Entrevista/Protocolo de Kyoto - Posição da Rússia

A posição da Rússia em relação ao Protocolo de Kyoto é comentada pelo vice-director do Departamento de Relações Patrimoniais, da Terra e da Exploração dos Recursos Naturais do Ministério do Desenvolvimento Económico e Comércio (MDEC) da Rússia, Vsevolod Gavrilov.

- Quais são as condições de ratificação do Protocolo de Kyoto?

- O Protocolo de Kyoto foi assinado em 1997, fixando a necessidade de elaboração da respectiva documentação técnica, a qual foi feita com a participação activa da delegação russa. Esta documentação regula os mecanismos concretos de realização do Protocolo de Kyoto e as obrigações assumidas. A nossa delegação soube defender as posições que nos são favoráveis. Este trabalho foi realizado no período de 2000 a 2003. Durante o processo de ratificação do Protocolo de Kyoto a apresentação de emendas não estava prevista.

- Que significa o Protocolo de Kyoto para a economia russa?

- Sob esta pergunta costuma-se entender se é um bem ou um mal para o país. Respondo: não é um mal. Mas depende de nós próprios se virá a ser um bem. Por que dizemos que o Protocolo de Kyoto não é um mal? O mandato de ratificação do Protocolo de Kyoto estará em vigor até 2012. Sendo assim, dentro deste prazo não prejudicará em nada a economia russa, no entanto a Rússia terá que cumprir uma série de obrigações. De acordo com o artigo 2 teremos que realizar uma política nacional de medidas orientada para a redução das emissões de gases de efeito estufa. Conforme o artigo 5 teremos que elaborar um sistema de avaliação das emissões e absorção dos gases de feito estufa e criar em consonância com o artigo 7 o cadastro de empresas industriais. Claro que tudo isso implica certos gastos, mas a criação de tudo isto é muito útil para a Rússia.

- Irá a Rússia participar no Protocolo de Kyoto depois de 2012?

- Por enquanto não se sabe e não se pode saber porque não existe a fórmula de definição das obrigações para o período após o ano de 2012. Isto será debatido no âmbito das conversações internacionais. E se conseguirmos defender os nossos interesses então vamos pensar na adesão para o segundo período.

- Como passar da fase "não prejudicial" para a fase "do bem"?

- Isto irá depender de como realizarmos a nossa política nacional e as conversações internacionais. Da maneira como o Estado souber maximizar as vantagens potenciais da adesão ao Protocolo de Kyoto para garantir o avanço dos nossos interesses económicos. O mais importante é formular a nossa política interna e fazer com que os mecanismos do Protocolo de Kyoto sejam uma continuação lógica da política interna russa.

- Como tornar isso realidade?

- Os países industrialmente desenvolvidos, que assumiram as obrigações do Protocolo de Kyoto, optaram por sistemas de emissões de gases do efeito estufa regulamentadas, aplicando para o efeito um sistema de multas significativas. Na União Europeia (UE) vigora até 2008 a lei segundo a qual a empresa concreta que ultrapassa as suas normas de emissões será multada, pagando 40 euros por cada tonelada de CO2. Uma tonelada do CO2 equivale à incineração de 1,5 toneladas de carvão. No período entre 2008 e 2012 será aplicada a multa de 100 euros por tonelada. Nós não podemos aplicar semelhante sistema na Rússia.

- E o que se planeia fazer na Rússia?

- Estamos a analisar uma política de duas etapas. Na primeira etapa iremos apoiar aqueles agentes económicos que assumam voluntariamente as obrigações relacionadas com as emissões de gases de efeito estufa. Por exemplo, debate-se a questão de os agentes económicos participarem em concursos para a utilização de quotas e futura implementação de projectos orientados para a redução de emissões de gases de efeito estufa. Para garantir a plena transparência, os concursos devem ser realizados levando em conta um parâmetro quantitativo único para todos e, preferivelmente, em regime "on line" na Internet. Mas não planeamos aplicar multas pela não participação. Depois de ter sido aplicada na prática a primeira variante, o que levará alguns anos (agora não se pode dizer quantos), só então iremos decidir se se justifica aplicar estas obrigações a todos. Esta questão tem sido debatida repetidamente no mundo empresarial, que não reagiu de uma maneira unânime, visto que o desafio é bastante sério. A organização de mecanismos análogos aos do Protocolo de Kyoto dentro da Rússia, o que a Europa já começou a fazer, isso faremos, mas a questão relacionada com as obrigações e responsabilidades por enquanto adiamos. Se realizarmos tudo isso e o aplicarmos na nossa política externa, levando a feito a venda de quotas nas condições favoráveis para o nosso país, então iremos converter o "não prejudicial" em "benéfico".

- Falou sobre a reacção nada unânime do mundo empresarial à proposta sobre a participação voluntária das empresas na redução de emissões. O sector energético manifestou-se a favor e o metalúrgico contra?

- Não existe uma divisão de opiniões tão rígida. Todos os representantes do mundo empresarial com os quais tive a possibilidade de contactar apoiam a participação nos mecanismos do Protocolo de Kyoto, incluindo o sector metalúrgico, mas com a condição de o Estado irá praticar uma política consequente. A UE propõe regular as empresas, aplicando para o efeito regras rigorosas. Logo de início declarámos que não se trata disso por enquanto. A questão da necessidade de quantificar as emissões e de atribuir responsabilidade pela observação das normas aprovadas será debatida e aprovada só com a participação do mundo empresarial. Não haverá acções unilaterais por parte do Estado. Actuando assim, pretendemos realizar uma política ecológica civilizada. Estamos a contactar com os empresários diariamente. Quanto sei não há nenhuma atitude negativa por parte dos mesmos. Todos compreendem que uma política certa trará vantagens e não novas barreiras.

- Será que isso explica a lealdade por parte do mondo empresarial? Talvez as emissões de muitas empresas sejam menores do que o nível de 1990 e continuem assim até 2012?

- Hoje na Rússia começa-se a falar da reforma da estrutura produtiva. Em termos gerais, a liberalização dos mercados energéticos é o factor principal de poupança de energia. Hoje já é um desperdício não poupar energia. Neste contexto seria um erro afirmar que uma empresa concreta é a favor visto que as suas emissões são menores em comparação com os índices de 1990, ou contra se as suas emissões ultrapassarem em 2012 ultrapassar o nível de 1990. Se a empresa aplica medidas para reduzir as emissões - novas tecnologias, poupança de energia, etc. - pode participar em todos os mecanismos, independentemente de as suas emissões ultrapassarem ou não o nível de 1990.

- Quais as perspectivas de venda das quotas para a emissão de gases de efeito estufa para a Rússia?

- Estamos a elaborar os documentos e não posso dizer qual será o esquema concreto, mas posso indicar os princípios fundamentais. O mais importante é que o sistema russo de venda de quotas para a emissão dos gases industriais no âmbito do Protocolo de Kyoto deve ser transparente ao máximo. Hoje em dia o mercado de quotas tem um carácter especulativo, sendo as suas perspectivas pouco claras. Há uma série de documentos técnicos que devem entrar em vigor após a ratificação do Protocolo de Kyoto, os assim chamados entendimentos de Marrakesh, que regulam as regras de surgimento de um mercado normal e as regras de formação da mercadoria que o mercado irá movimentar. O próprio mercado irá depender em muito do comportamento dos participantes. Agora todos os países pretendem que surja não um simples mercado de quotas, mas um mercado de quotas assegurado pela redução de facto de emissões de gases de efeito estufa. A nossa posição é solidarizar-se com os países que fazem tudo para que todas as quotas no mercado sejam garantidas por uma redução real de emissões dos gases de efeito estufa.

- Quem deve participar neste mercado?

- A estrutura do mercado de venda de quotas ainda está a ser elaborado. Os participantes do mercado devem ser os investidores institucionais que detêm os pacotes de acções de empresas energéticas, as quais irão realizar todos estes projectos. O mercado de quotas será um suplemento ao mercado de investimentos. A combinação do mercado financeiro tradicional com o mercado de carbono pode dar um forte efeito cumulativo, visto que o mercado de quotas irá dotar os projectos de poupança de energia e estimular o mercado "normal" de investimento a participar nestes projectos.

- Qual será o mecanismo de distribuição dos meios provenientes da venda de quotas?

- Todos estes meios devem ser entregues ao mundo empresarial por via plenamente transparente, aplicando-se para o efeito algoritmos claros. Ao mesmo tempo há que compreender que, quando se trata da administração dos meios da Rússia todas as obrigações são asseguradas pelo Estado. Sendo assim, iremos exigir de cada participante garantias perante a Rússia de que estes projectos serão realizados em determinadas condições. Se não recebermos as garantias dos agentes económicos, então as mesmas irão passar para o Estado, leia-se, para os contribuintes.

- Quem irá desempenhar as funções de controlo pelo cumprimento das obrigações por parte das empresas?

- Todas as obrigações são geridas de uma maneira simples e clara. O cumprimento das obrigações relacionadas com a redução de emissões verifica-se através dos montantes do combustível consumido. O consumo de combustível por sua vez é gerido pela inspecção de protecção do meio ambiente, órgãos fiscais e de estatística. As questões relacionadas com o mecanismo de gestão estão agora na competência do Ministério dos Recursos Naturais da Rússia, que deve elaborar um esquema que combine em si as funções de todos os três órgãos acima referidos. Estamos perante uma tarefa ambiciosa - criar este mercado, minimizando os altos riscos de corrupção e excluir, na medida do possível, as decisões administrativas no processo de distribuição das quotas e preferências. O mercado é saudável quando está isento da influência por parte dos funcionários do Estado. Por isso mesmo, estamos perante a tarefa de criar um mercado eficaz e transparente.

Nina Kulikova observadora económica RIA "Novosti"

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