Momentos sem Fidel

Que me perdoe o caro autor de “A Ilha”, Fernando Morais, mas permita-me parodiar o título do seu belo texto “Momentos com Fidel” (publicado no blog do Zé Dirceu), já que estou imbuída de um único objetivo: refletir sobre as nuances desta sobrevivência, por que passa a América Latina, nas últimas semanas, a uma onda especulativa que nos invadiu, como se fosse um tufão caribenho.


Ventos fortes no noticiário internacional, através de fontes verdadeiras ou falsas, falam sobre a doença e o afastamento de Fidel Castro do governo cubano e há intensa repercussão desse fato.


Paira no ar, diante do perfil “a la Bush”, de crescente estratégia militarista, uma certa apreensão, que antecipa atos de precaução por parte de instituições como, por exemplo, a própria Igreja Católica Romana, cujo bispo representante em Cuba declarou o apoio à independência daquele país para decidir seu próprio rumo.


Mais recentemente, foi a vez do manifesto assinado por mais de 400 personalidades de todo o mundo, entre eles oito ganhadores de Prêmio Nobel, divulgado à imprensa no último dia 7, no qual exigem que os Estados Unidos respeitem a soberania de Cuba.


O texto também condena as crescentes ameaças contra a integridade territorial da ilha. Entre os signatários que o assinam, temos, junto de outros brasileiros, Chico Buarque de Holanda, Frei Betto e Oscar Niemeyer, além de nomes de alcance internacional como Eduardo Galeano, José Saramago, Rigorberta Menchu e Desmond Tutu.


Os boletins das agências de informação trazem declarações, as mais diversas, sobre a tão propalada transição governamental em Cuba, que aprende a viver seus momentos sem Fidel, este, fora do comando, recuperando-se de uma cirurgia delicada, ao completar 80 anos, com um histórico de ser o chefe de governo, há mais tempo à frente de um país, no planeta.


O documento dos intelectuais intitula-se “A soberania de Cuba deve ser respeitada” e tem, no seu bojo, veemente crítica quanto à postura de Washington diante do problema de saúde do presidente Fidel Castro, pois os porta-vozes do governo americano logo se manifestaram sobre a possibilidade de intervir no que a secretária de estado, Condolezza Rice, chamou de “reconstrução democrática de Cuba”.


Os momentos sem Fidel, cuja última aparição internacional aconteceu na Argentina, durante reunião dos países do Mercosul, prometem ter grande variedade de enredos, tal a gama de interesses que desperta o comportamento do regime comunista cubano na seqüência chamada de período pós-Fidel.


Os melhores articulistas têm dado sua contribuição na grande imprensa, buscando considerar a nostalgia dos ideais revolucionários que ainda resistem à pressão do capitalismo internacional, nos brindando com um leque de opiniões e projeções. Estas, em última análise, não esgotam o que realmente está acontecendo, em Cuba, nalgum leito hospitalar, onde o comandante deve estar cercado de cuidados especiais, lutando para se pôr de pé e retomar o seu posto de resistente das Américas.


Informações desencontradas falam na proibição de jornalistas poderem visitar o país nesse momento, há espionagem no noticiário, alvoroçando a sede por atualização e novidades a respeito do silêncio de Fidel.


Recorro a uma das cenas do documentário Buena Vista Social Club, filme que registra a história de lendários músicos cubanos, e, através dela, ouso sintonizar o sentimento de grande parcela do povo cubano a respeito do seu líder Fidel.
Um dos músicos mostra a foto de Fidel, nos anos 50, diante da imensa estátua de Abrahan Lincoln, em Washington, ao colocar ali uma coroa de flores. Então, em tom de grande respeito, explica que a imagem corresponde ao episódio bíblico do valente Davi que enfrenta o gigante Golias.


A população da Ilha adiou para dezembro as festividades pelos 80 anos do comandante licenciado. Estes forçados momentos sem Fidel nos obrigam a conviver com toda a sorte de perguntas sem respostas, ampliando uma gama de hipóteses. São eles que alimentam a ansiedade dos correspondentes, a dúvida dos dirigentes, a expectativa dos simpatizantes, o desejo de vingança dos dissidentes, a fúria dos inimigos declarados, a oração dos fiéis seguidores, mas, sobretudo, a concepção da história de uma lenda viva que é o revolucionário Fidel Castro.


Aparecida Torneros
(jornalista e professora universitária, atua na área de Meio Ambiente, no Rio de Janeiro)

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