COMENTÁRIO - MOSCOVO MANIFESTA TRANQUILIDADE COM REPOSICIONAMENTO DAS BASES AMERICANAS

Os planos de transferir as bases militares dos Estados Unidos da Alemanha para a pátria ou outras regiões do Planeta explicitados a 16 de Agosto pelo Presidente George Bush num discurso perante os veteranos de guerra no Estado de Cincinnati não provocaram nenhuma apreensão séria na cúpula militar russa. O ministro de Defesa da Federação Russa, Serguei Ivanov, declarou aos jornalistas: "Sabemos bem dos planos dos EUA de reconfigurar as suas forças armadas e compreendemos bem essa intenção. Não vejo nisso nada de alarmante".

No entanto, ainda há pouco a intenção de instalar uma parte destas bases na Polónia - por exemplo, no aeródromo em Minsk Mazowiecki ou em Biala Podliaska, nas imediações da fronteira com a Bielorrússia - foi qualificada em Moscovo como "ameaça imediata à segurança da Rússia". Pelo menos, esse era o teor dos enunciados feitos em Fevereiro passado pelo titular da pasta militar Serguei Ivanov e pelo chefe do Departamento Central Operacional do Estado-Maior General, o coronel-general Aleksandr Rukchin.

Afinal, o que é que mudou no posicionamento de Moscovo? Primeiro e principal: com efeito, Moscovo desde há muito sabia do desígnio da Casa Branca de reconfigurar as bases na Europa. Sabia também que esta reforma não era nenhuma tentativa da administração Bush de castigar a Alemanha que, ao aderir à França e à Rússia, desaprovou os planos da guerra contra o Iraque e do derrubamento do regime de Saddam Hussein. Os analistas e especialistas em assuntos militares compreendem também que depois do desmoronamento da União Soviética, depois da expansão da NATO para o Leste, depois de a Rússia se transformar do "factor hostil à democracia ocidental" em parceiro dos Estados Unidos e da Aliança Atlântica, enormes despesas com a manutenção das infra-estruturas militares norte-americanas colossais na Europa perderam todo o sentido. Actualmente quando o perigo da guerra mundial se afastou, os contingentes militares tão grandes como o Pentágono tinha na Alemanha - cerca de 100 mil militares e com as famílias aproximadamente 300-350 mil pessoas - transformaram-se num fardo oneroso, sem corresponder em absoluto aos imperativos do desenvolvimento moderno da arte militar.

Segundo, para efectuar tais operações como a luta contra o terrorismo internacional, a proliferação das armas de extermínio maciço, das tecnologias nucleares e de mísseis são desnecessários exércitos numerosos, equipados em abundância. Para os efeitos são imprescindíveis tropas móveis, flexíveis, operacionais, dotadas de altas tecnologias, capazes de estruturar-se em poucos dias ou semanas e intervir quase imediatamente utilizando como base a infra-estrutura militar montada com antecedência em um ou outro teatro de operações militares. E tais infra-estruturas serão montadas e até já estão a ser montadas na Polónia, Lituânia, Bulgária, Roménia, Uzbequistão, Quirguízia, Kosovo, Turquia, Afeganistão, Coreia do Sul, Japão, Filipinas... Esta lista não acaba por ai e, em perspectiva, poderá ser aumentada com a Geórgia e o Azerbaijão.

Pode-se realmente constatar que semelhante configuração que toma perfil pelo chamado "arco de instabilidade" representa certo perigo para a Rússia. Mas não para a Rússia de hoje, talvez para uma Rússia hipotética, futura, pois nunca se sabe como a situação poderá virar. Então, não adianta falar disso em voz alta, uma vez que existe nenhuma possibilidade de alterar estas mudanças. As declarações sobre "a hegemonia norte-americana", sobre o "desprezo pelos interesses alheios só são capazes de agravar a situação sem dar efeitos positivos. Portanto, o melhor que se pode fazer é manter tranquilidade e sensatez fazendo ao mesmo tempo tudo o que é necessário para reforçar a segurança nacional. É de se supor que tais raciocínios tenham guiado o ministro Serguei Ivanov quando fez a declaração citada.

Passe o que passe, a cúpula militar russa faz para si certas conclusões tendo em conta a versatilidade da situação estratégica e militar na Europa e nas regiões que circundam o país. E disso não há dúvida alguma. Há dias, o comandante das Tropas Especiais responsáveis pelo escudo antimísseis para a cidade de Moscovo e a região de Moscovo, o coronel-general Yuri Soloviev, referiu em conferência de imprensa ter intercedido junto do chefe do Estado-Maior General, Yuri Baluyevski, no sentido de "reforçar algumas vertentes da defesa antiaérea da capital face à expansão da NATO para o Leste" e a sua proposta encontrou todo apoio e compreensão.

O general não especificou que vertentes concretas terão que ser redobradas, mas para os analistas e observadores militares está absolutamente claro que a prioridade será dada mais à direcção ocidental do que oriental. A mesma lógica dominou na decisão de Moscovo de ampliar a sua presença na base militar e no aeroporto Kant, na Quirguízia, e no Tajiquistão atribuindo à 201.ª Divisão Motorizada o status de base militar. A contraposição da Rússia à intenção da liderança georgiana de resolver os conflitos com a Abkházia e a Ossétia do Sul à mão armada parece ter em base essa mesma lógica - quer dizer, redobrar a segurança nacional. Suponhamos, se na Geórgia hoje dilacerada pela guerra civil que deflagrou de novo aparecerem em vez das bases militares russas as norte-americanas - ainda que os líderes georgianos neguem eloquentemente esta eventualidade, - para o Ministério de Defesa da Rússia (e por acaso para o Pentágono) será difícil manter a calma olímpica.

Seguramente, os passos tendentes a reforçar a segurança nacional da Rússia, a ampla reforma das Forças Armadas não são as únicas medidas que o Kremlin toma para reagir de modo adequado à situação geopolítica versátil e ao reposicionamento das bases militares americanas na Europa e em outras partes do globo. Não se pode excluir que no tempo em que a transferência será efectuada - e que são mais ou menos 6-10 anos - nas alças electrónicas dos mísseis estratégicos russos serão inseridos e registados novos alvos. E quem será capaz de garantir que estes alvos não serão novas bases militares dos EUA, digamos, na Polónia, Lituânia ou Roménia? Em todo o mundo os militares norteiam-se pela lógica concreta. Portanto, devem ter em conta não só as declarações e intenções de alguns políticos e chefes de Estado, mas também - e até talvez mais - as possibilidades em potência destes países e das suas forças armadas.

Viktor Litovkin observador militar RIA "Novosti"

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