Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do PCP

Caros amigos e camaradas:

Permitam-me, antes de mais, que vos saúde e agradeça a vossa presença e contributos nesta nossa reunião de balanço e troca de experiências sobre os “cinco anos da Estratégia de Lisboa” e destaque a participação, que particularmente saudamos, dos camarada Francis Wurtz, deputado do Partido Comunista Francês ao Parlamento Europeu e Presidente do Grupo Esquerda Unitária Europeia/ Esquerda Verde Nórdica, a presença e participação do camarada Georgios Toussas, deputado do Partido Comunista da Grécia (KKE), o camarada Helmuth Markov, deputado alemão do PDS ao Parlamento Europeu. Naturalmente uma saudação fraterna também aos camaradas Ilda Figueiredo e Pedro Guerreiro.

Quando em Março de 2000, aqui em Lisboa, nos encontrámos numa iniciativa também do nosso Grupo da Esquerda Unitária Europeia, ao mesmo tempo que decorria o Conselho Europeu Extraordinário, durante a Presidência Portuguesa, de António Guterres, tínhamos todos nós a clara consciência de que o que se estava a decidir nessa Cimeira não era, como afirmavam os então responsáveis europeus, uma orientação – a Estratégia de Lisboa – com objectivo proclamado de transformar a União Europeia até 2010 na “economia do conhecimento mais competitiva e dinâmica do mundo” garantindo o pleno emprego e a eliminação da pobreza, mas um vasto programa, que os grandes grupos económicos e financeiros vinham reclamando, de liberalização e privatizações dos sectores básicos e serviços públicos, desregulamentação laboral e desmantelamento da protecção social, que traduzia um novo salto na ofensiva neoliberal nas políticas europeias.

Ofensiva que logo ali, contou com a firme oposição dos trabalhadores, enquanto decorria a Cimeira, na imponente manifestação de mais de 70 000 trabalhadores e que deu um importante contributo para a denúncia dos reais propósitos e objectivos da “Estratégia de Lisboa” e o desenvolvimento posterior da sua luta, com relevo para a luta dos trabalhadores portugueses contra o Código de Trabalho que concretizava em Portugal a orientação traçada na Cimeira Europeia de Lisboa.

A vida tem vindo a dar razão às nossas objecções e críticas e no balanço que hoje aqui fizemos mais uma vez se confirma. Cinco anos depois, está bem patente quanto verdadeira era a nossa afirmação e denúncia quanto à insanável contradição entre os reais propósitos de liberalização dos mercados públicos, de privatização das funções sociais do Estado e flexibilização do mercado de trabalho que estavam no bojo da nova estratégia europeia de Lisboa e os proclamados objectivos da criação de mais emprego com qualidade e de combate à pobreza.

Cinco anos de ofensiva neoliberal que se traduziram, na Europa e de forma ainda mais agravada em Portugal com as políticas seguidas pelo PS e nos últimos três anos pelo PSD/CDS-PP, na manutenção de um fraco crescimento económico, no aumento do desemprego e numa escandalosa e obscena concentração da riqueza.

Cinco anos de ofensiva liberalizadora e privatizadora dos serviços públicos sem quaisquer vantagens em termos de preços, qualidade do serviço e de redução da despesa pública.

À revelia dos objectivos anunciados, o que efectivamente se concretiza, como era previsível, são as exigências do grande patronato: a liberalização de sectores básicos, a privatização de funções sociais do Estado e o aprofundamento da flexibilização do mercado de trabalho com a liquidação dos direitos dos trabalhadores.

Em Portugal o desemprego não tem parado de crescer atingindo agora os escandalosos níveis de há cerca de 15 anos atrás e esta semana soubemos que a economia portuguesa, depois de anos de marasmo e estagnação, retomou a recessão técnica nos últimos três meses de 2004, com o PIB a cair pelo segundo trimestre consecutivo. Cinco anos de agravamento das políticas europeias e nacionais que levaram a uma maior precarização do emprego, à contenção dos salários e ao aumento da pobreza e da exclusão social.

A ofensiva neoliberal que também impulsionou o mais grave ataque aos direitos dos trabalhadores portugueses, nomeadamente o desmantelamento da contratação colectiva e o direito à livre negociação dos seus contratos de trabalho, o direito à livre organização dos trabalhadores, o direito a fazer greve, à estabilidade e à segurança no emprego, a horários de trabalho dignificados e a uma retribuição justa do trabalho.

Direitos postos em causa no novo Código do Trabalho, que só não foi mais longe na sua fúria desmanteladora dos direitos sociais e laborais pela decidida luta desenvolvida pelos trabalhadores. Luta que é necessário agora prosseguir, nas novas condições resultantes das eleições de 20 de Fevereiro e da estrondosa derrota da direita, exigindo a imediata revogação do Código e a consequente reposição dos direitos retirados ou amputados.

Este é o resultado das políticas neoliberais, caucionadas e enquadradas pelas políticas económicas e financeiras restritivas do Pacto de Estabilidade e Crescimento, do “Banco Central Europeu” e dos seus dogmas e das orientações e medidas previstas na Estratégia de Lisboa e que a proposta de “Tratado Constitucional” em fase de ratificação pelos Estados-membros quer consagrar em definitivo.

Mas enquanto se mantém o fraco crescimento da economia, o desemprego cresce e o poder de compra dos trabalhadores estagna, vemos as multinacionais, as grandes empresas nacionais e europeias e o capital financeiro a arrecadar fabulosos e exponenciais lucros batendo históricos recordes em 2004.

Os dados divulgados no recente estudo do banco suíço UBS em relação aos lucros das grandes empresas dos países mais ricos são uma ofensa, face às crescentes dificuldades do mundo do trabalho e ao crescimento da pobreza. Não admira pois que na edição mais recente da revista Forbes, o número de multimilionários com mais de mil milhões de dólares tenha aumentado apenas em 2004 de 587 para 691. E como revela outro estudo (Standard and Poor’s) que acompanha a evolução de 350 importantes empresas europeias, estas tenham obtido no ano de 2004 face a 2003 lucros operacionais médios na ordem dos 78%. Isto no momento em que as Nações Unidas alertavam para o facto de nunca ter havido tanta fome no mundo, como agora.

Em Portugal são agora também conhecidos os resultados do sector bancário de 2004. Só os cinco maiores bancos, atingiram neste ano, apesar da crise, um lucro de 1,7 mil milhões de euros, isto é mais 16,5% do que em 2003. Prodigiosos lucros que se estendem também às grandes empresas nacionais cotadas na bolsa.

Este retrato da realidade europeia e nacional resulta de uma política que omite e abdica da promoção da coesão económica, social e territorial que urge e exige alteração.

Como alguns camaradas aqui salientaram, ao contrário do que seria necessário para inverter esta desastrosa política, as propostas em discussão sobre a chamada “reforma” do Pacto de Estabilidade e Crescimento e de revisão intercalar da Estratégia de Lisboa no essencial insistem no mesmo caminho.

A proposta da Comissão Europeia de revisão da Estratégia de Lisboa, retomando o estafado pretexto da “competitividade” e das “reformas económicas e estruturais”, e omitindo a agenda social, o que no concreto visa é acelerar e promover novos avanços dos processos de liberalização e desmantelamento dos serviços públicos agora também nos domínios da saúde, audiovisual, educação e água.

Novos passos no desmantelamento do denominado Estado-providência, nomeadamente das pensões. Novos avanços no ataque aos direitos dos trabalhadores no domínio das prestações sociais e da idade da reforma.

Orientações que se complementam com a proposta de reorientação do Pacto de Estabilidade e Crescimento cujas propostas de alteração se mantêm fieis à ortodoxia monetarista, continuando a amarrar e a travar o desenvolvimento económico às “duas âncoras nominais” dos 3% do défice e dos 60% da dívida pública a que se junta o reforço da governação económica a nível europeu impondo mais limites e restrições às opções de política nacionais.

Uma reorientação do Pacto que ficando muito aquém das necessidades de relançamento da economia europeia e do emprego, vem estimular o processo privatizador, subjacente às anunciadas reformas estruturais na área da saúde e da segurança social com a despenalização na avaliação do défice das despesas de reestruturação nestas áreas.

Realizamos esta nossa reunião de trabalho nas vésperas do Conselho Europeu que se realiza na próxima semana, tendo na agenda, a discussão destes dois instrumentos centrais na concretização das políticas neoliberais e monetaristas e em grande parte responsáveis pela grave situação económica e social.

Uma Cimeira que deveria ser a grande oportunidade para encetar uma nova política de promoção do crescimento e do emprego e de dar uma particular atenção à dimensão social do novo desenvolvimento. Uma oportunidade para encetar um novo rumo para a União Europeia e que passa necessariamente pela inversão da estratégia que tem sido seguida.

Um novo rumo que exige uma revisão do Pacto de Estabilidade e Crescimento que assuma como prioridade o crescimento económico e a concretização da “coesão económica e social”; o emprego e as condições e particularidades das economias mais débeis.

Uma revisão que transforme a obrigatoriedade do cumprimento dos critérios nominais do défice e da dívida em indicadores tendenciais, bem como alargue os respectivos prazos de acomodação e flexibilidade para os atingir. Prerrogativas que devem ser ampliadas para os países que apresentam um PIB abaixo da média, como é o caso de Portugal.

Uma revisão que admita e consagre libertar da contagem para o défice as despesas de investimento, nomeadamente em infra-estruturas, bem como as despesas sociais dirigidas ao combate à pobreza e à exclusão sociais.

Uma revisão do Pacto que considere as despesas com educação, formação, ciência e tecnologia o os gastos com a infância como despesas de investimento libertas dos constrangimentos do rígido critério dos 3% do défice.

Um novo rumo, com uma nova orientação estratégica no processo de revisão do processo de Lisboa que ponha fim às liberalizações e às políticas de erosão e liquidação dos direitos sociais e laborais, e reoriente e compatibilize os seus objectivos fundamentais com os propostos para revisão do Pacto de Estabilidade na concretização da criação de crescimento e do emprego.

Uma nova orientação para a Estratégia de Lisboa que assente na valorização do investimento público e privado; numa forte aposta numa sociedade baseada no conhecimento; em políticas sociais de inclusão, aposte na solidariedade no combate à pobreza e nos sistemas públicos e universais de segurança social e contra o aumento da idade da reforma.

Uma política alternativa que inverta o caminho que vem sendo seguido exige adequar as perspectivas financeiras e os orçamentos comunitários e nacionais aos objectivos estratégicos, e promover o seu reforço designadamente visando a promoção da coesão social, territorial e económica.

O governo português tendo em conta a realidade nacional não pode aceitar uma qualquer reorientação de cosmética quer do Pacto de Estabilidade, quer da revisão intercalar da estratégia de Lisboa, mas sim exigir profundas alterações que assegurem a urgente necessidade de promover o crescimento económico e o emprego, a defesa e modernização do aparelho produtivo e o investimento em serviços públicos de qualidade e amplos direitos laborais e sociais.

Profundas alterações que travem e invertam o prolongado e perigoso processo de divergência com a União Europeia que acentua a nosso atraso em termos de desenvolvimento.

Uma política alternativa que se afirme com preocupações sociais e de inclusão e promova o emprego com direitos exige a imediata retirada das inaceitáveis propostas de directivas sobre organização e tempo de trabalho e da criação do mercado interno dos serviços, aposte numa política de promoção da igualdade e de combate às discriminação da mulher, dos imigrantes e das pessoas com deficiência.

Em 2000 foram muitos os que acharam excessiva a crítica que então fizemos às conclusões, objectivos e prioridades da estratégia de Lisboa. A vida e a realidade demonstraram que tais críticas e preocupações eram fundadas. Retiremos do balanço as devidas lições e ensinamentos, lutando por outro rumo da União Europeia. Por isso, fá-lo-emos a partir da nossa situação e nosso país concreto, acompanhando todos os que na Europa lutam por esse outro rumo.

Jerónimo de Sousa

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