AS LIÇÕES DE TCHERNOBYL DE POUCO SERVIRAM

Logo depois da catástrofe de Tchernobyl, um meu amigo americano enviou-me um telegrama onde dizia que era necessário ministrar comprimidos de iodo às crianças. Telefonei imediatamente para o vice-presidente do Governo, Ivan Silaiev, e informei-o desta recomendação. Fui convidado para uma reunião da Comissão Estatal e depois enviado juntamente com os membros da comissão para Tchernobyl embora como físico eu me especializasse noutros problemas. Assim aconteceu que tive de tratar da liquidação das consequências do acidente. Hoje, passados 18 anos sobre esta tragédia, gostaria de compartilhar algumas das minhas reflexões. Primeiro, durante todo este período as consequências do acidente de Tchernobyl foram incrivelmente exageradas, especialmente na imprensa. O facto de este desastre ter tido forte influência sobre a saúde das pessoas não foi confirmado por conclusões médicas. Outro exemplo são as estatísticas do serviço médico do Instituto Kurtchatov. Todos os 600 investigadores do instituto que ao longo destes 18 anos fizeram regularmente viagens a Tchernobyl (aliás, eles até hoje trabalham lá) têm bons índices médios de saúde e continuam a exercer as suas funções.

Mais uma observação: Tchernobyl evidenciou a falta de preparação do país para este tipo de acidentes, embora um caso semelhante já tivesse ocorrido anteriormente. Em 1957, na Empresa Química Maiak de Tcheliabinsk (Urais) deu-se também uma explosão acompanhada de emissões radioactivas. Por decisão das autoridades soviéticas, as informações sobre este acidente nuclear foram mantidas em segredo juntamente com a análise e conclusões tiradas pelos melhores especialistas e destacados cientistas que investigaram as suas causas e consequências. Em resultado disso, a tragédia de Tchernobyl provocou grande perplexidade na sociedade.

Infelizmente, o tempo convence-nos de uma coisa bastante triste: a experiência de Tchernobyl, cujos dados não foram mantidos em segredo, mesmo assim de pouco serviu. Ninguém no mundo procurou levá-la em consideração, estudá-la e pô-la em prática. E isso é mau porque a experiência de Tchernobyl é inapreciável. Com base nela podia ter sido construído um modelo de comportamento em situações similares. Infelizmente, os acidentes de origem tecnológica nas centrais nucleares podem vir a repetir-se, apesar de no período decorrido desde o desastre se ter feito muito no domínio da segurança da indústria nuclear. Não se pode deixar de levar em consideração a actual situação política no mundo e o perigo do terrorismo, que se tornou uma realidade. Não está excluído que possa vir a surgir uma grave situação radiológica.

Por mais paradoxal que pareça, a experiência de Tchernobyl não é aproveitada como se deve também na Rússia, em todo o caso, não a temos "ao alcance da mão", o que seria sensato. Se houve quem a aproveitasse foram os especialistas da indústria nuclear. Depois do desastre na Central Nuclear de Tchernobyl, os reactores de tipo RBMK (primeiro tipo de reactores soviéticos instalados nas centrais nucleares) foram modernizados. Em consequência do seu aperfeiçoamento, estes blocos tornaram-se mais seguros e continuam a ser explorados com êxito até agora. Portanto, era possível torná-los seguros antes da tragédia, mas os físicos nucleares cometeram um erro e têm culpa nisso.

Uma das faltas do projecto foi o facto de ele não ter levado em consideração o "factor humano", que podia desempenhar o seu papel fatal. Um elo fraco foi também o sistema de gestão e formação de pessoal da central. Um encadeamento de acções inadmissíveis praticadas naquela manhã trágica pelos operadores da Central Nuclear de Tchernobyl levou à explosão do 4.º bloco. Infelizmente, também em outros países e não só no nosso ocorreram desastres nas primeiras instalações energéticas nucleares.

Claro que os erros não podem ser excluídos definitivamente e, mesmo assim, hoje somos capazes de garantir melhor a segurança dos reactores. E mesmo que ocorra um desastre por uma causa extraordinária, garantimos que ela não levará à evacuação da população nem ocorrerão outros fenómenos negativos para a saúde e bem-estar das pessoas.

Nos últimos 10 anos na Rússia não foi construída nenhuma central nuclear. No entanto, a quota-parte de produção de energia nuclear no país cresceu de 12 para 16 por cento. A dinâmica positiva deve-se ao aperfeiçoamento da gestão, à modernização das centrais nucleares e a toda uma série de outros factores. Tendo em conta o facto de os recursos naturais - o petróleo, o gás e o carvão - não serem ilimitados, enquanto as necessidades energéticas da humanidade crescem, a energia nuclear, que por enquanto não tem concorrentes reais, tem um bom futuro, pois sem ela será difícil o progresso.

Evgueni Velikhov, membro da Academia das Ciências da Rússia em entrevista com RIA "Novosti"

© RIAN

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