Bloco de Esquerda e a política contra acidentes de trabalho

De cinco em cinco segundos há um acidente de trabalho nos países da União Europeia. De duas em duas horas morre um trabalhador. Portugal ostenta o triste recorde de ser o pais europeu com a mais elevada taxa de mortalidade no trabalho, fazendo deste um dos maiores dramas sociais do pais. 181 pessoas em 2003, e 197 em 2004 perderam a vida no local de trabalho, com particular incidência na construção civil, afectando especialmente os trabalhadores com menores possibilidades reivindicativas, como os imigrantes.

Na sequencia desses acidentes, milhares e milhares de cidadãos ficam incapacitados para o trabalho e para a vida social activa. O Bloco de Esquerda apresentou hoje, Dia Nacional da Prevenção e Segurança no Trabalho, dois projectos de lei sobre esta matéria, pretendendo agilizar os mecanismos de compensação financeira dos sinistrados.

Com estas iniciativas, o Bloco pretende intervir numa área social, a dos acidentes de trabalho, onde se verifica o exemplo clássico do confronto entre entidades economicamente fortes e pessoas singulares.

Novo regime para a remição de pensões resultantes de acidentes de trabalho

Pretende alterar o regime de remição de pensões resultantes de acidentes de trabalho. O regime actual favorece as pretensões das entidades seguradoras, não concedendo opção ao trabalhador sobre a remição da sua pensão vitalícia, nas situações de incapacidades permanentes inferiores a 30%. Com a lei em vigor, o sinistrado ou sinistrada vê-se na contingência de receber os montantes a que tem direito de uma só vez (remir o capital), não tendo a possibilidade de optar por receber uma pensão mensal - mesmo sendo essa a sua preferência.

Com estes procedimentos, os trabalhadores vêem negado o direito à actualização das pensões e, sabendo que estas são calculadas em função dos vencimentos, os trabalhadores com mais baixos salários são os mais prejudicados.

O Bloco de Esquerda defende, com esta proposta, a possibilidade do sinistrado decidir sobre a remição da sua pensão quando estas forem de reduzido montante ou quando a incapacidade para o trabalho atribuída pelo Tribunal seja inferir a 30%.

Novo regime para a remição de pensões resultantes de acidentes de trabalho

O Bloco de Esquerda pretende, com este projecto, alterar o ónus processual para o início da fase contenciosa, deixando de pertencer essa obrigação ao sinistrado e passando-o para a entidade responsável. Com esta alteração, as entidades em causa, normalmente companhias de seguros, podem, desde logo, ser obrigadas a pagar a pensão e/ou indemnização, adequando-se o que hoje já se prevê na pensão provisória, sem prejuízo de as entidades responsáveis poderem exercer o direito ao recurso, constituindo este Projecto de Lei uma aproximação com um princípio basilar das relações de trabalho – o tratamento mais favorável dos trabalhadores. Actualmente, e ainda na fase conciliatória, as empresas de seguros podem divergir sobre a remuneração do sinistrado, negar a caracterização do acidente como acidente de trabalho ou contestar que as lesões são consequência do acidente.

Pretende-se, assim, agilizar o regime processual dos acidentes de trabalho, defendendo uma maior celeridade e eficácia na atribuição das indemnizações e pensões previstas para o sinistrado.

Altera o Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro, que aprova o Código de Processo de Trabalho, e a Lei N.º 142/99, de 30 de Abril, que cria o Fundo dos Acidentes de Trabalho, instituindo um novo regime processual para o Processo para a Efectivação de Direitos Resultantes de Acidentes de Trabalho.

Projecto de Lei n.º ____/X

Exposição de motivos

I

Os acidentes de trabalho constituem uma das realidades do nosso país que, pelo número de ocorrências registadas, deveriam constar da lista de preocupações fundamentais do Estado para que se possam combater, de modo eficaz, as principais causas que contribuem para a elevada sinistralidade laboral.

Dados relativos ao ano de 2002 revelam que em Portugal, o número de acidentes mortais em contexto de trabalho foi de 219 vítimas, revelando-se o sector da construção como o mais afectado, contabilizando-se, nesse sector, 103 acidentes de trabalho dos quais resultaram a morte para o sinistrado.

Os últimos dados estatísticos revelados pelo Departamento de Estatística do Trabalho, Emprego e Formação Profissional (DETEFP), obtidos com base nas participações enviadas pelas seguradoras e respeitantes ao ano de 2000, registam um total de 208.597 acidentes de trabalho ocorridos em Portugal, dos quais 177 resultaram na morte do sinistrado.

Com a presente iniciativa legislativa não se pretende entrar na área da prevenção e riscos dos acidentes de trabalho, pretende-se intervir a jusante, isto é, numa perspectiva pragmática, propõe-se uma intervenção no regime processual dos acidentes de trabalho, numa óptica que garanta uma maior celeridade e eficácia na atribuição das indemnizações e pensões previstas para o sinistrado laboral.

Desta forma, pretende-se incutir um novo cunho às situações em que, participado um acidente de trabalho ao tribunal competente, o Ministério Público dá início ao processo para efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho.

No Dossier Justiça 2002, publicado pelo Ministério da Justiça, dados relativos ao ano de 2000, revelam que entraram nos tribunais do trabalho portugueses 19.412 acções de acidentes de trabalho, sendo que, nos processos findos nesse ano, 1.622 desses processos concerniam a sinistrados curados sem desvalorização, 11.843 a sinistrados curados com desvalorização inferior a 20%, 1036 a sinistrados curados com desvalorização entre 21% e 60%, 175 a sinistrados curados com desvalorização entre 61% e 100%, e 644 acções relativas a acidente de trabalho em que adveio a morte para o sinistrado.

Segundo esta publicação da responsabilidade do Ministério da Justiça, o tempo médio de duração dos processos de acidente de trabalho é de 10 meses.

De acordo com um estudo elaborado, em Julho de 2002, pelo Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, que integra o Centro de Estudos Sociais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, em que Boaventura Sousa Santos foi o Director Científico, subordinado ao tema “A Justiça Laboral: Análise das recentes dinâmicas processuais”, constata-se que mais de 70% dos processos respeitantes a acidentes de trabalho encontra resolução até 1 ano, tendo no ano de 2001, 76% das acções de acidentes de trabalho uma duração igual ou inferior a 1 ano, enquanto que 17,1% das acções tiveram como duração um período situado entre 1 e 2 anos, registando-se, ainda no ano de 2001, 122 processos de acidentes de trabalho com uma duração superior a 5 anos.

Segundo este estudo da responsabilidade do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa, no ano de 2001, os processos para a efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho iniciaram-se maioritariamente com a participação do acidente ao Tribunal por parte da entidade seguradora (79,2%), 16,6% foram iniciados com a participação do próprio sinistrado, 0,4% com a participação da entidade patronal e 3,8% foram iniciados com a participação efectuada por outras entidades. Tais números explicam-se pela obrigatoriedade da existência de seguro de acidente de trabalho por parte da entidade patronal, por um lado, e pela obrigatoriedade de participação do acidente de trabalho por parte das entidades seguradoras, em certos casos, por outro lado.

Ainda de acordo com estudo citado, no ano de 2001, na quase totalidade dos processos de acidente de trabalho (96,5%), o sinistrado encontrava-se segurado.

Os processos para a efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho terminam maioritariamente na fase conciliatória, por conciliação entre as partes, no entanto, verifica-se que o principal óbice à conciliação das partes se deve à fixação da incapacidade do sinistrado, sendo este motivo o determinante para o início da fase contenciosa, representando, no ano de 2001, sempre segundo o estudo do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa a que se tem vindo a fazer referência, 76% das causas de início da fase contenciosa.

São ainda causa do início da fase contenciosa no processo para a efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, a existência e caracterização do acidente (2,5%), o nexo de causalidade entre acidente e lesão (7,5%), a determinação da entidade responsável (6,8%), a determinação do salário auferido pelo sinistrado na altura do acidente (2%), contribuindo outras causas não especificadas com 5,1% para o início da fase contenciosa, segundo dados relativos ao ano de 2001 divulgados pelo estudo do Observatório Permanente da Justiça Portuguesa.

Na fase contenciosa, conclui-se no estudo citado, somente 3% destas acções, no ano de 2001, terminam com o pedido declarado improcedente pelo juiz.

Ora, a prática, mais que os números, revela que os moldes pelos quais se regem as acções para efectivação de direitos resultantes de acidentes de trabalho, em especial os que regem o início da fase contenciosa, é desrespeitador do princípio que deve superintender o processo de trabalho e as leis do trabalho em geral – o princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador – pois, nos actuais moldes, é o trabalhador, isto é, o sinistrado, que tem o ónus de iniciar a fase contenciosa, ficando a entidade responsável na cómoda posição de Réu, com tudo o que isso implica em termos de distribuição de ónus da prova.

De facto, ao iniciar-se um processo para efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho com a obrigatória participação do acidente, o Ministério Público, entidade encarregue de, simultaneamente, representar o sinistrado e presidir à fase conciliatória do processo, desempenhando um importantíssimo papel ao assumir a posição de órgão do Estado e defensor do interesse público, depara-se, invariavelmente, com duas situações em sede de tentativa de conciliação, ou seja, depois de efectuado o obrigatório exame médico por perito designado pelo Tribunal e depois de ao sinistrado ter sido fixada, se for o caso, o grau de incapacidade resultante do acidente.

A primeira situação com a qual o Ministério Público se depara e, afortunadamente, a mais frequente, surge com a entidade responsável, na maioria das vezes, a entidade seguradora, via da transferência da responsabilidade operada através da apólice uniforme de seguro de acidentes de trabalho, a aceitar o grau de incapacidade proposto pelo perito designado pelo Tribunal, obtendo-se, pois, a conciliação das partes.

Da prática, também, desde logo se pode depreender que são raras as vezes em que é o sinistrado a iniciar a fase contenciosa, tendo como motivo de dissenção o grau de incapacidade fixado pelo perito médico.

A segunda situação com que o Ministério Público se depara, em sede de tentativa de conciliação, é a de as partes não se conciliarem, dando-se início à fase contenciosa.

Aqui, no impulso para o início da fase contenciosa, reside o cerne da questão e representa o cerne do presente projecto de lei.

Ora, existem várias hipóteses com as quais as partes se podem deparar e em que, havendo divergência, pode motivar a abertura da fase contenciosa.

Entre elas, como acima se referiu, surge a divergência acerca do grau de incapacidade fixado pelo perito do Tribunal como causa mais representativa para motivar o início da fase contenciosa. Nestes casos, o actual acervo legislativo permite, por meio de simples requerimento, a abertura da fase contenciosa para fixação do grau de incapacidade, ordenando o Tribunal, na sequência de tal requerimento, a realização de uma junta médica para se proceder, de forma definitiva (sem prejuízo de ulterior recurso ao incidente de revisão de pensão), à fixação do grau de incapacidade.

Na prática, o que sucede é que o início desta fase é despoletado, na maioria esmagadora das vezes, pelas entidades responsáveis, ou, o que será mais correcto neste caso, dado o número de ocorrências, pelas entidades seguradoras que, não raro, têm representantes, já com procuração na secretaria do Tribunal, que têm a possibilidade, que a actual lei lhes confere, legal, portanto, de requerer a constituição de junta médica para fixação da incapacidade, iniciando, assim, a fase contenciosa.

A realidade, que, como todos sabemos, pode ter acepções diversas, nesta situação tem uma que é incontornável: o sinistrado vê adiada a fixação da pensão, dilação que pode, em muitos casos, ser de uma importância extrema para o quotidiano do sinistrado, na maioria das vezes, de um estrato sócio-económico baixo e, por isso, carente de algum contributo de carácter económico.

A lei actual permite, por absurdo, que a entidade responsável, que não tem de justificar o requerimento para junta médica, inicie a fase contenciosa com tal requerimento, pelo motivo de achar que o grau de incapacidade proposto pelo perito do Tribunal é superior em uma décima ao proposto pelo perito da própria entidade responsável.

O que se pode deduzir é que, actualmente, o requerimento para a realização de junta médica por parte das entidades responsáveis, representa uma atitude dilatória por parte destas, atitude que tem graves consequências para o sinistrado pela demora que incute ao processo e, consequentemente, à atribuição da pensão ao sinistrado.

O que este projecto de lei propugna, é que o recurso à junta médica, iniciando-se por esta via a fase contenciosa, seja facultado somente ao sinistrado, isto é, quando este não concorde com o grau de incapacidade atribuído pelo perito do Tribunal mantém a possibilidade de sindicar essa decisão, indicando, para isso, um perito da sua confiança.

Tal solução teria como consequência imediata a fixação definitiva do grau de incapacidade, na hipótese de o sinistrado se conformar com a incapacidade proposta, sendo, de imediato, atribuída uma pensão ao sinistrado, pensão que a entidade responsável estaria, desde logo, obrigada a pagar.

Esta solução conjuga-se com a lei actual. Afinal de contas, quem fixa o grau de incapacidade do sinistrado é um perito designado pelo Tribunal, supra-partes portanto.

Quem superintende a fase conciliatória é o Ministério Público que, representando o sinistrado, não deixa de defender a legalidade, o Estado de Direito e o bom funcionamento da justiça, não podendo, por isso, ser confundido como Advogado de alguma das partes. É o Ministério Público, garante da legalidade.

Repugna ao direito e à justiça, no entanto, que seja coarctado às entidades responsáveis o direito de sindicar a decisão do perito do Tribunal.

Esta iniciativa legislativa do Bloco de Esquerda não deseja suprimir direitos que tem como fundamentais, entre os quais o direito ao recurso, constitucionalmente garantido. Deste modo, o presente projecto de lei, de forma a garantir o direito das entidades responsáveis de ver contraditada a decisão do perito do Tribunal, propugna a adequação do incidente de revisão de pensão, actualmente previsto no artigo 145º do Código do Processo de Trabalho, podendo as entidades responsáveis recorrer a este incidente em caso de dissonância com a decisão do perito designado pelo Tribunal.

Porém, o recurso ao incidente de revisão da pensão teria um efeito meramente devolutivo, estando, pois, as entidades responsáveis, desde logo, obrigadas a cumprir a decisão advinda da fase conciliatória, pagando a pensão fixada de acordo com o grau de incapacidade atribuído nessa fase.

Um contributo forte para a adopção desta proposta é a própria lei adjectiva – de acordo com as directrizes traçadas na Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro - dos acidentes de trabalho que, nos artigos 121º e segs. do Código do Processo do Trabalho, estabelece a atribuição de uma pensão provisória ao sinistrado precisamente para salvaguardar a digna sobrevivência do sinistrado que, paradigmaticamente, é o único requisito que o sinistrado tem de provar para que tal pensão provisória lhe seja atribuída.

Com esta proposta pretende-se alcançar de forma mais célere e, por isso, mais justa, os objectivos que o legislador quis atingir com a atribuição de pensões ou indemnizações provisórias, isto é, com esta proposta reforçam-se as competências do Ministério Público para que este, que, nesta fase, conhece melhor o processo que o Juiz e, por isso, está mais habilitado para decidir, atribua a pensão ao sinistrado com base no grau de incapacidade fixada pelo perito do Tribunal, que, naturalmente, terá carácter provisório até ao momento em que finda o prazo para que as entidades responsáveis possam recorrer ao incidente de revisão de pensão.

Esta solução confere uma maior celeridade ao processo, evita procedimentos burocráticos que só aumentam a morosidade e os custos dos Tribunais e não belisca os direitos de qualquer das partes, pois, apesar de competir ao Ministério Público a representação do sinistrado, o Ministério Público, repete-se, é o defensor da legalidade, portanto, com carácter supra-partes.

O direito é a arte do bom e do justo, dizia Celso. A realidade dos acidentes de trabalho é o clássico exemplo do confronto entre entidades economicamente fortes e cujo fim social visa o lucro, e pessoas singulares, trabalhadores que necessitam dos rendimentos provenientes do seu trabalho para poderem manter uma vida digna e socialmente aceitável. Urge, por isso, legislação que tenha a especificidade da situação em devida consideração.

O requerimento de junta médica é o motivo predominante para que se inicie a fase contenciosa no processo para a efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho. Isto significa, desde logo, que a entidade responsável reconhece factos tão importantes como o reconhecimento do acidente como sendo de trabalho, o nexo de causalidade entre o acidente e a lesão e em que está determinado o salário auferido pelo sinistrado na altura do acidente e que a entidade notificada para comparecer na tentativa de conciliação se considera responsável.

Caso assim não suceda, apesar de o requerimento de junta médica significar uma demora do processo muitas vezes incomportável para o sinistrado, e o motivo de dissensão entre as partes ser outro que não o grau de incapacidade atribuído pelo perito do Tribunal, então estaremos perante um processo que, embora possa ser considerado relativamente célere, atendendo à pendência processual existente nos Tribunais do Trabalho e à pendência processual existente nos Tribunais comuns, acarreta delongas claramente incomportáveis para quem está numa situação de, muitas vezes, absoluta carência de recursos económicos.

Com o actual processo cabe ao sinistrado, por intermédio do Ministério Público, iniciar a fase contenciosa através de petição inicial. Como já se referiu, é de 3% a percentagem, no ano de 2001, de pedidos declarados improcedentes pelo Juiz, isto é, 153 acções num universo de 5115.

Na prática, o processo que a presente proposta pretende alterar, permite que as entidades responsáveis, ainda na fase conciliatória, assumam a cómoda posição de divergirem, por exemplo, sobre a remuneração que o sinistrado auferia na altura do acidente, não admitirem a caracterização do acidente como acidente de trabalho, negarem que as lesões são consequência do acidente, isto de forma totalmente leviana e sem a devida fundamentação, tendo, via dessa tomada de posição por parte da entidade responsável, de ser o sinistrado a ter que iniciar a fase contenciosa e, portanto, de ser o sinistrado que tem de provar tudo, quando, na maior parte das vezes – como resulta dos números – a assumpção de tais posições por parte das entidades responsáveis não passam de atitudes claramente dilatórias que, muitas vezes, têm a sua própria equipa jurídica que mais não faz do que isso mesmo.

Igualmente grave é a situação em que a entidade responsável notificada para a tentativa de conciliação refere a existência de seguro ou, ao inverso, a inexistência do mesmo, havendo assim um problema no apuramento da entidade responsável.

Uma situação que ocorre com bastante frequência nos Tribunais portugueses, surge quando a entidade seguradora não chega a acordo na fase conciliatória, aduzindo, para tal, o argumento de o seguro celebrado com a entidade empregadora ter como referência uma remuneração bastante inferior ao que o sinistrado auferia na altura do acidente, o que significa que a entidade seguradora só se responsabiliza pelo pagamento de uma pensão de acordo com o declarado pela entidade empregadora, o que se traduz numa acrescida dificuldade do sinistrado em receber uma pensão de acordo com o realmente auferia, pois, as entidades empregadoras que recorrem a este tipo de expediente são, na sua maioria, pequenas empresas, muitas vezes subcontratadas para, por sua vez, efectuarem subempreitadas, empresas essas que têm dificuldades em cumprir com as suas obrigações e, no reverso da medalha, não têm pejo algum em requerer a sua própria falência.

No limite, podemos deparar-nos com situações de inexistência de seguro e total incapacidade da empresa em cumprir com as suas obrigações, tendo, também, nestas situações, de ser o sinistrado a propor a acção para que lhe sejam reconhecidos os seus direitos e, muito depois, ter de esperar que seja declarada a falência da entidade responsável para que o Fundo de Acidentes de Trabalho assegure o pagamento da pensão devida.

Mais grave, na situação de inexistência de seguro acima referida, é que, não raro, foi o sinistrado que teve de pagar todas as despesas relacionadas com o tratamento das lesões advindas do acidente de trabalho e ainda não recebeu qualquer quantia a título indemnizatório, tendo, mesmo nesta situação limite, de ser o próprio sinistrado a propor uma acção contra a entidade empregadora que, desde o início, vem incumprindo as responsabilidades que legalmente lhe cabem.

Desta forma, o presente projecto de lei pretende, outrossim, ampliar as competências do Fundo de Acidentes de Trabalho para que, com a acção e responsabilização deste fundo, o sinistrado possa de forma célere e justa obter aquilo a que tem direito.

Pretende-se assim, com esta iniciativa legislativa, alterar o ónus de impulso processual para o início da fase contenciosa, passando este ónus do sinistrado para a entidade responsável, ficando esta, caso o deseje fazer, com a possibilidade de iniciar a fase contenciosa, através de petição inicial, para as situações em que pretende discutir algo mais que não unicamente o grau de incapacidade fixado para o sinistrado.

Isto significa que o Ministério Público, tendo na sua posse todos os elementos para proferir uma decisão equitativa, pode obrigar a entidade responsável a pagar, desde logo, a pensão e/ou indemnização devida, tendo esta, naturalmente, carácter provisório durante o prazo previsto para que as entidades responsáveis possam dar início à fase contenciosa através de petição inicial ou do incidente de revisão de pensão devidamente adequado.

Caso o Ministério Público entenda que não tem elementos suficientes para proferir uma decisão, cabe ao sinistrado, na esteira do que actualmente acontece (vide art. 119º, n.º 3 do C. P. T.), fornecer os elementos de prova requeridos pelo Ministério Público para que este possa decidir. Com a alteração do ónus de impulso processual proposto, e com as implicações que tal facto acarreta para a distribuição do ónus da prova, haveria, sem dúvida, uma convergência do processo de efectivação de direitos resultantes de acidentes de trabalho com o princípio inicial das relações laborais – a protecção do mais desfavorecido.

II

O Bloco de Esquerda, através do presente projecto de lei, pretende também, como já foi brevemente referido, ampliar as competências do Fundo de Acidentes de Trabalho, criado pela Lei n.º 146/99, de 30 de Abril.

Com as alterações propostas, visa-se conferir uma maior dinâmica a tal fundo para, por um lado, garantir uma maior celeridade na atribuição da pensão e/ou indemnização ao sinistrado e, por outro lado, acautelar que as entidades responsáveis recebam de volta o que ulteriormente se provou não ser responsabilidade das mesmas.

Assim, propõe-se que o Fundo de Acidentes de Trabalho, no caso de recusa de alguma das entidades responsáveis no pagamento da pensão e/ou indemnização atribuída pelo Ministério Público, fica, desde logo, responsável pelo pagamento dessas prestações, sub-rogando o sinistrado nos seus direitos.

Com as alterações propostas, designadamente com o carácter vinculativo da decisão de atribuição da pensão e/ou indemnização ao sinistrado por parte do Ministério Público, cabe ao Fundo de Acidentes de Trabalho, à semelhança do que está instituído no artigo 122º, n.º 2 do C. P. T., assegurar o pagamento de pensões e/ou indemnizações feitas indevidamente ao sinistrado, pagando às entidades responsáveis em caso de dissipação das prestações recebidas pelo sinistrado.

III

Com este projecto de lei, o Bloco de Esquerda pretende, portanto, conferir uma maior celeridade na atribuição de pensões e/ou indemnizações ao sinistrado, transportando, pura e simplesmente, os princípios que superintendem a atribuição das designadas pensões provisórias, actualmente previstas na Divisão II do processo para efectivação resultante de acidentes de trabalho, com a vantagem de, com a presente proposta, se atribuir à fase conciliatória deste processo, a importância que merece, evitando-se o que se passa hoje em dia nos nossos Tribunais, isto é, o facto de as entidades responsáveis comparecerem na fase conciliatória como se esta não passasse de um mero pró-forma, antecâmara necessária da fase contenciosa, podendo estas, leviana e infundadamente, recusar o pagamento de uma pensão e/ou indemnização que é devida a um trabalhador que sofreu lesões advindas de um acidente de trabalho.

Por outro lado, com este projecto de lei, recolocam-se as partes no campo processual mais adequado e equitativo, já que ao transferir o ónus de impulso processual para as entidades responsáveis, manifestamente a parte mais forte nesta relação, o sinistrado, parte mais fraca neste processo, fica na posição cómoda em que o processo vigente coloca hoje as entidades responsáveis, i. e., o ónus da prova do alegado cabe a quem alegou, logo o sinistrado, tendo disponibilizado todos os elementos probatórios ao Ministério Público para que este possa tomar uma decisão conscienciosa, nada mais tem a alegar.

Também, com esta proposta, confere-se uma maior dignidade às funções exercidas pelo Ministério Público e pelo perito médico designado pelo Tribunal, pois as suas decisões passarão a ter uma importância que o processo vigente não lhes concede.

Por fim, ao propugnar uma maior actuação e envolvimento do Fundo de Acidentes de Trabalho neste processo, a presente proposta, para além de garantir que o sinistrado vai ser ressarcido de forma rápida, não faz mais que responsabilizar, também, o Estado, para que este, através de práticas fiscalizadoras mais eficazes, se motive para que toda a legislação que versa sobre segurança no trabalho seja efectivamente cumprida.

Nestes Termos, no âmbito das normas constitucionais e regimentais em vigor, os Deputados do Bloco de Esquerda apresentam o seguinte projecto de lei:

Capítulo I Âmbito

Artigo 1º Objecto

O presente diploma consagra um novo regime para o Processo para Efectivação de Direitos Resultantes de Acidente de Trabalho e altera as competências do Fundo de Acidentes de Trabalho, conferindo uma maior celeridade na atribuição de pensões e indemnizações ao sinistrado ou aos seus beneficiários.

Capítulo II Código de Processo do Trabalho

Artigo 2º Alteração ao Código de Processo do Trabalho

Os artigos 104º, 108º, 112º, 115º, 117º, 126º, 138º e 142º do Código de Processo de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro, passam a ter a seguinte redacção:

«Artigo 104º […] 1- O Ministério Público deve assegurar-se, pelos necessários meios de investigação, da veracidade dos elementos constantes do processo e das declarações das partes, para os efeitos dos artigos 109º, 112º e 114º. 2- […] 3- […]

Artigo 108º […] 1- […] 2- […] 3- […] 4- […] 5- Faltando de novo a entidade responsável ou não sendo conhecido o seu paradeiro, é dispensada a tentativa de conciliação, presumindo-se verdadeiros, até prova em contrário, os factos declarados nos termos do número anterior se a ausência for devida a falta injustificada. 6- […]

Artigo 112º Decisão 1- […] 2- O interessado que se recuse a tomar posição sobre cada um destes factos, estando já habilitado a fazê-lo, é, em caso de início da fase contenciosa, a final, condenado como litigante de má fé. 3- O Ministério Público, reunidos todos os elementos a que o artigo 104º faz referência, fixa provisoriamente a pensão ou indemnização que for devida pela morte ou pela incapacidade atribuída pelo exame médico, com base na última remuneração auferida pelo sinistrado, se outra não tiver sido reconhecida na tentativa de conciliação. 4- Se o grau de incapacidade fixado tiver carácter provisório ou temporário, o Ministério Público rectifica a pensão ou indemnização logo que seja conhecido o resultado final do exame médico que define a incapacidade ou lhe reconhece natureza permanente. 5- Se houver desacordo sobre a transferência da responsabilidade, a pensão ou indemnização fica a cargo da seguradora cuja apólice abranja a data do acidente. 6- Se do processo não constar apólice de seguro, a pensão ou indemnização é paga pela entidade patronal, salvo se esta ainda não estiver determinada ou se encontrar em situação de incapacidade económica objectivamente caracterizada em processo judicial de falência ou processo equivalente, processo de recuperação de empresa ou por motivo de ausência, desaparecimento ou impossibilidade de identificação, caso em que é o Fundo de Acidentes de Trabalho, criado pelo Decreto-Lei n.º 142/99, de 30 de Abril, o responsável pelo pagamento da pensão ou indemnização. 7- Se o sinistrado ainda necessitar de tratamento, o Ministério Público determina que este seja custeado pela entidade a cargo de quem ficar a pensão ou indemnização.

Artigo 115º Regime de eficácia do acordo ou da decisão

1- O acordo ou a decisão do Ministério Público produzem efeitos desde a data da sua realização. 2- O Ministério Público, se o acordo ou decisão não forem homologados e considerar possível a remoção de obstáculos à sua homologação, tenta a celebração de novo acordo ou reformula a decisão para substituir aquela cuja homologação foi recusada. 3- A não homologação do acordo ou da decisão é notificada aos interessados, mas o acordo ou decisão continuam a produzir efeitos até à homologação do que o vier a substituir ou, na falta deste, até à decisão final.

Artigo 117º […] 1- A fase contenciosa tem por base: a) Petição inicial, em que a entidade responsável pelo pagamento da pensão ou indemnização provisória, o sinistrado, doente ou respectivos beneficiários formulam o pedido, expondo os seus fundamentos. b) Requerimento a que se refere o n.º 2 do artigo 138º, do sinistrado quando este não se conformar com o resultado do exame médico realizado na fase conciliatória do processo, para efeitos de fixação de incapacidade para o trabalho. 2- […] 3- […]

Artigo 126º […] 1- […] 2- [revogado]

Artigo 138º […] 1- […] 2- Se na tentativa de conciliação o sinistrado discordar apenas do grau de incapacidade atribuído, pode, no prazo de 20 dias a contar da decisão do Ministério Público, pedir a realização de um exame por junta médica.

Artigo 142º Investigação das causas da morte 1- […] 2- […] 3- [revogado] 4- [revogado] 5- […]»

Artigo 3º Aditamento ao Código de Processo do Trabalho

São aditados ao Código de Processo do Trabalho os artigos 114º-A, 117º-A e 145º-A com a seguinte redacção: «Artigo 114º-A Homologação da decisão

O Juiz, decorrido o prazo a que o n.º 1 do artigo 117º-A faz referência, sem que tenham sido apresentados em juízo petição inicial ou os requerimentos previsto nos artigos 138º e 145º-A, homologa a decisão do Ministério Público de acordo com o estabelecido no n.º 1 do artigo anterior.

Artigo 117º-A Início da fase contenciosa mediante petição inicial

1- As partes, quando o motivo de discordância da decisão do Ministério Público for outro para além do grau de incapacidade fixado, podem, no prazo de 20 dias, apresentar petição inicial expondo os fundamentos de facto e de direito que julguem pertinentes. 2- A apresentação da petição inicial não suspende os efeitos da decisão proferida pelo Ministério Público.

Artigo 145º-A Revisão da incapacidade por iniciativa da entidade responsável

1- A entidade responsável pelo cumprimento da decisão do Ministério Público na fase conciliatória pode, se o único motivo de discordância for o grau de incapacidade atribuído ao sinistrado, no prazo de 20 dias a contar da decisão, requerer a constituição de junta médica, seguindo-se os termos estabelecidos no artigo 139º. 2- Do requerimento para a revisão da incapacidade deve constar, de forma fundamentada, qual o grau de incapacidade que a entidade responsável considera adequada, não sendo necessário invocar melhoria da lesão que deu origem à reparação. 3- A formulação de quesitos para exames médicos é obrigatória. 4- O Juiz pode indeferir o requerimento se considerar a fundamentação insuficiente, contraditória ou obscura. 5- A apresentação do requerimento de revisão não suspende os efeitos da decisão do Ministério Público. 6- Admitido o requerimento e realizada a junta médica, decidindo-se esta pela manutenção ou agravamento do grau de incapacidade atribuído ao sinistrado, o Juiz condena a entidade responsável em multa compreendida entre 2 e 10 UC’s.»

Artigo 4º Alteração ao Título VI do Código de Processo do Trabalho

A Divisão IV da Subsecção I, da Secção I do Capítulo I do Título VI do Código de Processo do Trabalho passa a denominar-se “Acordo e Decisão acerca das Prestações”.

Artigo 5º Revogação de artigos do Código de Processo do Trabalho

São revogados os artigos 113º, 116º, 119º, 121º, 122º, 123º, 124º e 125º do Código de Processo do Trabalho.

Capítulo III Fundo de Acidentes de Trabalho

Artigo 6º Alteração à Lei n.º 142/99, de 30 de Abril

O artigo 1º da Lei n.º 142/99, de 30 de Abril, que cria o Fundo de Acidentes de Trabalho passa a ter a seguinte redacção:

«Artigo 1º […]

1- É criado o Fundo de Acidentes de Trabalho, dotado de autonomia administrativa e financeira, adiante designado abreviadamente por FAT, a quem compete: a) Garantir o pagamento das prestações, reparação e substituição de aparelhos que forem devidos por acidentes de trabalho sempre que, decorridos 30 dias da decisão que atribuiu a pensão ou indemnização ao sinistrado ou aos seus beneficiários, ou 30 dias da falta de pagamento de uma das prestações, a entidade responsável pelo pagamento das prestações, reparação ou substituição de aparelhos ainda não o tenha efectuado. b) […] c) […] d) […] 2- […] 3- [revogado]»

Artigo 7º Aditamento à Lei n.º 142/99, de 30 de Abril

São aditados à Lei n.º 142/99, de 30 de Abril, que cria o Fundo de Acidentes de Trabalho, os artigos 1º-A e 13º-A, com a seguinte redacção:

«Artigo 1º-A Entidades responsáveis

As entidades responsáveis que tenham sido condenadas ao pagamento de prestações de acordo com o previsto no artigo 112º do Código de Processo do Trabalho, tendo impugnado judicialmente tal decisão, podem requerer ao FAT o reembolso do pagamento indevidamente efectuado ao sinistrado ou aos seus beneficiários, desde que:

a) Haja uma decisão judicial transitada em julgado favorável às pretensões da entidade responsável. b) O sinistrado, ou os seus beneficiários, tenham sido notificados, por carta registada com aviso de recepção, para devolver o indevidamente pago e não o tenham feito no prazo de 30 dias a contar da recepção da notificação.

Artigo 13º-A Sub-rogação

O FAT, nas hipóteses previstas no n.º 1 do artigo 1º e no artigo 1º-A, fica sub-rogado nos respectivos direitos.

Artigo 8º Norma revogatória

É revogado o artigo 13º da Lei n.º 142/99, de 30 de Abril, que cria o Fundo de Acidentes de Trabalho.

Capítulo IV Disposições finais e transitórias

Artigo 9º Derrogação

Consideram-se derrogadas todas as disposições normativas que contrariem o disposto no presente diploma.

Artigo 10º Entrada em vigor

O presente diploma entra em vigor 30 dias após a publicação.

Palácio de São Bento, 28 de Abril de 2005.

As Deputadas e os Deputados do Bloco de Esquerda

Institui um novo regime para a remição de pensões resultantes de acidentes de trabalho

Projecto de Lei n.º ____/X

Exposição de motivos

As remições de pensões resultantes de acidentes de trabalho são, hoje em dia, um motivo de discórdia na sociedade portuguesa. O regime vigente resulta da imposição dos argumentos das entidades seguradoras que os viram, por isso, plasmados na Lei. Os trabalhadores vêem-se, assim, na contingência de ter de receber, em certos casos, de uma só vez o que, normalmente, receberiam de forma faseada, ao longo da sua vida.

Vozes autorizadas e descomprometidas, tais como o Provedor de Justiça, Dr. Nascimento Rodrigues, são os primeiros a realçar “a natureza, essencialmente social, dos direitos dos pensionistas aqui em causa, associada ao facto do novo regime jurídico sobre acidentes de trabalho ter acolhido, inegavelmente, nesta matéria, uma pretensão há muito reivindicada pela globalidade das companhias de seguros. Com efeito, admitindo a remição de pensões de valor exíguo, nos termos em que foi consagrada, o legislador contribuiu para a redução, considerável, dos encargos correntes das seguradoras.”

Como é sabido, o regime ora em vigor estatui a obrigatoriedade da remição de pensões para as incapacidades permanentes inferiores a 30% e para as pensões de reduzido montante. Ou seja, na prática o legislador de 1999, usando o argumento de querer beneficiar o sinistrado, acabou por beneficiar apenas as companhias seguradoras.

Isto porque, se se queria beneficiar os sinistrados e, por acréscimo, aportar algumas vantagens para a logística natural de uma companhia de seguros, lógico seria a adopção de um regime em que se possibilitasse a remição das pensões de baixo valor, como escolha do sinistrado, o que, subsequentemente, levaria as companhias de seguros a criar condições mais benéficas que as previstas no regime geral, para, assim, levar o sinistrado a optar pela remição da pensão, processo este que se traduziria, seguramente, em ganhos para ambas as partes envolvidas.

Outra das razões que avultam para que se modifique o actual regime prende-se com questões de índole constitucional. O Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 302/99, através da pena dos Conselheiros Bravo Serra, Guilherme da Fonseca, Paulo Mota Pinto e Luís Nunes de Almeida, decidiu declarar inconstitucional a norma constante do art. 64º, n.º 2, de Decreto n.º 360/71, de 21 de Agosto, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 459/79, de 23 de Novembro, em conjugação com o art. 2º do Decreto-Lei n.º 668/75, de 24 de Novembro, na parte em que veda, a requerimento dos pensionistas ou das entidades responsáveis, a remição das pensões correspondentes a desvalorizações iguais ou superiores a 20% e inferiores a 30%, desde que o seu valor não exceda o valor da pensão calculada com base numa desvalorização de 20% sobre o salário mínimo nacional.

Decidiu desta forma o Tribunal Constitucional por considerar que tal disposição violava os artigos 13º, n.º 1, 59º, n.º 1, al. f), e 63º, n.º 3, alcandorando-se no argumento que uma limitação deste tipo restringe o “poder do trabalhador ponderar se, atento o diminuto quantitativo da pensão, se não revelaria mais compensador a efectivação da remição, isso redunda, verdadeiramente, na consagração de uma discriminação materialmente infundada, actuando como um obstáculo a que o sistema de segurança social proteja adequadamente os trabalhadores em situações de diminuição de capacidade para o trabalho e do direito dos trabalhadores à justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional.”

O Acórdão citado refere outrossim que “o estabelecimento de pensões por incapacidade tem em vista a compensação pela perda da capacidade de trabalho dos trabalhadores devida a infortúnios de que foram alvo no ou por causa do desempenho do respectivo labor. E, por isso, compreende-se que se tal perda não for por demais acentuada, o que o mesmo é dizer que o acidente de trabalho ou doença profissional não implicou a futura continuação do desempenho do labor por parte do trabalhador, se permita que a compensação correspondente à pensão que lhe foi fixada (…), possa ser “transformada em capital” a fim de ser aplicada em finalidades económicas porventura mais úteis e rentáveis do que a mera percepção de uma “renda” anual cujo quantitativo não pode permitir qualquer subsistência digna a quem quer que seja.”

Ora, os argumentos aduzidos por este douto aresto podem, “mutatis mutandis”, ser utilizados para qualificar as disposições que obrigam o trabalhador a receber de uma só vez o que, de outra forma, receberiam faseadamente, como violadores da nossa Lei fundamental.

Da decisão citada podemos concluir que a disposição em causa foi considerada inconstitucional, primacialmente, por restringir o direito de opção do sinistrado, restrição essa que, ainda segundo o aresto citado, atenta contra os direitos dos trabalhadores constitucionalmente garantidos.

Por outro lado, não se poderá invocar a existência, tanto no anterior regime como no actual, de disposições que restringem o direito de opção do sinistrado, mas em sentido contrário, ou seja, de disposições que impedem que o sinistrado receba uma indemnização de capital quando lhe foi atribuída uma pensão com base numa incapacidade parcial permanente superior a 30%. A razão justificativa é a de, neste aspecto, ter de se dar prevalência ao interesse preponderante.

Foi neste sentido que decidiu o Acórdão a que temos vindo a fazer referência, pois “outro tanto se não passará quando em causa se postarem acidentes de trabalho ou doenças profissionais cuja gravidade seja de tal sorte que vá acentuadamente diminuir a capacidade laboral do trabalhador e, reflexamente, a possibilidade de auferir salário condigno com, ao menos, a sua digna subsistência. Nestas situações, e porque a pensão é, necessariamente, de mais elevado montante, servirá ela de complemento à parca (e por vezes nula) remuneração que aufere em consequência da reduzida capacidade de trabalho.”

A aplicação de um capital comporta riscos, em virtude da álea natural inerente, o que, quando estamos perante situações em que se presume, dado o grau de incapacidade atribuído ao trabalhador, estar em risco a subsistência do trabalhador, a Lei obriga a que a reparação a que o trabalhador tem direito seja efectuada através de uma pensão paga mensalmente, não autorizando, por isso, a remição das respectivas pensões, estabelecendo, por isso, uma limitação ao poder do trabalhador de pedir ou não a remição.

Com o regime actual, o que a Lei presume, sem que nada concorra para tal presunção, é que os trabalhadores a quem foi atribuída uma incapacidade permanente parcial inferior a 30% e, consequentemente, uma pensão de reduzido valor, mantêm uma capacidade de ganho que lhes permita subsistir sem o pagamento mensal da pensão que lhes foi atribuída e que o capital que lhes foi concedido será bem aplicado, prejudicando esta Lei, portanto, o direito de opção do trabalhador, tratando de forma diferente o que, na prática, são situações idênticas, equivalendo, portanto, seguindo o raciocínio dos preclaros Juízes Conselheiros no Acórdão citado, a uma “discriminação materialmente infundada”.

O regime actual, apesar de reger uma matéria eminentemente social, só tem vantagens para as companhias de seguros, reservando para os sinistrados um papel aquiescente e resignado, quando, muitas vezes, os sinistrados prefeririam apenas, como refere António Couto, sinistrado do trabalho, ao Jornal Público de 28 de Janeiro de 2004, “receber aquele pouquinho todos os meses…”

Nestes Termos, no âmbito das normas constitucionais e regimentais em vigor, os Deputados do Bloco de Esquerda apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo 1º Objecto

O presente diploma substitui o regime de remição obrigatória das pensões resultantes de acidentes de trabalho, passando o sinistrado a decidir da remição das pensões quando estas forem de reduzido montante ou quando a incapacidade para o trabalho atribuída pelo Tribunal seja inferior a 30%.

Artigo 2º Alteração à Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro

Os artigos 17º e 33º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, passam a ter a seguinte redacção:

«Artigo 17º […]

1. […] a) […] b) […] c) […] d) Na incapacidade permanente parcial inferior a 30%: pensão anual e vitalícia ou capital de remição da pensão anual e vitalícia correspondente a 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho, calculado nos termos que vierem a ser regulamentados; e) […] f) […] 2. […] 3. […] 4. […] 5. […]»

«Artigo 33º […]

1. As pensões vitalícias de reduzido montante e as previstas na alínea d) do n.º 1 do artigo 17º podem ser remidas, nos termos que vierem a ser regulamentados. 2. […]»

Artigo 3º Alteração à Lei n.º 143/99, de 30 de Abril.

O Artigo 56º da Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, passa a ter a seguinte redacção:

«Artigo 56º […]

1. Podem, a requerimento dos pensionistas, ser remidas as pensões anuais: a) […] b) […] 2. Podem ser parcialmente remidas, a requerimento dos pensionistas e com autorização do Tribunal competente, as pensões anuais vitalícias correspondentes a incapacidade igual ou superior a 30% ou as pensões anuais vitalícias de beneficiários em caso de morte, desde que cumulativamente respeitam os seguintes limites: a) […] b) […]»

Artigo 4º Revogação do Artigo 149º do Código de Processo do Trabalho

É revogado o Artigo 149º do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro.

Palácio de São Bento, 28 de Abril de 2005.

As Deputadas e os Deputados do Bloco de Esquerda

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