COMO SE CELEBRA O ANO NOVO NA RÚSSIA?

Para os russos, a árvore de Ano Novo (ou árvore de Natal, como se costuma dizer no Ocidente) é o elemento central da comemoração desta data e do banquete festivo, cujos requisitos indispensáveis são os blinis (algo semelhante às panquecas) recheados com caviar de esturjão (preto) ou de salmão (vermelho).

O caviar nos dias de festa é uma tradição milenária na Rússia, mas o costume de enfeitar a árvore de Natal é relativamente recente, tendo a sua origem na Alemanha. Este costume foi generalizado no país pela imperatriz Aleksandra Fiodorovna, de origem alemã, casada com o imperador Nicolau I. Nessa altura a imperatriz mandava enfeitar os seus aposentos com ramos de abeto. Era assim que os alemães celebravam o nascimento de Cristo.

Os ramos verdejantes de abeto pressupunham simultaneamente vários outros elementos: a luz da estrela de Belém que apareceu nos céus no momento do nascimento de Cristo e iluminou o caminho dos Reis Magos que levavam os presentes ao Menino. Além disso, a ramagem verde do abeto fazia lembrar aos fiéis a entrada triunfante de Jesus Cristo em Jerusalém, quando o povo israelita, no caminho por onde iria passar o Salvador, deitava no chão folhas de palmeira.

O mais provável é que na Europa o costume de enfeitar as casas com ramos verdes venha do Império Romano, onde nas Saturnais os patrícios adornavam as suas casas com grinaldas e ramos de flores frescas. Evidentemente, na Europa do Norte no Inverno era impossível encontrar rosas e jacintos, tendo estes sido substituídos por ramos de visco, zimbro e abeto.

A princípio, o abeto era entendido na Alemanha como um elemento ornamental indispensável do banquete de Ano Novo. Uma outra monarca, a antiga princesa da Prússia Charlotta (que após o casamento se tornou imperatriz russa Aleksandra Fiodorovna), os ramos de abeto com as velas acesas traziam-lhe as recordações infantis da sua pátria. Esta comemoração íntima na casa real russa era complementada com a tradição de trocar presentes, que se colocavam debaixo do pequeno abeto ou no seus ramos. Mas, já que a quantidade de presentes ia aumentando de ano para ano, uma árvore pequena já não era suficiente, indo esta crescendo cada vez mais, tal como a família dos soberanos e a sua numerosa prole.

Todos se aperceberam destas novidades na casa imperial e, naturalmente, não quiseram ficar para trás. O fenómeno da árvore de Natal passou de boca em boca e todos os aristocratas queriam ter uma igual no seu palácio - quer dizer, a moda foi-se espalhando, conquistando primeiro São Petersburgo e depois toda a Rússia. Assim, a árvore de Natal tornou-se na Rússia uma das tradições mais acarinhadas.

E por quê? Porque o seu mistério do seu verde eterno condizia perfeitamente com o frio Inverno russo e com a alma eslava. Não se deve esquecer que historicamente os russos eram inicialmente um povo de pescadores, lenhadores e lavradores no meio de imensas florestas. E esta floresta vasta, perigosa e inexplorada é um elemento central da sua mentalidade, tal como os monstros dos povos pagãos. Creio que é mesmo por isso que os russos preferem ter em sua casa durante a quadra festiva abetos naturais, com o seu cheiro característico, desprezando aquelas imitações sintéticas importadas do Ocidente.

Importa lembrar que na Rússia o Natal se celebra numa data diferente da Europa devido à diferença do calendário usado na Igreja - juliano e gregoriano - isto é, a 7 de Janeiro e não a 25 de Dezembro. Mas, por paradoxal que pareça, o Ano Novo costuma ser comemorado na mesma data.

Convém realçar mais um atributo indispensável da festa de Ano Novo na Rússia: a participação obrigatória das crianças, o que confere à festividade elementos de teatro infantil. De mão dada em círculo, adultos e crianças fazem uma roda à volta da árvore de Natal, cantarolando o refrão: "...e na floresta nasceu um abeto...". Após a Revolução Socialista de 1917, que implementou novos costumes e nova moral, a tradição da Árvore de Natal foi eliminada como uma superstição burguesa. A 24 de Novembro de 1917 foi publicada a respectiva lei pelo Conselho de Comissários do Povo. Chegaram assim tempos difíceis para as crianças, para todos os que gostavam de brincar e assinalar a data. O Ano Novo foi riscado do calendário de feriados e passou a ser um dia normal de trabalho, sem prendas, presentes e surpresas. Os abetos desapareceram dos mercados e os que se atreviam a trazê-los directamente dos bosques eram imediatamente chamados à responsabilidade criminal.

O primeiro a violar este tabu de moral comunista foi o dramaturgo Milhail Bulgakov que no seu famoso espectáculo "Os dias dos Turbins", tendo colocado numa das cenas a árvore interdita, enfeitada com grinaldas, velas de cera e com o específico cheiro a abeto. José Estaline que, tendo fama de apreciador da arte e de teatro - como afirmam os historiadores - assistiu pelo menos a 15 espectáculos daquele dramaturgo e, tão impressionado ficou que autorizou de novo comemorar o Ano Novo com todos os seus atributos. Como resultado, a 10 de Janeiro de 1937 um abeto de dimensões colossais foi instalado na Sala das Colunas da Casa da União. Media 15 metros de altura! Em breve chegaram os tempos da Segunda Grande Guerra (1941-1945), que puseram fim ao renascimento desta tradição russa.

O verdadeiro culto do Ano Novo só voltou na URSS em 1947, quando o dia 1 de Janeiro foi proclamado feriado, tal como era nos bons tempos pré-revolucionários. Com a árvore de Natal voltou a atmosfera de alegria, folia, mascarados, fogos de artifício, presentes e prendas, postais de Ano Novo.

À parte do abeto, outro atributo da festa de Ano Novo é a chegada do Pai Natal, com o nariz vermelho do frio e obrigatoriamente com o saco cheio de prendas, presentes, doces e bombons. Na Rússia desde os tempos antigos o Pai Natal é chamado Vovô do Frio. Usa a roupa mais ou menos igual ao Pai Natal ocidental: um casaco comprido de pele, um gorro com pompom, luvas grossas, segurando na mão um bastão e levando nas costas um saco vermelho cheio de presentes. A única diferença entre o personagem europeu e o Vovô do Frio russo é a cor das vestes e as botas altas de feltro deste último, que o protegem do frio.

Ninguém sabe ao certo como apareceu este personagem, pois apenas há um século o Vovô do Frio era desconhecido. Pela primeira vez apareceu nos postais de Ano Novo nos finais do século XIX. Na Alemanha é conhecido como Ruprecht (isto é, Vovô de Natal), na Inglaterra como Santa Claus (ou seja, São Nicolau), na França como Pai de Janeiro. A sua aparência é bastante semelhante em todos os países: um velhote alto, forte, com gorro de pele, um casaco vermelho comprido e sempre com um bastão de madeira.

Na Rússia o Vovô do Frio apareceu não só em postais, mas também nos palcos improvisados acompanhado sempre da sua neta Snegurotchka (Menina das Neves). A imagem do Vovô do Frio reflecte na perfeição o protagonista dum conto de fadas russo onde aparece o Morozko (Tio do Frio), cuja função é congelar os rios e lagos, construir palácios de gelo, cobrir árvores com a neve e outros feitos semelhantes. Mas o principal é dar e distribuir presentes entre a meninada, retirando-os da sua enorme sacola. Na figura do Vovô do Frio transparece a imagem do mago das tempestades de neve - quer dizer ele remonta à mitologia pagã russa.

O Vovô do Frio entra em casa e começa a distribuir presentes às crianças. Depois, pelo costume russo, senta-se à mesa e os donos de casa servem-lhe um copo de vinho ou um bom cálice de vodca. Frequentemente é convidado a tomar chá com doces.

Os doces merecem especial menção. Eles finalizam a festa. Na Rússia são bombons de chocolate, bizet, geléias, bolos com creme e nata batida, biscoitos, bolachas com passas, pastéis recheados com marmelada, frutas glacé, panquecas quentes com mel, etc. Todo este paraíso de gulodice culmina com um bolo grande com natas batidas, feito especialmente numa confeitaria. No cimo do bolo é colocado um abeto de fruta glacé ou chocolate e para imitar a neve é espalhado em cima um creme branco ou natas bem batidas. O champanhe é servido à luz dos fogos-de-bengala e o bolo é partido à luz das velas acesas.

Os russos mais extravagantes costumam celebrar o Ano Novo nas suas "dachas" (aliás, quintas de Verão construídas normalmente nos arredores da cidade) onde é fácil encontrar um abeto no meio dos montes de neve. A árvore é enfeitadas com grinaldas e luzinhas e quando soa o repique do carrilhão da Torre do Kremlin anunciando a chegada do Ano Novo, todos se põem a beber vodca no meio do frio gélido e a comer pepinos salgados.

Anatoli Korolev observador político RIA "Novosti"

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