A OEA nos tempos da neutralidade com partido

Na prática, Almagro tenta defender uma espécie de "OEA sem partido", embora pareça ter sim suas preferências políticas e ideológicas

Na última semana, Miami sediou um evento interessante, chamado Cúpula Latinoamericana de Marketing Político e Governança. Os temas desenvolvidos por lá devem ser vistos provavelmente nas próximas eleições do continente, ou talvez em outras jogadas comunicacionais na preparação para elas.

Por Victor Farinelli

O curioso, no entanto, foi ver o secretário-geral da OEA (Organização dos Estados Americanos) participar de um evento carregado de um viés ideológico de direita, onde os setores neoliberal e conservador clássico se apresentam quase como únicas opções democráticas possíveis na região - versão validada pela omissão ao fato de que muitos desses grupos estiveram envolvidos nas mais recentes ditaduras latino-americanas, e que mais recentemente são os protagonistas de uma nova onda de insubordinação aos resultados eleitorais, quando esses não lhes convém -, reforçando o discurso de que todo ou quase todo tipo de esquerda é antidemocrático.

A situação é ainda mais interessante se lembramos que este atual secretário-geral é Luis Almagro, que foi chanceler do governo de Pepe Mujica, um dos mais progressistas da história do Uruguai, antes de assumir o cargo internacional.

Durante o evento, Almagro não brindou apenas a sua presença, e entregou frases que serviram como grande contribuição à nova ideia promovida pela direita latina. Por exemplo, ele disse que "a tarefa da OEA não é a de ser neutra diante dos conflitos, mas sim a de representar tanto os governos quanto as forças de oposição, e ser a mais aguerrida defensora dos seus direitos".

A frase soou como uma indireta sobre a situação venezuelana, ou ao menos foi a leitura preferidas dos meios de comunicação que cobriram o evento - a maioria pertencente à SIP, a Sociedade Interamericana de Imprensa, que reúne os mais poderosos veículos da América Latina, e que são também os mais conservadores. E talvez seja mesmo.

A frase de Almagro não foi um ato falho, como uma forma velada de assumir sua preferência pela oposição venezuelana - leitura expressada por alguns de seus críticos de esquerda na região. Foi uma tentativa de posar como neutro alegando não sê-lo, uma finta retórica típica dos diplomatas, e nada original: tomar posição em favor dos direitos humanos e políticos, e não por um lado ou outro dos conflitos políticos de cada país.

Mas não é isso que está acontecendo, e a agenda o comprova. Sua assumida "não neutralidade" existe de verdade, mas não da forma equidistante como ele quer dar a entender.

Poucos dias antes de chegar a Miami, Almagro esteve no Brasil, para se reunir com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, em encontro que teve como tema principal "a necessidade de uma transição na Venezuela". Um apoio que é no mínimo fora de hora, já que se deu pouco depois de publicada a "Lista do Janot", onde Maia é apontado como um dos maiores beneficiários das propinas das empreiteiras no Brasil.

Tampouco é a primeira vez que Almagro, em campanha aberta pela derrubada de Nicolás Maduro, busca aliados controversos. Em outubro de 2016, ele se encontrou com Michel Temer, pouco mais de um mês depois da consumação final de um golpe de Estado no Brasil. Na prática, o secretário-geral tenta defender uma espécie de "OEA sem partido", embora pareça ter sim suas preferências políticas e ideológicas, tal qual um conhecido projeto educacional brasileiro.

O mais absurdo da atuação de Almagro ao dar prioridade quase total à crise na Venezuela talvez não seja nem sua evidente falta de neutralidade no tema, mas sim o fato de que sua campanha desavergonhada ignora até mesmo que nos próprios países onde ele está buscando apoio para derrubar um governo legitimamente constituído existem crises políticas que se não são tão graves quanto, estão caminhando para isso. E ele certamente não ignora essas situações, por isso sua omissão soa tão aberrante. No caso paraguaio, o edifício do Congresso foi incendiado e um militante foi assassinado, e nada disso levou a organização que ele preside a mais que notas protocolares e irrelevantes.

Assim, a OEA se mantém distante do que acontece em países como o Brasil e o Paraguai, que vivem crises institucionais flagrantes - e bastante profunda, no caso brasileiro -, mas busca nesses países em transe, e em seus políticos questionados, a força política para tentar forçar a barra na crise institucional de Caracas.

Não se trata de dizer quem são os bons e os maus na batalha que Almagro escolheu como exclusiva. A Venezuela vive um conflito de poderes políticos e institucionais que já leva mais tempo que os de outros países, e que desde sempre foi mais intenso com disputas políticas frequentes nas ruas, grupos dos dois lados usando a violência, guerra econômica entre governo e grandes grupos empresariais de dentro e de fora do país, entre outros problemas.

A questão é saber que legitimidade têm os aliados buscados por Almagro para dizer algo sobre o que o que acontece naquele país. Como pode Almagro se respaldar nos organizadores do golpe de Estado do Brasil em 2016 para agir na Venezuela? Ou em governos como o do Paraguai e do Chile - outro país que vive sua própria crise, com uma Bachelet em baixa e mais de 60% do eleitorado dizendo não querer votar em ninguém, em pleno ano de eleições presidenciais.

O secretário-geral também falou em Miami sobre a necessidade de "fazer a democracia ser cada vez mais participativa" sobre a OEA fomentar "uma cultura de entendimento e consenso". Contudo, parece não haver participação mais ampla nesses consensos que busca, senão somente dos que sempre se entendem.

Fonte: Rede LatinAmerica

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