A Grande Guerra Patriótica III

Basta abrir qualquer edição para dar-se conta que essa revista, a de maior circulação do Brasil e considerada um confiável meio de comunicação, nada mais é do que uma peça de propaganda semanal.

A edição 1093, de 4 de maio do presente ano, contém uma série de reportagens especiais sobre os 60 anos do fim da Segunda Guerra Mundial (embora sejam relativamente pouco importantes, se comparados ao artigo para demonizar o presidente venezuelano, que aparece na capa). É notável a russofobia desses artículos, que constituem verdadeiras pérolas da imprensa da desinformação e da parcialidade.

Logo na página 131, encontramos uma foto de Bush e Putin, com a legenda: "O presidente russo ainda alimenta sonhos imperiais". O texto, na mesma página, esclarece: "O presidente Vladimir Putin nutre a ambição de reunir os retalhos da extinta União Soviética e formar com eles uma zona de influência que simule, de forma trôpega, a antiga grandeza do império vermelho."

Nenhum fato, pura russofobia. A Rússia não quer reconstituir um império, que na verdade terminou em 1917 (a URSS não era um império, mas uma associação espontânea de povos, unidos por um estado único mas que mantinham sua língua, cultura e tradições). O que se visa é um projeto multilateral de integração política e econômica vantajoso para todas as partes, e principalmente para os países menores.

A Ucrânia e a Geórgia são dois casos emblemáticos: o primeiro é um país com indústria e agricultura muito desenvolvidas, mas dependente da importação de petróleo, gás e eletricidade. A economia ucraniana, depois que assinou o tratado de adesão à zona de livre comércio com a Rússia, experimentou um notável crescimento: compra recursos energéticos da Rússia, muito mais baratos que os preços internacionais, e tem mercado consumidor garantido para seus produtos na Rússia. Viktor Yuschenko, porém, foi colocado no poder no fim do ano passado por um golpe de estado disfarçado de "rebelião popular por democracia", patrocinado pelos EUA e pela União Européia, com o propósito de afastar seu país da Rússia. Mas, embora tenha aproximado bastante seu país do Ocidente, até agora ele preferiu não confrontar a Rússia nem revogar os acordos anteriores.

Provavelmente, o que o levou a isso foi o exemplo da Geórgia, país que também passou por um golpe disfarçado, em 2003, nas mesmas condições. Mas o novo presidente, Mikhail Saakshvili, preferiu erigir-se como o "grande herói contra as ambições imperiais russas", apoiando até mesmo os terroristas tchetchenos. Resultado: a economia está em frangalhos, com falta constante de gás, combustíveis e eletricidade, pela decisão equivocada de afastar seu país da Rússia.

Putin não quer constituir um império, e a prova disso é sua total falta de ação, e até de críticas diretas, contra as intervenções dos EUA e da UE nos países soviéticos. A Rússia está convencida (e os fatos estão demonstrando) que aproximar-se do Ocidente às custas do distanciamento e do enfrentamento com o maior país da antiga URSS é um erro: mas não tratará de impedir isso à força ou através de pressões.

Depois de falar sobre as ambições imperiais da Rússia, a Veja admite que os EUA também são imperialistas, mas pondera: "Os Estados Unidos são outro tipo de império, mais sutil, cuja força está no poder econômico e na influência cultural." Claro, sutilíssimo, como o que vimos e vemos no Iraque: bombas de fragmentação caindo sobre civis, tortura de prisioneiros, asssassinatos indiscriminados, prisões arbitrárias.

Mas passemos à parte sobre a Segunda Guerra Mundial. Nas páginas 134 e 135, encontramos um artigo sobre o massacre dos judeus por parte dos nazistas. É verdade que foi um dos crimes mais bárbaros de todos os tempos, mas também este artigo peca pela parcialidade. Depois de contabilizar os massacres contra os judeus, o jornalista escreve: "Não estão incluídas nessas contas as matanças ocasionais de civis na Polônia, na Rússia e em outros países ocupados." O problema é que as matanças na Polônia e na Rússia não foram "ocasionais": foi um plano deliberado para exterminar os povos eslavos (uma "raça inferior, sub-humana", no mesmo nível que os judeus) e colonizar seus territórios com alemães "superiores". Este projeto até tinha um nome, Generalplan Ost, sobre o qual falaremos mais no próximo artigo.

A parte mais interessante é a entrevista com o historiador inglês Antony Beevor, autor dos livros "Stalingrado" e "Berlim 1945: A Queda". As afirmações de Beevor contém uma contradição sutil, difícil de ser percebida, mas que mostra também sua parcialidade e russofobia. Primeiro ele fala sobre as atrocidades cometidas pelos soviéticos contra os civis alemães, principalmente os estupros de mulheres berlinenses. Os alemães foram, segundo ele, vítimas dos soviéticos.

Logo depois, porém, lhe perguntam sobre o bombardeio das cidades alemãs por aviões ingleses e norte-americanos, que vitimaram centenas de milhares, senão milhões, de civis alemães. Aí a postura de Beevor muda completamente: isso não foi atrocidade, foi uma estratégia necessária para derrotar Hitler. Alguns civis podem ter morrido, ele reconhece, mas "foram vítimas não dos aliados, mas do regime nazista."

Intereressante essa postura: os nazistas começaram a guerra contra a URSS, invadindo-a, exterminando deliberadamente civis na maior campanha de limpeza étnica, deixando prisioneiros morrer de fome, usando-os em trabalhos pesados até a morte, tratando os soviéticos segundo seus caprichos mais sádicos; mas depois, quando os soviéticos vingaram-se em parte dos alemães, estes foram "vítimas da barbárie russa". Mas quando os ingleses e norte-americanos, que não sofreram nem um milésimo do que sofreram os soviéticos, arrasam completamente cidades sem nenhum alvo militar e matam quase todos os civis que viviam nelas, aí não é uma atrocidade, e a culpa é dos nazistas.

Beevor afirma: "A dificuldade russa de lidar com a própria história é maior do que a alemã. A imagem que prevaleceu é a de que o Exército Vermelho libertou a Europa." Isso poderia ser igualmente aplicado aos ingleses e estadunidenses. Não houve santos na Segunda Guerra Mundial: foi o mais cruel conflito de toda a história, e nenhuma das partes pode afirmar não haver cometido nenhuma atrocidade (embora ninguém tenha superado os nazistas, como veremos no próximo artigo). Muitos russos hoje reconhecem suas atrocidades, embora admitindo que a culpa maior é dos nazistas, e com razão; mas até hoje os ingleses e estadunidenses dificilmente aceitam isso, considerando-se como os grandes e únicos heróis, os verdadeiros libertadores.

Além do extermínio de civis alemães, os aliados ocidentais também massacraram os guerrilheiros comunistas na Itália e na Grécia, que há pouco os haviam ajudado contra os nazistas. Apesar da sua imensa participação na derrota do nazismo e do facismo (os partisans italianos chegaram mesmo a derrocar, capturar e matar Mussolini, sem nenhuma ajuda externa), foram traídos por Churchill e Roosevelt, que não queriam que esses países saíssem de sua esfera de influência. A vontade de italianos e gregos não foi respeitada na época: pode-se dizer que ingleses e norte-americanos libertaram a Grécia e a Itália, ou simplesmente erigiram-se como seus novos senhores?

Mas, claro, para os EUA, a Europa Ocidental e os países que vivem sob sua esfera de influência, a guerra foi vencida pelos norte-americanos e ingleses, que libertaram a Europa, foram perfeitamente justos e até caridosos com os alemães. Todas as atrocidades foram cometidas pela União Soviética, o país "bárbaro e tirânico". Alguns vão mais além, e dizem até que a URSS era pior do que a Alemanha nazista.

No próximo artigo, veremos com mais detalhe as atrocidades de todos os lados do conflito, e no seguinte o erro de colocar o nazismo como "o mal menor", comparado ao comunismo. Por agora, fica a lição: não confiem na revista Veja, que poderia muito bem receber o esclarecedor subtítulo "Publicação Oficial do Departamento de Estado dos EUA".

Carlo MOIANA Pravda.ru Buenos Aires

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