NOVO PRESIDENTE DO IRAQUE TERÁ DE PROVAR A SUA INDEPENDÊNCIA

A regularização da situação no Iraque está cheia de surpresas, o que foi confirmado mais uma vez pela história da formação do Governo. Nas vésperas da sua dissolução, o Conselho de Governo Provisório do Iraque (CGPI) decidiu manifestar a sua independência em relação às autoridades da coligação e conseguiu impor a nomeação das suas candidaturas para os cargos de primeiro-ministro e Presidente do país. Esta manifestação de independência põe de sobreaviso. Claro que nos últimos meses muitos dos membros do Conselho de Governo fizeram críticas à política das autoridades da coligação no Iraque. No entanto, as suas observações não exerciam qualquer influência sobre a situação e não podiam exercer, pois as alavancas reais de poder encontram-se nas mãos da administração da coligação, dirigida por Paul Bremer. Nestas condições, as críticas feitas aos americanos e aos seus aliados não podiam ser qualificados senão como o desejo de obter ganhos políticos suplementares.

O caso é que na altura o CGPI foi nomeado pelos americanos e, por isso, não goza de apoio por parte da maioria da população iraquiana. Os membros do Conselho eram qualificados com frequência de marionetas nas mãos dos agressores e até foram alvos de reiterados atentados. Actualmente uma parte dos membros do CGPI e do Governo do Iraque nomeados pelo Conselho em conjunto com a administração da coligação fará parte do novo gabinete de ministros. Serão as mesmas figuras, mas sob outro letreiro. Este facto não exercerá nenhuma influência sobre a situação no Iraque nem aumentará o amor dos iraquianos ao novo Governo.

A situação será diferente se o novo Governo e o novo Presidente forem apresentados como independentes da administração da coligação.

A eleição, na passada sexta-feira, de Ayad Hashem Aliavi, pelos membros do CGPI para o cargo de primeiro-ministro foi uma surpresa total tanto para Paul Bremer como para Lahdar Brahimi, embaixador especial do secretário-geral da ONU no Iraque, o qual na altura realizava consultas sobre a formação do Governo. Portanto, não lhes restava nada além de concordar com a decisão do CGPI, tanto mais que Aliavi não é a pior candidatura. Anteriormente ele, tal como muitos dos oposicionistas iraquianos no exílio, cooperou com a CIA, viveu durante muitos anos na Grã-Bretanha e, por isso, não é uma figura desconhecida em Washington e Londres. Por isso, a designação do primeiro-ministro foi um processo relativamente tranquilo.

A luta pela presidência foi mais difícil. Mas também aqui Bremer e Brahimi perderam para o CGPI. Dir-se-ia que depois de longos debates eles conseguiram impor o seu candidato, Adnane Pachachi, de 81 anos. No entanto, logo depois da divulgação das informações sobre a sua eleição para a presidência, Pachachi renunciou a este cargo a favor de Ghazi Ajil al-Yaour, candidato por cuja eleição o CGPI tinha lutado durante muito tempo. Brahimi atribuiu a renúncia do seu protegido a "motivos pessoais". Aliás, estes motivos são plenamente explicáveis. Ora, Pachachi não é nenhum suicida. Depois das acaloradas discussões em Bagdad e das acusações feitas à administração da coligação de que ela impõe as suas decisões aos membros do CGPI, os iraquianos considerariam Pachachi no cargo de Presidente do país como testa de ferro de Washington.

É pouco provável que este homem - diplomata experiente e ex-ministro dos Negócios Estrangeiros do Iraque - não tenha compreendido isso anteriormente. Por que não declinou ele a proposta de ser Presidente ainda antes, no início dos debates? Devido às ambições presidenciais? Isso continua a ser um enigma. E é igualmente um enigma a questão de saber por que motivo a candidatura de Pachachi foi para Washington preferível do que a de Ghazi al-Yaour.

Até os diplomatas que durante toda a sua vida se ocupam dos problemas do Iraque não podem responder com certeza a esta questão. As fontes da RIA "Novosti" manifestaram a opinião de que para os americanos seria mais fácil mandar em Pachachi. Além disso, ser-lhes-ia mais fácil tirá-lo da arena política por causa da idade. Supõe-se que depois da realização das eleições no Iraque, todos os que dirigirão o país no período de transição devam demitir-se. Ghazi al-Yaour de 46 anos, que ainda está na plenitude das suas forças, pode recusar-se a deixar o Olimpo político do Iraque. Mas esta é apenas uma versão.

Só se pode dizer com certeza que Ghazi al-Yaour tem possibilidades de apresentar-se como político independente das forças de ocupação. Pelo menos, a situação relativa à sua eleição para a presidência contribui muito para isso. E não importa se esta foi uma encenação especial ou o resultado da política mal pensada da administração da coligação, que não podia deixar de saber que qualquer candidato por ela proposto não tinha chances de êxito. Actualmente Ghazi al-Yaour obteve esta chance.

A questão está agora de saber se ele e o novo gabinete de ministros com Aliavi à frente serão ou não aceites pela maioria dos iraquianos. Ora, não é preciso esquecer que as forças políticas iraquianas, que não fazem parte do CGPI, foram excluídas praticamente por completo do processo de formação do Governo. Não é por acaso que as últimas consultas acerca da composição do novo Governo foram acompanhadas de uma série sem precedentes de explosões no centro de Bagdad.

Aliás, como assinalam as fontes da RIA "Novosti" nos círculos diplomáticos de Moscovo, ninguém espera que o novo Governo iraquiano seja apoiado pela maioria dos iraquianos. "Seria ingénuo esperar tal coisa" - declararam em entrevista à RIA "Novosti".

Aquilo que acontece no Iraque é uma ilegalidade desde o início e continua a sê-lo, não obstante as tentativas da comunidade internacional de dar, pelo menos, algumas aparências de legitimidade ao processo político neste país.

O mais provável é que o novo Governo do Iraque seja aprovado na resolução do Conselho de Segurança da ONU sobre o Iraque, cujo projecto está actualmente a ser discutido em Nova Iorque. Como assinalaram as fontes da RIA "Novosti", "todos compreendem perfeitamente que as medidas empreendidas não passam de um paliativo e não exercerão nenhuma influência sobre a situação". No entanto, como o novo Governo iraquiano é uma força que tem por objectivo a regularização pacífica da situação no Iraque, a comunidade internacional está disposta a trabalhar com ele, pelo menos porque neste país não há outros interlocutores nem forças que possam ser apoiadas".

Nesta situação existe a única esperança de que a nova resolução sobre o Iraque possibilite aos iraquianos a obtenção da soberania real e não formal. Também o novo Presidente do país, Ghazi Ajil al-Yaour, deseja o mesmo. Mas ele ainda terá de provar que é um político realmente independente.

Marianna Belenkaia, observadora política da RIA "Novosti"

© RIAN

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