Francisco Louça: Debate do OE 2004

É um orçamento brutal, que aumenta os impostos directos contra os mais fracos. É um orçamento demagógico, que recusa a convergência das pensões para o salário mínimo. Mas, pior do que tudo, é o Orçamento de um governo que desiste. Que desiste das dificuldades, que desiste de olhar para o país e que desiste de um projecto de desenvolvimento. É um orçamento que desinveste na educação, que abandona a saúde, que degrada a justiça. Que esquece a investigação científica, que despreza o interior, que convive com o privilégio, com o truque, com a manigância. É o orçamento de uma política económica feita para que tudo fique na mesma excepto as condições de vida das pessoas. Mais: é também um orçamento teimoso. Depois de dois orçamentos e de uma política que provocou o maior aumento do desemprego de que temos memória nos últimos vinte anos, teima de novo no erro, teima no mesmo remédio que tem destruído o paciente. É que o resultado de um ano e meio de governação é uma catástrofe. Mais desemprego, mais crise, mais contestação, mais buraco, menos receitas, menos disciplina fiscal, menos investimento. Com défice a crescer em vez de diminuir, com o desemprego a subir em vez de descer, com as receitas fiscais a cair a pique, temos de falar desde já da pesada herança da direita. É certo que seria sempre difícil governar depois de António Guterres e de Daniel Campelo, o país perdeu tempo demais. Mas governar depois de vossas excelências, depois de Durão Barroso e de Paulo Portas, será sempre uma dor de cabeça incomparavelmente maior, pois o país está agora a andar para trás. E, com este Orçamento, o país ficará pior. De facto, este governo não consolida o Orçamento, mas não pára de consolidar a crise social e o desvario fiscal. Este governo não consolida a despesa: ultrapassa no endividamento público os limites definidos no Pacto de Estabilidade e Crescimento, chegando agora ao record histórico de um acréscimo absoluto de 8,4 mil milhões de euros, anunciando a Comissão Europeia que as coisas ainda podem piorar em 2005. Ultrapassou os 5% no défice este ano e vai voltar a ultrapassar no próximo ano. Não cumpriu o aumento das transferências para o fundo de capitalização das pensões a que se tinha comprometido. E o desperdício continua, nas grandes obras de fachada como na nomeação dos mandarins laranja para as chefias da função pública sem concurso, com o poder de nomearem a sua corte privada sem concurso – o país sabe que é mais fácil chegar agora a administrador hospitalar por se ser primo de governante do que por se ser competente. Tudo é fácil no mundo das promessas, o que não se faz pelos amigos: sabemos hoje que basta Aznar dar um ar da sua graça na Figueira da Foz para que o governo consolide os anúncios mirambolantes de grandes projectos à espanhola … que ficam para 2030. O desperdício agrava-se ainda em decisões vergonhosas como a de mandar os soldados da GNR arriscarem a vida no Iraque pelo Império, por George Bush e pela Móbil – e lembro-lhe mais uma vez que o senhor, Dr. Durão Barroso, é pessoalmente responsável por eles. Mas se o governo não consolida a despesa, também não consolida a receita: perdeu 3 mil milhões de euros em receita fiscal. Pior, o governo consolidou o poder da fraude: as empresas que fogem ao fisco impõem sempre os seus interesses – quando o produto cai 1,5%, elas deixam de pagar 23% do IRC. O governo consolida, consolida, e o país está cada vez pior. Talvez por isso, à laia de desculpa, a senhora ministra das Finanças nos confessou ontem, e ficámos comovidos, que tem uma obsessão pelo défice. Mas isso não é notícia. O que sabemos hoje é que o défice tem uma obsessão pela senhora ministra. Não a larga, são inseparáveis, não vivem um sem o outro, a ministra e a política do déficit. É em nome dessa obsessão que o governo consolida no desemprego: já passamos o limiar histórico dos 8 por cento de desempregados. O número de desempregados aumentou, entre os dois primeiros semestres de 2002 e 2003, 41,9%, segundo os dados do Banco de Portugal. E o governo, satisfeito consigo próprio, veio ao debate orçamental dizer que era um número razoável. Teme-se só de adivinhar o que o governo considerará um número bom. Consolida-se assim a indisciplina orçamental, a recessão económica, a crise. E esta consolidação da desgraça vai sendo dirigida por um primeiro-ministro em quem nunca se pode acreditar. O que promete nunca é o que vai fazer. As previsões que faz nunca batem certo. Os números fogem-lhe para o abismo. Os estratagemas que usa para manipular as estatísticas são sempre pouco claros. Os desempregados sabem quantos são e são muitos, são demasiados, são meio milhão, e o primeiro-ministro não os vê. Os pobres são dois milhões e o primeiro-ministro acha que são uns poucos preguiçosos. Sobra a política leve, fácil, a das inaugurações, a das promessas mirabolantes, como a de um candidato a primeiro-ministro que dizia prometer a vitória no Euro 2004 e que agora é mesmo primeiro-ministro. Desde o primeiro dia, quando prometeu a descida dos impostos, que sabemos que a palavra do primeiro-ministro vale pouco. E cada medida tem o efeito contrário do que é anunciado. Esse é o sinal da incompetência. O país está pior. E perante o autêntico estado de sítio económico a que chegámos, o primeiro-ministro lá vai tentando adiar a evidência de que falhou em tudo o que dizia serem os seus objectivos: o défice que não desce, a retoma que não chega, as receitas fiscais que não sobem. E por isso, o primeiro-ministro espera e os portugueses pagam a crise. Disse-nos que tudo se resolveria em 2004. Depois, era em 2006. Agora é em 2010. Claro que tudo se resolverá, um dia. O senhor primeiro-ministro é especialista nisso mesmo: esperar que alguma coisa aconteça, que nunca sabe quando acontecerá nem muito menos porque é que acontecerá, nem como acontecerá. Mas sabe que acontecerá, um dia. Espere sentado, senhor primeiro-ministro, não se canse. E tenha uma certeza: nós não descansamos enquanto o país não tiver uma governação para a justiça social. Francisco Louçã

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