Colômbia / Renán Vega Cantor: "Em 2017 assistimos a um descumprimento permanente dos acuerdos de paz"

Colômbia / Renán Vega Cantor: "Em 2017 assistimos a um descumprimento permanente dos acuerdos de paz"

 Por Mario Hernández, Resumen Latinoamericano*, 11 janeiro 2018

Entrevista com Renán Vega Cantor, intelectual marxista. O ELN e as dissidências das FARC seguirão tendo legitimidade ante o descumprimento do Estado

M.H.: Queria fazer um balanço porque no dia 24 de novembro pasado se cumpriu um ano dos Acordos de Paz entre o governo colombiano e as FARC. O chamado Acordo de Havana que, pelo menos, tem visões encontradas. Por exemplo, li as declarações do ex-Comissionado de paz, Sergio Jaramillo, e da Missão da ONU em Colômbia que disseram que as FARC cumpriram com os acordos, porém que o governo nacional e o Estado não o fizeram. No entanto, o presidente Juan Manuel Santos falou de que "o copo está pela metade". Qual é tua visão?

R.V.C.: Eu creio que é muito claro, à parte da propaganda e demagogia política que se possa fazer. Um ano depois dos acordos, estudos da ONU, de várias ONGs concluem que o cumprimento dos acordos por parte do Estado é muito baixo, alguns utilizam porcentagens e dizem que se cumpriu somente 18% do pactuado. À margem de poder quantificar este tipo de coisas, o mais interessante é analisar os assuntos qualitativos que se tenham deixado de realizar neste ano. Quando se supõe que se termina um conflito armado de tanta duração como o do Estado colombiano com a insurgência das FARC, a gente supõe que seja falado entre partes responsáveis e sérias e que o cumprimento dos acordos não está em dúvida. Porém é que, a estas alturas, inclusive no âmbito de aparelhos do Estado, o que está rondando é o legitimar o des cumprimento, nem no governo nem nos partidos políticos de direita se apresenta se se pensa cumprir com o acordado. Quer dizer que se está negando o acordado como se não se houvesse firmado um pacto entre instâncias responsáveis começando pela que representa a um Estado. E neste ano o que assistimos é um descumprimento permanente em todas as esferas do acordo. Por exemplo, num dos pontos centrais que tem a ver com o assunto agrário ou "reforma rural integral", como se chama no acordo, o descumprimento é praticamente absoluto, não há avanços de nenhuma natureza, quando se falava de repartir 3 milhões de hectares e legalizar outros 7, neste momento as cifras são ridículas, estamos falando praticamente de nada e se tratava da coluna vertebral do acordo. Porém os outros pontos tampouco foram cumpridos, por exemplo, o relacionado com o novo tratamento que supo stamente se ia dar à produção, comercialização e tráfico internacional das drogas, isso também ficou no papel. Se supunha que ia se aplicar outro tipo de política não repressiva e que não se centrasse em atacar aos campesinos produtores de coca no território colombiano. Isso tampouco se cumpriu. O que temos visto é o reforçamento da política tradicional de tipo repressiva contra os campesinos sem implementar o que se dizia no Acordo, que se ia atacar todos os escalões relacionados com esse fenômeno do processamento e da comercialização dos narcóticos. Se tem atacado ao setor mais frágil da cadeia que são os campesinos, e há fatos dolorosos e graves como o massacre levado adiante por membros da polícia colombiana há uns três meses em Tumaco, um povoado muito pobre da costa pacífica habitado fundamen talmente por população negra, onde foram massacrados muitos campesinos pela polícia colombiana, imediatamente depois que o governo tivera se reunido com Trump e este havia dado praticamente a ordem de voltar a implementar a política tradicional fracassada de guerra contra as drogas. Nesse terreno tampouco houve algum avanço. Porém talvez o elemento mais grave é que nem sequer há uma paz negativa, nem sequer se criou uma paz no sentido de que se respeite a vida dos ex-combatentes e dos líderes sociais de esquerda neste país. Estamos assistindo a uma sangria permanente onde praticamente se estão matando todos os dias a ex-combatentes das FARC que se desarmaram e a líderes sociais. Há uma cifra de cerca de 35 ex-combatentes das FARC que foram assassinados sem contar a alguns de seus familiares que também estão sendo exterminados. E o último ponto que quero mencionar & eacute; o da Jurisdição Especial para a Paz, que se anunciava como a grande conquista deste acordo, onde iam se pôr a julgar aos financiadores da guerra, não somente a membros do Estado e da insurgência como também aos empresários nacionais e internacionais, ao setor financeiro, a grandes terra-tenentes que financiaram a composição de grupos paramilitares, por exemplo. Isso se reformou de tal forma que praticamente desapareceu e vai ficar então uma justiça feita para julgar unicamente as FARC. Estes são alguns dos elementos, apresentados a voo de pássaro, como para indicar que o descumprimento dos acordos por parte do Estado e das altas esferas do poder político tem sido praticamente absoluto.

Que quantidade de guerrilheiros continuam presos? Creio que era outro dos aspectos que os acordos de paz contemplavam e também que nos comentes sobre a marcha da reforma política.

- Justamente, um dos acordos era gerar ou aprovar uma anistia geral que propiciasse a saída dos presos políticos das FARC da prisão e ainda, até este momento, restam nos cárceres colombianos pelo menos mil presos políticos que deveriam estar livres. Como a Colômbia é um país regido pela lógica das leis formais do papel, aqui inclusive se diz que é normal porque é um Estado de direito e cada um dos poderes é independente, então o Poder judiciário, que também está ligado ao terrorismo de Estado aqui em Colômbia, inventou uma série de subterfúgios para impedir a saída dos guerrilheiros que se encontram presos. Porém não é somente isso, como também as péssimas condições que se vivem nos cárceres colombianos que têm significado a morte de muitos desses guerrilheiros, que inclusive poderiam ter sido tratados em condições normais e se estivessem livres seguiriam vivos. É um tratamento quase vingativo contra estes lutadores sociais e se impede que se libertem e não há perspectivas de que vão ser liberados de maneira imediata. Quanto à reforma política, era outro ponto central dos acordos em que se supunha que iam se criar condições para romper com o monopólio dos políticos tradicionais deste país e todo o sistema de corrupção que se gerou, porém o grande problema é que isso ficou ao vaivém da aprovação do Congresso da República pela via expedita e acelerada do fast track e no Congresso não estão interessados precisamente em reformar a política porque os primeiros que deveriam ser reformados seriam eles, inclusive deveria desaparecer o Congresso tal e como exist e no país. Isso tampouco se realizou e nesse sentido não tem havido grandes avanços na participação política da insurgência e dos setores sociais. Há um fato vergonhoso do Congresso da República e é que se opôs à aprovação da Jurisdição Especial para a Paz, onde iam participar, principalmente, segundo diz no acordo, representantes das vítimas, jurisdições eleitorais nas 16 regiões do país. Isso não se aprovou e agora há uma contenda jurídica em relação com isso, porém simbolicamente está muito claro que o Congresso da República não quer que haja avanços nessa direção.

Queres acrescentar algo mais?

- O que quero dizer é que lamentavelmente para fora do país existe muita desinformação neste terreno pela simples razão de que se diz que a paz em Colômbia é um processo exitoso, que a Juan Manuel Santos lhe deram o prêmio Nobel da Paz e que desapareceram os fatores que deram origem à insurgência armada e o que posso dizer é que as classes dominantes deste país e do Estado colombiano, ao não cumprirem este acordo, estão brincando com fogo, porque no futuro vão seguir existindo as condições que possibilitaram o surgimento da insurgência. Não está claro que o ELN, as dissidências das FARC e novos grupos armados de esquerda que possam surgir não deixem de ter legitimidade ante o descumprimento do Estado colombiano. Esse é um elemento que é importante destacar. Ademais, se segue exercendo a viol ência no país em distintos âmbitos contra dirigentes sociais de esquerda e líderes populares ao longo e ancho do país; isso não se pode considerar como nenhum processo de paz. É simplesmente que o Estado colombiano estava interessado em terminar com a existência das FARC porém não em cessar o terrorismo de Estado que é uma prática constante deste país que se mantém até o presente apesar de que se fale tanto de paz a nível público internacional e que a Colômbia seja colocada como um exemplo de paz exitoso. Não creio que se possa considerar como processo de paz exitoso o que se passa num país quando se continua encarcerando as pessoas por suspeitas, quando as instâncias do Estado continuam criminalizando aos líderes sociais, quando a imprensa oficial e os grandes meios de comunicação continuam botando fogo e intolerância contra a insurgência e contra todos os que sejam de esquerda e, o pior do caso, quando se continuam assassinando a centenas de pessoas como sucede em Colômbia.

 

*fonte: La Haine

Tradução > Joaquim Lisboa Neto

 

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