Crise ucraniana: O regresso dos estereótipos da "Guerra Fria"

Segundo o mesmo esquema primitivo, Viktor Yuschenko é visto como um político pró-ocidental. Se Yuschenko tivesse obtido mais votos, é bastante provável que a União Europeia, a OSCE e os Estados Unidos não teriam duvidado do carácter democrático das eleições presidenciais, considerando as informações sobre violações da lei como falhas naturais.

Mas, segundo os dados oficiais, Yanukovitch ultrapassou o seu adversário em quase 3 por cento - uma vantagem importante em qualquer dos casos. No entanto, fomos testemunhas de uma onda de declarações vindas da Europa e dos Estados Unidos em que as eleições ucranianas são energicamente condenadas.

Jan Peter Balkenende, primeiro-ministro da Holanda, país que preside à UE, pôs em dúvida os resultados do escrutínio ainda antes da sua divulgação oficial. O Departamento de Estado dos EUA exigiu que a Ucrânia se abstenha da sua divulgação até que sejam investigadas as acusações de "falsificação", isto é tentou ensinar à Comissão Central de Eleições de um grande país soberano o que deve fazer. Por seu lado, tais edições europeias como a francesa Liberation aconselhavam que a direcção da UE "proclamasse imediatamente sanções" que seriam introduzidas no caso de Yanukovitch ser declarado oficialmente vencedor. Tudo isso é apresentado como ajuda do Ocidente à Ucrânia. Na realidade, os verdadeiros interesses da Ucrânia afastam-se para dar lugar a um estereótipo da "guerra fria" enterrado, como parecia, desde há muito. Este estereótipo obriga o Ocidente de procurar em qualquer situação geopolítica grave um conflito entre "nós", as forças do bem e luz, por um lado, e a Rússia, país do mal e obscuridade, por outro.

"Vou fazer os possíveis para que a Ucrânia fique, no mínimo, do nosso lado...", - declarou ainda antes das eleições a Comissária das Relações Externas da Comissão Europeia. Por outras palavras, ainda antes de o primeiro boletim ter sido posto na urna a favor de Yanukovitch ou Yuschenko, a alta dirigente da União Europeia partia do facto de existir o "nosso lado" e o "outro" lado, - a Rússia. Na opinião da comissária, a legitimidade dos interesses da Rússia não pode ser reconhecida mesmo no espaço de tal vizinho e aliado histórico como é a Ucrânia.

O presidente Vladimir Putin qualificou tal atitude como "tentativas de utilizar na situação ucraniana os ´espantalhos do passado´". Na opinião do líder russo, "tal é absolutamente contraproducente e errado do ponto de vista das relações internacionais contemporâneas".

Efectivamente, qualquer politólogo ucraniano imparcial pode explicar facilmente que a dependência unilateral da Ucrânia da UE ou, de um modo geral, do Ocidente não será favorável para o seu país. Pelo contrário, relações equilibradas com a União Europeia e a Rússia são vitalmente importantes para a continuação das reformas e o progresso económico na Ucrânia. Porém, a aspiração a impor uma alternativa irreal "ou Rússia ou Ocidente" pode apenas prejudicar o prosseguimento normal do processo democrático naquele país. No fundo, exige-se da Ucrânia não tanto a democratização, quanto a orientação pró-ocidenteal ou, mais exactamente, anti-russa.

Lembre-se que este tipo de manipulações não começaram na Ucrânia e não por iniciativa de Moscovo. A actual "revolução dos castanheiros" que se desenvolve na praça principal de Kiev foi clonada da "revolução das rosas" levada a cabo na Geórgia há exactamente um ano atrás. Nos dois casos, a força motriz foi a juventude radical.

A organização juvenil ucraniana "Pará" (Está na hora), que constitui o núcleo dos manifestantes em Kiev, está persistentemente a copiar a estrutura e os métodos da organização estudantil georgiana "Kmara". É do conhecimento geral que os activistas da Pará" e da "Kmara" foram preparados por teóricos experientes em golpes anticonstitucionais do movimento sérvio "Otpor" (Resistência), o mesmo que em tempos contribuiu para o derrube do presidente Slobodan Milosevic.

Partindo desta coincidência surpreendente, muitos analistas russos chegam à conclusão: os actos de protesto da oposição ucraniana foram antecipadamente preparados e financiados. De facto, a construção de um acampamento de tendas no centro de Kiev, o trabalho dia e noite de geradores eléctricos móveis e de cozinhas de campo instaladas para apoiar o comício sem prazo fixo, o transporte para a capital ucraniana de novos grupos de manifestantes em aviões, autocarros e comboios - tudo isso obriga a perguntar "Quem paga?".

"Inicialmente, a oposição não tencionava concordar com nada, à excepção da sua vitória. A decisão de sair do campo do direito e, numa situação extrema, empreender uma tentativa de golpe de Estado foi tomada pela equipa de Yuschenko antes das eleições", - considera Viatcheslav Igrunov, director do Instituto de Pesquisas Humanitárias e Políticas de Moscovo.

Tal testemunham também os acontecimentos na Suprema Rada da Ucrânia, onde na terça-feira foi organizado um espectáculo de "juramento presidencial" de Viktor Yuschenko sobre a Bíblia. O vencedor autoproclamado não respondeu à pergunta de jornalistas sobre a legitimidade do seu acto e, aliás, o que poderia ele responder? Para participar nos trabalhos do parlamento registaram-se apenas 191 deputados, enquanto para a aprovação de qualquer decisão são precisos 226 votos. Os deputados das bancadas que apoiam Yanukovitch não participaram nesta reunião da Suprema Rada.

Pelos vistos, a oposição não se dá conta de que, tentando fazer passar a crise política para a rua, ela priva-se do direito de se chamar democrática. Exigindo reconhecer a sua vitória, a equipa de Yuschenko esquece-se da outra metade do povo ucraniano que votou no seu adversário. Por que razão Yuschenko está disposto a apoiar-se nas pessoas que podem não respeitar a Constituição e recorrer aos actos de força? Só por um motivo: sente que tem poucas hipóteses se se mantiver do campo jurídico.

Convém acrescentar que as avaliações precipitadas das eleições ucranianas pelas estruturas europeias só desestabilizam a situação, alimentando os ânimos extremistas no acampamento de Yuschenko.

O que acontecerá a seguir? Actualmente, muito dependerá do presidente em exercício, Leonid Kutchma, que, tal como o presidente Vladimir Putin, partilha a parte da declaração dos ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia em que se apela a que todas as forças envolvidas na crise política na Ucrânia não admitam qualquer violência. Se Yuschenko se considerar democrata, ele tem dois caminhos: primeiro, encontrar em si coragem e vontade para reconhecer a derrota, segundo, dirigir-se ao Tribunal Supremo, para que este avalie a fidedignidade dos resultados das eleições. Seria bom se para tal desenvolvimento dos acontecimentos contribuíssem aquelas estruturas europeias que comentam com tanto ardor a crise política na Ucrânia. Caso contrário, a situação pode escapar definitivamente ao controlo, descambando para a violência. As tentativas da oposição de fazer a história nas ruas é um jogo perigoso que pode ter tristes consequências, inclusive ao nível pan-europeu. As prioridades importantes de momento não devem encobrir o principal. A aspiração de transformar a Ucrânia, tal como outros países pós-soviéticos, num campo de confrontação do Ocidente com a Rússia assemelha-se aos tempos em que a Europa estava dividida em blocos, o que não é necessário para ninguém e pode lançar o mundo para trás.

Vladimir Simonov observador político RIA "Novosti"

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