Prisões em Portugal

António Cavaleiro está preso no EP de S. Pedro do Sul e, como todos os outros, muito incomodado por não haver sanitários nas celas, por não haver janelas ou vidros mas apenas grades a separar as celas do ar livre, por apenas existirem dois chuveiros de água fria para as muitas dezenas de presos. Sabendo como a atenção mediática, quando se fala de prisões, se concentra nos grandes estabelecimentos – e não naqueles onde a sobrelotação é mais penosa, como é o caso – decidiu escrever uma carta a contar as suas condições de vida e pedir a uma visita que a divulgasse no exterior.

Algum funcionário, apercebendo-se da situação, quis inspeccionar a carta – ao que a visita acedeu, por não conhecer os seus direitos ou por se sentir intimidada, ou ambas as coisas – e confiscou-a. Será que pode fazê-lo? Com que base legal? Pode a visita recusar-se a entregar uma carta na sua posse na altura da saída? Se o pode fazer, como pode evitar as represálias futuras contra a pessoa que vem visitar e contra si própria, na hora da entrada?

Vem a propósito mencionar que a entrada das visitas é muito demorada por causa das vistorias às pessoas que querem entrar. Tal demora é agravada pelo facto de não haver uma fila organizada através de senhas de chegada que assegurem o respeito pelo lugar de cada um. O que já tem gerado situações de violência.

O mais relevante da história é o que segue: o director itinerante, que visita a cadeia semanalmente, reuniu todos os reclusos e perguntou-lhes qual o significado da carta que fora encontrada. Ao que António Cavaleiro assumiu a sua autoria e explicou querer fazer saber no exterior as miseráveis e indignas condições de vida naquela prisão. Não se queixava, então, do facto de – à espera de alguma visita importante para breve, se terem pintado de novo a entrada e a sala de visitas, mas as paredes das celas continuarem com bolor e as correntes de ar continuarem a massacrar os corpos que habitam as camaratas apinhadas.

O director explicou – com que autoridade? – que é proibido escrever e fazer circular cartas para o exterior, em tempo bem próximo do Supremo Tribunal de Justiça ter decidido ser ilegal o que a ministra da Justiça Celeste Cardona fez com um outro recluso, proibindo-o de prestar declarações directamente à comunicação social. Nas cadeias, este director pelo menos, continua a permitir-se fazer a sua lei particular a respeito da circulação de informação, seguindo uma perversa tradição que a ministra utilizou, certamente por estar mal informada sobre o que a Lei prescreve.

Para vincar o seu ponto de vista mandou António Cavaleiro para castigo por tempo indeterminado (outra novidade ilegal que também se tornou comum nas prisões portuguesas de há uns meses a esta parte, com beneplácito tácito do ministério da Justiça (?), em que nem as denúncias da Provedoria de Justiça e da Amnistia Internacional tiveram influência).

Conscientes da tremenda injustiça perpetrada pelo Director, todos os reclusos fizeram levantamento de rancho na última quinta-feira ao jantar e na sexta feira ao almoço. Assim manifestaram o seu descontentamento. Sem nenhum sucesso. Procuraram encontrar outras formas de passar a informação para o exterior, mas os telefones estão controlados e não têm meios para canalizar as denúncias que têm para fazer, nem as queixas que querem apresentar, a não ser que as dirijam ao Director … que faz a sua própria lei. Esta é que é a realidade nua e crua: quem diz que todos os presos têm direito a proceder administrativa ou criminalmente contra quem ofenda os seus direitos, ou desconhece as realidades comezinhas e triviais da vida prisional ou pretende fazer-se passar por inocente, no meio de uma guerra de controlo pela informação que sai das prisões, que já custou aos contribuintes o dinheiro de várias centrais telefónicas que vem sendo instaladas nas prisões com o objectivo de impedir que informação como esta que aqui vinculamos possa chegar ao grande público.

No caso vertente, por exemplo, apesar da grande mobilização de todos os detidos em solidariedade, a informação só hoje nos chegou aos ouvidos e só a partir daqui vai ser possível divulgá-la pela comunicação social e pelas autoridades que se possam interessar pelo assunto.

Pedimos às autoridades competentes para que seja reposta a legalidade nesta situação e que as responsabilidades pelos atropelos à lei, aos direitos dos reclusos e à dignidade humana sejam politicamente assumidas. Essa é a maneira de sair do impasse político que o sistema prisional encerra e a forma democrática de reformar a injustiça que se instalou, faz muitos anos, nas prisões portuguesas, sem fim à vista.

A Direcção

ACED

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