Stathis Kouvelakis: Syriza preso na "gaiola de ferro"?

A coluna acima de Alexis Tsipras é importante em vários sentidos. Mostra mudança qualitativa na situação grega, e por muitos diferentes razões.


Antes de qualquer coisa, pela primeira vez Tsipras nos oferece (inclusive aos leitores gregos) uma lista das concessões que o governo grego fez durante as negociações com as instituições, como a troikapassou a ser chamada.

E é lista impressionante: acordo sobre superávits orçamentários; abandono efetivo da demanda de cancelarem-se todas as dívidas (que não é sequer mencionado na coluna acima); aumento no Imposto sobre Valor Agregado; adiamento do aumento no salário mínimo e restauração da negociação coletiva de salários para futuro vago, e só se a Organização Internacional do Trabalho aprovar; implementação de reformas para reduzir aposentadorias e reconhecimento de impostos existentes sobre a propriedade, os mesmos que o Syriza declaradamente se comprometeu a abolir.

E a isso se deve acrescentar mais um ponto essencial: como a versão em grego do texto de Tsipras, o "fortalecimento dos corpos públicos independentes" não diz respeito só à agência ELSTAT de estatísticas, mas, e mais importante, também ao secretariado de rendas públicas.

Com isso o próprio aparelho econômico do estado é 'libertado' de qualquer controle pelos governos eleitos: na realidade, trabalhará sob supervisão direta das instituições da União Europeia. Mantendo Katerina Savaidou na posição estratégica que ocupa, para a qual foi indicada nas últimas semanas do governo anterior, e que já foi sinal de que o governo estava aceitando manter esse corpo estratégico fora de seu corpo de controle executivo.

Sejamos claros. Em primeiro lutar, essas concessões, que Alexis Tsipras reconheceu aqui pela primeira vez, jamais antes foram discutidas publicamente em nenhum nível, nem no Partido nem no Parlamento, nem sequer dentro do governo, no sentido de debate coletivo comunicado à cidadania. São medidas simplesmente anunciadas, depois de acertadas ao longo de negociações absolutamente opacas com a União Europeia.

Em segundo lugar, nesse texto Alexis Tsipras não fala de tema ao qual se referiu várias vezes em outras ocasiões, inclusive em sua muito comentada entrevista a Der Spiegel, a saber, o fato de que desde fevereiro o Banco Central Europeu está usando a liquidez como meio para chantagear a Grécia .

Menciona só a suspensão dos pagamentos de empréstimos, que forçou o governo grego a reembolsar seus credores usando exclusivamente recursos próprios - processo que levou à situação atual, que continua a drenar os cofres. Com isso, nega a ele mesmo o principal argumento que lhe poderia permitir mostrar o que a União Europeia está realmente fazendo - mas argumento que, ao mesmo tempo, o forçaria a admitir o enfraquecimento de sua posição e o caráter danoso do acordo de 20 de fevereiro que ele continua a defender.

Em terceiro lugar, é claro que, seja a questão posta como for, o quadro que Tsipras propõe aqui é de uma austeridade suavizada, não, de modo algum , de ruptura com a austeridade. Todo o edifício dos memorandos está aí de volta, apenas que algumas rebarbas foram aparadas. Dito de outro modo, resta bem pouco do Programa Thessaloniki, que foi, não esqueçamos, apresentado como "programa de emergência" a ser aplicado imediatamente e independentemente do resultado das negociações.

Ainda pior, as quatro linhas vermelhas que o próprio Alexis Tsipras fixou, ele mesmo, dia 16 de abril, em declaração portentosa à agência Reuters (sobre aposentadorias, Imposto sobre Valor Agregado, privatização e negociação coletiva) também foram, todas elas, atropeladas de um ou de outro modo.

Assim sendo, muitos se perguntarão onde estará o limite imposto e por que Alexis Tsipras procura dramatizar as coisas, como na sentença final ("por quem os sinos dobram") e como outras passagem parecem sugerir. A razão muito simples para tudo isso é que a troika não está satisfeita com continuar com a austeridade existente e com o que o Memorando demarca.

troika quer apertar as atuais condições, impondo imediatamente outros cortes nas aposentadorias e aumentando a desregulação do mercado de trabalho, e, isso, exclusivamente para desmoralizar o governo do Syriza. E Tsipras devolve a bola para a quadra deles, dizendo "Quem quer o rompimento são vocês, não eu. Vejam aí: estou pronto a administrar a austeridade e a adiar sine die o programa que fui eleito para implementar, mas vocês pedem mais que isso, e que eu vá além, até, do que você exigiram de Samaras."

Na sequência, ele brande o espectro da "divisão da Europa" e exige que aqueles "valores" sejam respeitados, como se o enterro das promessas do Syriza, nem cinco meses completos depois de eleito, fosse sacrifício aceitável para preservar a tal "unidade" da Europa; como se aceitar o "acordo" que ele propõe representasse um passo na direção da "solidariedade, igualdade e democracia europeias" que ele evoca (é só fraseado oco, mas só muito raramente soou tão sinistro). 

Sem brincar de profetizar ou tentar prever a que tudo isso nos levará, anotemos simplesmente o atual estado de coisas:


- O governo grego entrou numa verdadeira espiral de retrocessos, onde uma concessão leva a outra, e não há motivo para pensar que isso vá parar.

- Tudo isso era inteiramente previsível, porque a maioria da liderança do Syriza não preparou nem adotou linha de confrontação como proposta desde o início da crise nas numerosas intervenções da Plataforma de Esquerda e, mais amplamente, de toda a esquerda do Syriza.

- Claramente, depois disso tudo, continuar a falar de alguma ruptura com a austeridade e com as políticas neoliberais dentro do atual quadro europeu é ou irresponsabilidade ou tentativa deliberada de enganar as pessoas.


Há uma alternativa.

Outra via é possível, que poderia poupar, à mais promissora experiência da Esquerda em décadas, o desastre que, agora, parece já à vista e próximo. Os principais elementos dessa alternativa foram expostosno mais recente documento da Plataforma de Esquerda, que obteve 44% dos votos na última reunião do Comitê Central do Syriza.

O governo deve empreender um contra-ataque, com plano alternativo, que é baseado nas promessas pré-eleitorais do Syriza e nos programas anunciados pelo partido, plano a ser estruturado acompanhando o seguinte conjunto de medidas, a ser implementado imediatamente:

- Nacionalização dos bancos com todas as necessárias medidas para garantir a função dos bancos nacionalizados, por critérios transparentes, produtivos, de desenvolvimento e sociais.

- Fim imediato de qualquer grade de proteção que favoreça a oligarquia grega mergulhada em escândalos.

- Taxação substancial da riqueza e das grandes propriedades, bem como taxação dos maiores acumuladores e dos altos lucros de corporações.

- Imediata e total reintrodução, além de proteção e implementação prática da legislação trabalhista e dos direitos de organização sindical.


O governo tem de responder com decisão à propaganda dos círculos de poder que aterrorizam o povo com o cenário de total desastre, que a suspensão do serviço da dívida e uma eventual saída da eurozona atrairiam sobre o país.

A prioridade dos próximos dias tem de ser não fazer o pagamento da próxima parcela do FMI, devida dia 5 de junho.

O maior desastre que surge no horizonte da Grécia seria a imposição de algum novo memorando, que significaria o fim de qualquer esperança de alternativa à terapia de neoliberal de choque. Esse é desenvolvimento que tem de ser evitado, como costumava dizer Malcom X, por todos os meios e sacrifícios necessários. *****

 


[1] "Gaiola de Ferro" ou "Jaula de ferro" e também "Jaula de Aço", conforme a tradução, é conceito de Max Weber. Sobre isso, em português, ver LÖWY, Michael, 2014, A jaula de açoMax Weber e o marxismo weberiano, São Paulo: Boitempo Editora [NTs].

 

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