Rússia precisa da sua ideia geopolítica nacional

A situação dos últimos meses mostra que a causa primordial que empurra os Estados Unidos para perpetrar o acto de agressão contra o Iraque está expressamente relacionada com a crise que atravessa a economia norte-americana e, dum modo geral, vive a sociedade deste país. Sobram provas de que a doutrina económica dos Estados Unidos está hoje em colapso, em fracasso flagrante, e como resultado o país se encontra а beira duma crise de dimensões grandiosas.

Os analistas e economistas dizem que os EUA têm duas soluções para acabar com a situação que se produziu. Primeira, superar a crise implementando profundas reformas estruturais na economia. Subentende-se que se trata das medidas pouco simpáticas para a população em geral. Inevitavelmente isto significa restringir drasticamente o consumo e minimizar as despesas públicas relacionadas com a manutenção do elevado nível e qualidade de vida. E se depois, com outra doutrina económica o país poderia começar a sair progressivamente do estado crítico. Sendo adoptada esta variante, os Estados Unidos poderiam contar com o apoio e solidariedade de toda a comunidade internacional. Era mais ou menos esta solução que ajudou os EUA a superar a «grande depressão» dos anos 20 e 30.

No entanto, a actual correlação das forças políticas nos EUA testemunha que hoje a Administração Bush não parece estar disposta a tomar este caminho racional. Pelo menos porque as decisões e soluções tomadas pelos Republicanos naqueles anos custaram-lhes a perda do poder a favor dos Democratas por mais de vinte anos. Algo semelhante, segundo antevisões dos analistas, pode acontecer na política norte-americana na etapa atual.

Dadas estas considerações, a Administração Bush propõe-se enveredar o segundo caminho que pressupõe o controlo sobre as regiões do mundo ricas em petróleo. Esta variante proporciona a possibilidade de rebaixar os preços unitários por barril até, digamos 8-12 dólares e, desta forma, abrir a «válvula de oxigénio» para a economia norte-americana e dar-lhe uma nova tónica.

Com a invasão ao Iraque, os Estados Unidos planeiam precisamente impor o seu controlo sobre vastas regiões petrolíferas que se estendem desde o Oriente Médio até ao Cáspio. Na administração norte-americana vemos hoje a colisão de duas alas políticas. A primeira e a mais agressiva - em pessoa do vice-presidente Dick Cheney e do ministro da Defesa Donald Rumsfeld - aposta na superioridade militar inquestionável que é preciso por em jogo em nome das tarefas económicas. Outra ala política mais moderada e representada pelo secretário de Estado, Colin Powell, propende mais para a solução suave do problema, com menos perdas e sem a intervenção maciça ao Iraque.

Mesmo as pessoas pouco versadas nas delicadezas políticas compreendem que a invasão norte-americana provocará em todo o mundo o surto dos ânimos anti-USA e, como resultado, das actividades terroristas contra este país. Supondo que os americanos consigam eliminar Saddam Hussein e passar a controlar o petróleo iraquiano, terão que vir a ter com a Arábia Saudita. Este país não quer renunciar tão facilmente aos super lucros que lhe rende o petróleo e conformar-se com as taxas que convêm aos Estados Unidos. Será que, dado este revés, os Estados Unidos vão também eliminar o regime dócil da família real de El-Riade e substitui-lo por outro ainda mais obediente.

Com referência aos interesses da Rússia, creio que até há pouco tudo se fazia para agradar conceitos estratégicos norte-americanos nesta região do mundo. E assim a Rússia via-se sempre numa situação desvantajosa. Para dizer mais o posicionamento conformista da Rússia produzia atitudes de apreensão no mundo islâmico. Ultimamente na política russa tem-se observado uma certa viragem na direcção Leste: os contactos cada vez mais frequentes com a China e Coreia do Norte, a visita do ministro iraquiano dos Negócios Estrangeiros, a reanimação das relações com o Irão. Todos estes fatos atestam que a Rússia se torna um agente cada vez mais independente no cenário e na política mundial.

A propósito, é necessário compreender as consequências catastróficas que trarão as hostilidades dos EUA contra o Iraque. Estabelecido o controlo norte-americano sobre o petróleo do Oriente Médio e dada a quebra dos preços pela metade, o colapso da economia russa está garantido por ser expressamente dependente dos fornecimentos do crude. Seguidamente, chegarão os abalos políticos e em primeiro lugar no Cáucaso do Norte. O Daguestão será a primeira república da Federação Russa a «rebentar» devido а fragilidade da situação política e da correlação das forças existente.

Naturalmente, impõe-se a pergunta: o que é que há de empreender a Rússia para não se deixar a arrastar no caos económico prognosticado? Creio que, antes do mais nada, definir nitidamente a sua política exterior, a sua ideia geopolítica. Segundo, formular sem demora o programa nacional vocacionado para minimizar a dependência da droga petrolífera. Terceiro, elaborar com urgência o conceito estratégico para o desenvolvimento das regiões meridionais da Rússia. E por último, reforçar todas as vertentes militares e policiais responsáveis pela segurança da nação: o Exército, os serviços secretos e de informação, etc. Acho que são condições imprescindível para que o país seja capaz de fazer frente aos desafios globais.

Artigo publicado no RIA Novosti

Coronel-General Leonid Ivachov, vice-presidente da Academia de Problemas Geopolíticos, chefe do Departamento Central de Cooperação Militar Internacional do Ministério da Defesa da Rússia no período de 1996 a 2001

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