A «greve climática» e a mudança necessária

A «greve climática» e a mudança necessária

Uma sociedade que respeite mais o ambiente e o planeta é também uma sociedade que se respeita mais a si própria, onde a luta pelo ambiente anda de mãos dadas com o progresso e a justiça social.

 

Planeta Terra / planeta-terraCréditos

Está convocada, para esta sexta-feira, uma nova greve climática sob os lemas «salvem o planeta» e «faz pelo clima», no âmbito do movimento «#FridaysForFuture».

Em Portugal, a ideia é reeditar o sucedido no dia 15 de Março, em que em várias cidades do País, centenas de milhares de estudantes, saíram à rua exprimindo o seu «descontentamento para com as classes políticas que varrem a crise climática para debaixo do tapete».

A defesa do ambiente, as alterações climáticas, as fontes para o consumo energético, a delapidação e extinção de espécies, a destruição de ecossistemas e tantas outras questões têm estado muito presentes no debate público e na Comunicação Social.

Surgem notícias, um pouco por todo o mundo, de diagnósticos e constatações que chocam a todos, como são os casos de ilhas constituídas inteiramente de plástico desperdiçado.

Estes temas, veiculados em tantos meios de comunicação e nas redes sociais, correspondem àquilo que mais importante temos: a existência sadia no nosso planeta, em respeito por todas as espécies e em resposta às necessidades da humanidade.

É visível que muita gente se insurge e identifica - ao menos nas redes sociais - sobre o assunto. E, em particular, muitos são os jovens que não aceitam olhar para a destruição ambiental e do planeta e ficar calados, como ficou expresso, de resto, na adesão às manifestações em defesa do ambiente, realizadas a propósito da greve climática convocada, no passado dia 15 de Março.

Agir indo às causas da degradação ambiental

É preciso agir indo às causas, que radicam invariavelmente em questões económicas. Tanto o ambiente como a energia, em particular aquela que assenta em recursos finitos, são hoje factores de intensas disputas políticas, económicas e até geoestratégicas entre os países com mais peso económico e produtivo.

Perante isso, é de constatar que há propostas e acções, por vezes bastante badaladas, que assumem expressões de defesa ambiental e do planeta, mas que nem sempre vão ao encontro da substância e de objectivos de ruptura com as causas e os responsáveis que nos trouxeram até aqui. Pelo contrário, algumas dessas soluções «virais» nos media não chegam sequer a beliscar o paradigma ambiental em que nos encontramos.

Há ideias chamadas «verdes» mas cujas propostas, não indo à raiz, promovem alterações para que «tudo fique na mesma».

É o que acontece com soluções paliativas decorrentes do desenvolvimento tecnológico, ou de alguns produtos verdes, ou ainda da falsa esperança que mecanismos financeiros e especulativos que negoceiam o ambiente venham a ser eficazes.

 

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Tal fica bem patente com o compromisso da União Europeia (UE) com o Acordo de Paris, alcançado a 12 de Dezembro de 2015. Este acordo assenta numa lógica mercantilista e de expectativa que, no actual modelo económico neoliberal, se façam investimentos que gerem baixas emissões de gases, através da perspectiva do lucro e negócio.

Para além de estes mecanismos se traduzirem num adiamento do problema, o que a defesa ambiental exigiria era o compromisso com uma responsabilidade comum mas diferenciada entre países em desenvolvimento e industrializados, para que a propósito de um tema tão central como o ambiente não se promovam mais injustiças entre estados.

Não será pois equitativo colocar no mesmo patamar de responsabilidade os estados que até hoje com o seu desenvolvimento mais contribuem para a acumulação de carbono e os países em desenvolvimento.

A realidade tem demonstrado, por exemplo, que o Mercado de Carbono não funciona e, pelo contrário, tem tido um efeito perverso. Este mercado de emissões é um negócio de compra e venda de doses de poluição, e permite que os países com maior poder económico possam comprar poluição a países com mais dificuldades económicas, o que significa que se promove a negociação da poluição, quando deveria estar a pôr-se em prática políticas eficazes de redução das emissões carbónicas.

Aliás, com a crise que trouxe uma redução da actividade económica, os produtores de gases com efeito de estufa diminuíram a sua procura de licenças de produção de CO2. A diminuição da procura fez baixar o preço das licenças, pelo que se tornou muito barato poluir. A tonelada de CO2 chegou a atingir os três euros e, mesmo após intervenção da UE, apenas aumentou para os oito euros, o que faz com que seja barato utilizar combustíveis mais poluentes.

Não é pois à toa que muitos senhores da alta finança e de grandes grupos económicos aplaudem soluções desta natureza.

«Assumir que os problemas ambientais suplantam posicionamentos políticos de fundo por ser «um problema de todos» é esquecer que há alguns, poucos, que convivem bem com a exploração ambiental, lucrando e muito.»

Outra das bandeiras da UE é a chamada União Energética, que, para além de promover a concentração do poder na Comissão Europeia (CE), no seu regulamento permite que sejam aplicadas sanções financeiras aos estados-membros (e a história recente de Portugal demonstra bem o que de mais negativo representam este tipo de sanções), ao mesmo tempo que não tem nenhuma disposição sobre o necessário combate a fazer à pobreza energética.

Somam-se a estas, medidas que visam passar os seus custos para as populações e, ao mesmo tempo, deixam de penalizar os reais responsáveis pela degradação ambiental. Um exemplo recente e paradigmático disto foi a Reforma da Fiscalidade Verde introduzida pelo governo de PSD/CDS-PP, que utilizando argumentos ditos ecologistas aumentou a carga fiscal sobre as camadas mais empobrecidas.

A actuação exclusiva sobre o consumo, com «produtos verdes» ou apelando à redução ou substituição de produtos numa sociedade consumista, tem duplo efeito perverso: em primeiro lugar, através da taxação de hábitos, que acaba por pesar sobre as populações e as camadas sociais mais empobrecidas, e o negócio que permite a grandes grupos económicos continuarem a lucrar com estes novos produtos.

Sendo óbvio que os comportamentos individuais são importantes, é de facto determinante uma educação ambiental para toda a sociedade. Mas só por via da efectivação de políticas públicas ambientais que imponham normas e comportamentos em defesa das populações, responsabilizando os grandes senhores da poluição e da degradação ambiental, se efectivarão transformações de fundo.

 

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A questão principal é política e social e não se ultrapassará apenas por via do desenvolvimento tecnológico, como alguns parecem querer fazer passar. Até porque o desenvolvimento assente nas premissas que temos hoje não permitirá um resultado diferente para melhor do que aquele que encontramos. É necessário alterar-se o paradigma da produção que explora sobremaneira a natureza, com objectivos assentes no lucro.

Vários movimentos e organizações têm tido expressão nesta frente, nomeadamente aproveitando a visibilidade mediática para passar as suas mensagens.

No entanto, muitos deles, fazendo o diagnóstico da grave situação ecológica, acabam por não se comprometer de forma decidida com a ruptura necessária. Alguns apresentam-se como rostos de movimentos internacionais de motivações ecológicas, mas assentam na premissa de serem «diversificados», assumindo que não se «metem» na discussão se são de esquerda ou de direita. O que se traduz na assumpção de que entendem poder defender o ambiente lado a lado com aqueles que mais decisivamente contribuem e lucram com a degradação ambiental e dos recursos do planeta, sem esquecer que são as populações, em particular os trabalhadores e os mais pobres, que mais sofrem com essa degradação.

Assumir que os problemas ambientais suplantam posicionamentos políticos de fundo por ser «um problema de todos» é esquecer que há alguns, poucos, que convivem bem com a exploração ambiental, lucrando e muito.

Não se pode passar por cima do facto de que nem todos contribuem da mesma forma para a degradação ambiental e dos ecossistemas. É preciso dar combate àqueles que participam nas decisões políticas que destroem o planeta e daí retiram dividendos.

O mundo precisa de mudança

As soluções a implementar para defender o planeta têm de ser feitas indo ao encontro das necessidades da humanidade, respeitando os recursos naturais existentes. É preciso harmonizar as necessidades humanas e de progresso social com o planeta que temos.

É vasto o conjunto de medidas a tomar o quanto antes na defesa do meio ambiente e do planeta.

Impõe-se o reforço do papel do Estado na defesa da natureza e dos ecossistemas e para o aumento da eficiência energética, através de alternativas energéticas ecológicas.

Tendo em conta que os combustíveis fósseis satisfazem actualmente mais de 80% das necessidades energéticas a nível mundial, importa coragem política para diminuir esta dependência, através do investimento público em alternativas viáveis e seguras para as populações.

 

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Uma das principais frentes passa pela defesa intransigente do transporte público colectivo, por via do investimento necessário para que se torne numa opção para as deslocações diárias das populações. Aliás, Portugal avançou uma medida importantíssima neste sentido, com a redução do valor do passe social, em implementação durante este ano.

Também no que respeita ao problema das emissões que produzem o efeito estufa, impõe-se defender a produção local travando a liberalização do comércio mundial, o que teria como consequência uma substancial redução da amplitude dos ciclos de produção e consumo e, bem assim, das referidas emissões.

A redução das emissões de CO2 só poderá chegar a bom porto se feita por via de normativos específicos e sem que seja possível o negócio das licenças, que já provou ser ineficaz e perverso.

A protecção dos ecossistemas joga também um papel importante no ciclo do carbono e dos equilíbrios naturais.

O combate à mercantilização da água e do saneamento tem de ser feito pela manutenção da água no domínio público, único garante de que o direito ao acesso a este direito fundamental não é posto em causa.

Uma sociedade que respeite mais o ambiente e o planeta é também uma sociedade que se respeita mais a si própria, onde a luta pelo ambiente anda de mãos dadas com o progresso e a justiça social.

TÓPICO

https://www.abrilabril.pt/nacional/greve-climatica-e-mudanca-necessaria

 

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