Cooperação da Rússia e dos EUA na defesa antimíssil está na fase inicial

A declaração do Embaixador dos Estados Unidos na Rússia, Alexander Vershbow, de que os EUA têm intenções sérias para cooperar com a Rússia na defesa antimíssil despertou muito interesse nos mass media russos. Seus elogios em relação às tecnologias russas avançadas aplicadas na criação das instalações antiaéreas e antimíssil S-300, S-400 e a outros know-how foram amplamente citadas nos canais televisivos.

As atitudes que manifestaram os especialistas russos nesta área, os projectistas dos famosos sistemas S-300 e S-400, os chefes militares testemunham que estas declarações foram acolhidas por eles tranquilamente - para dizer mais, com certa dose de indiferença. Nas conversações com os observadores políticos e militares da RIA "Novosti" os cientistas, engenheiros e projectistas russos assinalaram mais de uma vez que esta não foi a primeira nem a segunda proposta dos Norte-americanos para tomarem parte da criação do sistema de defesa antimíssil, para tomarem conhecimento do andamento dos trabalhos na defesa antimíssil que se desenvolvem do outro lado do Atlântico.

Por exemplo, há um mês e meio o vice-secretário de Estado dos EUA para o controlo de armamentos e a segurança internacional, John Bolton, disse numa conferência promovida em Londres que a Administração Bush tinha convidado os emissários do Governo russo a assistirem aos ensaios do míssil de intercepção pertencente a este sistema. Além disso, o Pentágono propôs aos peritos russos virem à base militar Fort Bliss, no Estado do Texas, para verem a instalação de defesa antiaérea e antimíssil "Patriot" e, depois, seguirem ao Alasca para tomarem o conhecimento das mesmas instalações em construção na base militar de Fort Greely. A parte russa declinou cortesmente estas propostas. E por quê?

Os interlocutores da RIA "Novosti" aludiram as causas de índole vária. Mas, no essencial, o fio central era a desconfiança - talvez, até mesmo subconsciente - dos técnicos russos em relação à possibilidade da cooperação verdadeira, mutuamente vantajosa e igual com os parceiros norte-americanos numa área tão delicada, sensível e altamente confidencial, que é a defesa antimíssil. Os motivos para tais atitudes não faltam.

Os Estados Unidos abandonaram unilateralmente o Acordo de Defesa Antimíssil (DAM) de 1972, considerado na Rússia como "pedra angular da estabilidade estratégica". Muitos especialistas russos nem escondem as suas dúvidas a respeito das explicações oficiais apresentadas pela administração americana: o sistema de defesa antimíssil nacional tem como objectivo - como se afirma - de defender os EUA do ataque eventual e hipotético por parte dos países párias que são, para os EUA, Coreia do Norte, Irão, Iraque e Líbia. Tais afirmações carecem do fundamento e sentido, pois nenhum dos países citados será capaz, pelo menos nos próximos dez anos, criar engenhos que possam atingir o território dos Estados Unidos. Tampouco foram dadas as provas materiais e reais para as afirmações desta natureza. Até mesmo admitindo a hipótese adiantada pela Administração Bush, impõe-se então a pergunta seguinte: por quê é os radares de aviso estão a ser montados não à volta dos países indicados, mas sim na Noruega, Grã-Bretanha, Alasca, Groenlândia e mesmo na Letónia. Mas, onde é fica o Irão e onde é fica o Alasca? Onde está a Coreia do Norte e onde é que está a Letónia? Para os peritos russos é por demais evidente que as direcções que cobrem e controlam estes radares bem coincidem com trajectórias do voo dos nossos mísseis estratégicos lançados desde o polígono experimental em Plessetsk (Região de Arkhangelsk, no norte da parte europeia da Rússia) na direcção do polígono no Kamechatka (Extremo Oriente da Rússia), onde pousam as ogivas destes artefactos.

Há mais motivos para duvidar a sinceridade das propostas norte-americanas. Segundo o académico Boris Bunkin, autor da instalação S-300, o que se propõe à Rússia não é uma troca correcta. "Os Americanos - disse à RIA "Novosti" este cientista de destaque - convidam-nos a ver os trabalhos para nós já ultrapassados, mas em troca querem indagar os nossos estudos e projectos modernos, os planos e ideias técnicos, científicos e tecnológicos actualizados que possibilitem aos EUA um salto qualitativo na criação do sistema de defesa antimíssil. E depois, ninguém tem a certeza que estas tecnologias e know-how, enriquecidos por Norte-americanos, voltarão a aparecer na Rússia.

No além-Atlântico acompanham com atenção o desenvolvimento dos projectos russos na área da defesa antiaérea e antimíssil. Testemunham disso as tentativas incessantes dos Estados Unidos de adquirir as instalações de mísseis de defesa antiaérea S-300B, adaptados a defender os efectivos dos ataques aéreos no campo de batalha, e das S-300PMU, capazes de proteger localidades e unidades de produção industrial. Ao fim e ao cabo, alguns elementos da S-300B foram adquiridos pelo Pentágono através da companhia estatal "Rosvoorujenie" /Armamentos da Rússia) e umas quantas cabinas de direccionamento na Bielorrússia, através da companhia "Beltecheksport" (Exportações Técnicas da Bielorrússia).

Mas não figuraram nas transacções os mísseis, nem a parte electrônica, nem outros componentes sensíveis, cuja ausência impossibilita reproduzir todo o paradigma dos trabalhos. Seja como for, a Rússia e os Estados Unidos continuam interessados pela cooperação na criação do sistema nacional de defesa antimíssil para os EUA, do sistema de defesa antimíssil para o teatro das operações militares na Europa. Com efeito, a Rússia tem acumulado neste domínio apreciáveis conhecimentos e para os seus gabinetes de projecto seria útil materializar estas ideias e obter a moeda para incentivar a produção e criar novos meios de defesa para as forças armadas nacionais.

O único empecilho aqui é como distinguir as tecnologias e o know-how que podem ser postos à disposição de outros países sem o mínimo prejuízo para a segurança nacional e aqueles projectos que devem ser confidenciais e mantidos em sigilo? É um problema verdadeiro e sério. Talvez por isso os técnicos e peritos russos que participam nas sessões do grupo misto russo-americano para os assuntos da defesa antiaérea criado por iniciativa dos presidente dos dois países, preferem ficar calados quando se trata da transparência dos trabalhos e das perspectivas da cooperação nesta esfera. Além dos problemas relacionados com os sigilos tecnológicos e militares, estão aqui em causa os assuntos alusivos à concorrência entre as firmas especializadas em material de guerra, à defesa dos interesses comerciais das corporações nacionais e transnacionais. Dizem em Moscovo que nos Estados Unidos e na Europa estão a par dos êxitos e realizações dos engenheiros russos nas áreas da defesa antiaérea e antimíssil e, dai, seria lógico entrar em negociações em torno da aquisição dos produtos militares com determinados parâmetros técnicos e tecnológicos convencionados que interessam o sector bélico destes países. Todavia, quando se chega a um assunto concreto, o Pentágono prefere os parceiros bélico-industriais da Grã-Bretanha, França, Japão e outros países, menos a Rússia. Estes factos e exemplos põem de sobreaviso os especialistas russos fazendo-os duvidar da possibilidade duma cooperação verdadeira e mutuamente vantajosa com Washington no que concerne à defesa antimíssil.

Seria demasiado optimista esperar que esta cooperação tome vulto em um ano, em dois anos. Durante mais de meio século os dois países coexistiam no antagonismo, no clima de desconfiança recíproca, cujos remanentes se deixam sentir até hoje.

Porém, os tempos vão mudando com velocidade vertiginosa. A comunidade das Nações já tem outras tarefas, outros objectivos, outros interesses... E dai, existe um raio de esperança novas realidades possibilitem superar o mais depressa possível as divergências e desconfiança amontoadas e levar a cooperação entre os Estados Unidos e a Rússia a um novo nível, mesmo que esteja em causa a área tão delicada e sensível, que é a defesa antimíssil.

© RIAN

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