A Sociedade que tem a Mania das Etiquetas

Frases como a Comunidade Mundial, a Comunidade Internacional, a Comunidade das Nações, as Nações Unidas, a Organização Mundial de Comércio, Práticas de Comércio Livre, soam bem mas não passam de tretas no mundo de hoje, que de global e internacional não tem nada.

Quando entrei no consultório da dentista ontem, fui confrontado pela secretária armada com um formulário. “É casado?” foi uma das perguntas. Bem, se fosse nos anos sessenta no Reino Unido, a moça teria tido uma etiqueta com “Miss” (solteira) ou Mrs. (Casada) no colar, juntamente com o nome de solteira ou do marido, para ajudar-me a decidir como iria responder. Hoje em dia, ela não tinha etiqueta nenhuma e foi ela que tentava rotular-me com a classificação.

“O quê é que a senhora entende por casado? Será casado na igreja, e neste caso, qual a igreja e senão, viver em união de facto conta para tratamento dental ou não, e de qualquer forma o quê é que a senhora tem a ver com isso?”

Foi talvez uma resposta dura demais mas a pergunta no formulário a mereceu. Se eu tivesse dito “Não”, teria sido rotulado de homossexual? E daí? Mesmo que fosse, o quê é que a dentista tem a ver com isso? Para ver se vou espalhar AIDS pelo consultório fora? Vivemos numa sociedade que pensa assim:

“Quantos anos é que ela tem? 46? Ela tem crianças? Não? Por quê? Qual é o problema com ela? É casada? Não? Ai, então, deve ser lésbica, não?” São estas as frases não ditas mas pensadas na sociedade da etiqueta quando apresentam aquele formulário.

O Príncipe entre os formulários é o documento chamado passaporte, que rotula você durante toda a vida desde o momento do nascimento até ao dia da sua morte. Dita todo, se você tem o direito, ao nascer, a estudar, a comer todos os dias, a ter água potável, ou se tem de andar 20 kilómetros para ir buscá-la.

Dita se você é livre para viajar, dita se você é livre para trabalhar, casar, ter crianças, receber subsídios sociais, se tem o direito de viver em determinada área, ou se vai ser corrido e escorraçado na fronteira só porque não tem os documentos certos.

Mesmo na fronteira, vai ser rotulado. Vai passar por “nacionais” ou “estrangeiros”. Na maioria dos casos, os nacionais passam facilmente por um controlo de passaportes, todos a sorrir e a olharem de lado para os 579 coitados que têm os passaportes diferentes, com um funcionário a gozar com eles, com 6 outros postos de recepção vazios, o que vai ditar que têm de passar por filas intermináveis ou até em certos casos de serem mal tratados pelas autoridades do país em que querem entrar.

Vejamos no caso de Portugal, onde uma pessoa familiar brasileira foi chamada de “puta” no aeroporto de Portela quando tentou passar uma semana cá em Lisboa a ver a irmã. Como ela, haverá talvez muitas mais.

O documento é uma etiqueta. Dita tudo. Se você teve a sorte de ter nascido num lado da fronteira, terá o direito a todos os benefícios que pode imaginar. Se nasceu porém a dez metros de distância, no outro lado, vai ser tratado como um leproso dum estado paria. Só porque tem o documento errado.

Se nasceu na África ou na América Latina, terá de competir contra subsídios concedidos por governos ocidentais para seus produtores. Se nasceu na África ou na América latina, terá de competir contra tarifas levadas contra seus bens pelos países que proclamam as virtudes da Organização Mundial do Comércio, que prega práticas de Comércio Livre.

Comércio Livre? Com subsídios e tarifas? Onde está a liberdade de concorrência?

Então não vamos falar de globalização e de princípios de igualdade enquanto vivemos num mundo que rotula as pessoas baseado no acidente do sítio de nascimento, e depois controla tudo desde a produção até à linha de fornecimento até ao utente final, sempre protegendo o que tem e penalizando o que nunca terá.

Timothy BANCROFT-HINCHEY PRAVDA.Ru

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