo sem acordo 

Numa semana na qual se esperava que fosse concluído um acordo - e depois de ultrapassados três prazos finais - a questão do fim de um embargo de armas, de 2007, imposto pela ONU ao Irã também emergiu, com a imprensa-empresa norte-americana, em massa, culpando o Irão por "novas demandas".

Bobagens. É fácil esquecer que o presidente Rouhani liderou antes negociações nucleares com a Europa, de 2003 a 2005. Sempre tentou impedir a transferência do dossiê nuclear do Irã, da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) para a ONU. A transferência nunca fez sentido - pois se tratava de dossiê técnico. Mas Washington conseguiu transferir o dossiê, o que levou à politização crescente da AIEA.

Para os negociadores iranianos, a chave são as sanções do Conselho de Segurança da ONU (CS-ONU); têm de ser abolidas, em primeiro lugar e sobretudo, porque legitimam todas as outras sanções ocidentais. O fim de todas as sanções ficou decidido em Lausanne. Portanto obviamente incluía o embargo de armas, que é sanção do CS-ONU relacionada à questão nuclear.

Como disse na 2ª-feira passada um diplomata iraniano, "no que tenha a ver com o Irã, acreditamos (...) que não deve haver lugar para o embargo de armas (...) Nem há qualquer tipo de prova de que o embargo de armas tenha alguma relação com a questão nuclear."

Seja como for, a máquina de boatos entrou em rotação máxima, de qualquer modo, culpando a Rússia por a questão ter sido levantada na mesa de negociações. ComoAsia Times noticiou, o fato é que os membros BRICS Rússia e China têm posição coordenada: não ao embargo. Os outros dois membros do P5, EUA e Reino Unido, são a favor. E a França balança - pensando nos lucros que a indústria de armas conta recolher.

Nessa 5ª-feira, em Ufa - à margem da reunião conjunta BRICS/Organização de Cooperação de Xangai, OCX - o ministro de Relações Exteriores da Rússia Sergey Lavrov foi direto ao ponto: "Estamos requerendo que o embargo seja levantado o mais rapidamente possível, e apoiaremos as escolhas que os negociadores iranianos façam."

Isso, no mesmo dia em que o presidente Rouhani encontrou-se com o presidente Putin como parte da cúpula da OCX. O Irá passará a ser membro da OCX, tão logo sejam levantadas as sanções da ONU. Aconteça o que acontecer em Viena, o Irã ampliará inevitavelmente seu papel como nodo vital da integração da Eurásia - da(s) Nova(s) Rota(s) da Seda à OCX.

Asia Times ouviu de veterano funcionário iraniano que o embargo de armas não é questão que faça naufragar o acordo nuclear. O que realmente importa são as sanções econômicas e financeiras. O Corpo de Guardas Revolucionários do Irã (ing.IRGC) desenvolveu sua própria e relativamente sofisticada indústria iraniana de armas. E armas compradas da Rosoboronexport - organização russa de exportação de armas - completará a mistura. A oposição nos EUA tem tudo a ver com a influência de Israel e da Casa de Saud no governo dos EUA.

Em Ufa, na cúpula BRICS/OCX, o ministro de Finanças da Rússia Anton Siluanov também minimizou o impacto sobre a Rússia, no caso de as sanções contra o Irã serem levantadas. Disse "injetar mais petróleo nos mercados mundiais pode ter impacto nos preços. Mas o preço depende da economia global em geral. Se há demanda suficiente, o impacto será mínimo."

Dureza é implementar 

Aconteça o que acontecer em Viena, a estrada à frente é cheia de perigos. Um acordo consistirá de três fases delicadas: adoção, operação e implementação. De Viena sairá (se sair) só o texto do acordo (85 páginas mais cinco anexos) - que passará por revisão em Teerã e Washington (o prazo para a revisão é agora de 60 dias, em vez de 30).

"Operação" é a fase prevista para que cada lado adote as medidas acordadas - o que os iranianos chamam de "um processo paralelo" de desmonte de partes do programa nuclear, paralelo a passos na direção de desmontar a arquitetura das sanções.

E a implementação começará automaticamente: o Irã cumpre todos os seus compromissos, verificados pela AIEA; e as sanções ocidentais, econômicas, bancárias e financeiras - em teoria - desaparecem.

Esse é o chamado "Plano Amplo Conjunto de Ação [ing. Joint Comprehensive Plan of Action (JCPA)]. Demorará pelo menos até o fim de 2015 para que o povo iraniano sinta pelo menos alguma pequena melhoria na vida diária. Apenas há uns poucos dias, o chefe dos negociadores iranianos Abbas Araqchi soava muito otimista na TV iraniana. "Alcançamos um consenso para a remoção de sanções econômicas e financeiras no dia em que for implementado o acordo" - disse ele.

Qualquer analista que não seja cego pela ideologia sabe que o programa nuclear iraniano nunca foi o problema, para Washington. Só cabeças-de-prego neoconservadores acreditam nas fantasias deles mesmos de que o enriquecimento de urânio a 5% no Irã mascararia 'outro' enriquecimento, de 95%, para um programa de armas nucleares.

Não importa se aquela orgia de siglas que são as agências norte-americanas de inteligência já tenham repetido incontáveis vezes que o Irã não tem programa de armas nucleares. Nem que o Supremo Líder Aiatolá Khamenei tenha repetidas vezes enfatizado que bomba atômica é anti-islâmica.

No pé em que está - e, de fato, por falta de vontade política em Washington - o acordo pode estar regredindo para "menos que 50ª 50", mesmo com novo prazo definido para 13 de julho. E o mundo inteiro está vendo por quê.

Os registros não são promissores. Washington demorou 50 anos para normalizar relações com a pesadamente sancionada Cuba. Washington já afastou dela a vasta maioria dos 1,7 bilhão de seguidores do Islã. Já perdeu a maior parte dos 1,2 bilhão de indianos - e a Índia está-se unindo à Organização de Cooperação de Xangai. Já perdeu 1,3 bilhão de chineses, com aquele patético "pivô para a Ásia" - e as provocações sem fim no Mar do Sul da China. E perdeu completa e totalmente a Rússia, a absoluta maioria da América Latina e a absoluta maioria do Sul Global.

Com certeza não é a técnica do "dividir para governar" herdada do fanado império britânico, que os próprios Brits aprenderam de Roma, nas aulas de Latim. Isso aí é querer passar a mão em tudo, tudo de uma vez. *****

10/7/2015, Pepe Escobar, Asia Times Online

 

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