O nefasto uso da fé

Hoje a fé é um bom negócio! Na verdade, sempre foi. Fazer-se acreditado e seguido por muitos sempre foi a melhor forma de poder. O que é lamentável é que podemos constatar que viver sob o domínio da fé só é bom para os seguidos e péssimo para os seguidores, que muitas vezes adotam e seguem cegamente uma fé totalmente desprovida de razão.

 Por Alessandro Lyra Braga

Talvez os leitores já tenham percebido que até agora eu não citei o termo religião. Até porque a fé não se manifesta apenas pela religião. Fé é acreditar em algo ou alguém, que pode ser um líder religioso, um político ou uma idéia. Concordo que hoje se faça um absurdo e nefasto uso da fé religiosa, principalmente por parte dos pastores/empresários do invisível, que usam o púlpito de suas igrejas, geralmente neopentecostais, como um trampolim para a fortuna fácil e inalcançável pela Receita Federal, por exemplo.

Tenho percebido, com muito pesar, que as emissoras de rádio AM de todo país estão todas, uma a uma, perigosamente, caindo nas mãos de igrejas, que estão cada vez mais ricas e poderosas. As emissoras abertas de TV também estão tendo suas programações compradas pelas igrejas, tanto que recentemente, a CNT passou a exibir, todas as noites durante a semana e por intermináveis horas, a programação de muito mau gosto de uma grande igreja evangélica, que está ramificada em todo o país e que abre templos como se fosse agências bancárias. Convém frisarmos que as igrejas tradicionais, como as Batistas, as Congregacionais e as Presbiterianas se mantém à parte desse circo bíblico-financeiro e alienatório, que até já possui sua bancada no Congresso Nacional e nas assembleias legislativas e câmaras de vereadores de todo país, constantemente propondo retrocessos conceituais e até o fim da postura laica do Estado brasileiro.

São verdadeiros aiatolás do fundamentalismo evangélico brasileiro. E nada é feito em oposição a isto, porque não há político que não tenha medo da ira de um pastor. E não é medo de pragas ou maldições, mas sim dos votos que perderão. São os negócios da fé e pela fé que falam mais alto. Afinal, há poucos dias, o controverso pastor Marco Feliciano lembrou que a presidente Dilma poderia perder o apoio dos evangélicos se cedesse às pressões por tirá-lo da Comissão de Direitos Humanos. O que ninguém percebeu foi que este pronunciamento demonstrou haver o "voto de cabresto" nas igrejas evangélicas. Mas, quem teria coragem em questionar esta verdade? Será que temos algum político íntegro e de caráter para questionar o pastor Marco Feliciano e as lamentáveis práticas eleitorais apregoadas?

Também admito que este apogeu de poder das igrejas evangélicas, foi em parte proporcionado pela perda de fiéis que a Igreja Católica sofreu ao longo das últimas décadas. Se antes a Igreja Católica sabia fazer-se presente como sustentáculo da fé em todos os lares, hoje a coisa é bem diferente. Existe uma verdadeira briga pelo mercado do sagrado, onde as mensagens de amor ao próximo e solidariedade, por exemplo, são destronadas em favor da vendagem de CDs, DVDs e shows que ajudem na arrecadação do tão desejado e abençoado vil metal. É lamentável, mas é verdade!

Saindo da esfera religiosa, a fé também se manifesta junto à instituições, por exemplo. Antigamente, a população tinha uma fé inabalável pelo Poder Judiciário. Porém, depois que todos tomamos consciência do que acontece nos bastidores dos tribunais e nos corredores e gabinetes dos fóruns, esta fé quase que desapareceu. Parece que o povo voltou a acreditar na Justiça a partir de atos do ministro Joaquim Barbosa, que, ao desafiar o então presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, há alguns anos, afirmando que este estava destruindo a reputação da instituição junto à opinião dos brasileiros, quase transformando o STF num balcão de negócios, à imagem e semelhança de outras instituições do país, mostrou-nos que ainda há homens decentes em quem podemos ter fé.

Também lamento que a população tenha perdido a fé numa educação e formação pessoais de qualidade. Antigamente, acreditava-se que quem lutasse venceria. Hoje sabe-se que quem luta, mas não tem um "pistolão", morre na praia. Hoje, o diploma vale pouco se compararmos o que vale conhecer alguém importante. Um professor público ganha uma miséria, mas um assessor de deputado ganha bem, mesmo não sendo tecnicamente qualificado. Aliás, na política, encontrar alguém tecnicamente qualificado é missão mais do que impossível! Por isso e pelos atos criminais de quase noventa e nove por cento de nossos políticos, é que ninguém tem fé na política brasileira. Hoje, a "nominata" (relação de candidatos) de um partido político numa eleição mais serve para denúncia por formação de quadrilha do que de opção do pleno exercício da democracia.

Na verdade, está cada dia mais difícil ter fé em algo. Em quem ou no que confiar? Não sei responder. Só sei que temos que seguir em frente, por isso parto na dianteira para tentar acender uma luz em meio a escuridão da desinformação.

*Alessandro Lyra Braga é carioca, por engano. De formação é historiador e publicitário, radialista por acidente e jornalista por necessidade de informação. Vive vários dilemas religiosos, filosóficos e sociológicos. Ama o questionamento.

http://www.debatesculturais.com.br/o-nefasto-uso-da-fe/

 

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