Transgénicos: BE propõe suspensão das autorizações de cultivo

PROJECTO DE LEI nº…/X

Suspende a vigência do Decreto-lei n.º 72/2003, de 10 de Abril, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 164/2004, de 3 de Julho, assegurando o pleno cumprimento do princípio da precaução em matérias ambientais.

Em 19 de Março de 2004 a Comissão Europeia autorizou, apesar de o enquadramento legal comunitário sobre a matéria ainda não se encontrar concluído, a comercialização de um produto geneticamente modificado, o milho Bt 11, para fins de importação e processamento. Pouco tempo depois, autorizou a plantação generalizada dos primeiros organismos geneticamente modificados (OGM) em todo o solo europeu através da inscrição, a 8 de Setembro de 2004, de 17 espécies de milho transgénico no Catálogo Comum de Variedades e Espécies Agrícolas. O governo português de então poderia ter bloqueado a decisão com base nos argumentos legais disponíveis, optando, no entanto, por não o fazer.

A gravidade da situação que se avizinha advém, desde logo, das evidentes dificuldades que se colocam ao Estado Português, em regular a coexistência entre culturas geneticamente modificadas e as produções convencionais e biológicas, garantindo que as últimas não sejam inviabilizadas pelas primeiras.

Apesar de o Decreto-Lei n.º 72/2003, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 164/2004, transpor para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2001/18/CE, o anterior Governo nada regulamentou nem em matéria de “cláusulas de salvaguarda”, nem de rastreio e monitorização, nem de rotulagem, o que significa que nos encontramos perante um vazio normativo que abre caminho a todo o tipo de legítimas preocupações perante a possibilidade de contaminação indevida.

Na ausência de um quadro de referência regulamentador, a generalização do comércio e cultivo de espécies geneticamente modificadas, constitui um risco acrescido, uma vez que se torna impossível às autoridades competentes monitorizar e controlar eventuais cruzamentos entre OGM’s e culturas tradicionais, bem como cumprir com registo e notificação dos organismos libertados.

Na engenharia genética, como em todas as novas tecnologias, a indústria interessada na sua comercialização devia ser obrigada a provar a priori a inocuidade dos seus produtos. Contudo, com o actual e desactualizado, sistema de análise de risco em vigor, o que acontece é que é necessário provar o impacto negativo de um OGM antes que este possa ser retirado do mercado.

Por sua vez, o Estado deve cumprir com a função, constitucionalmente prevista, de assegurar a protecção preventiva necessária face aos riscos inerentes à libertação de produtos que contenham ou sejam constituídos por Organismos Geneticamente Modificados, dada a manifesta novidade e incerteza que tais substância representam.

No que concerne à coexistência de culturas, está ainda por demonstrar a viabilidade económica e prática de uma agricultura não contaminada (biológica e convencional) a partir do momento em que seja implementado o cultivo de variedades geneticamente modificadas.

O que os estudos demonstram é que Portugal apresenta uma estrutura fundiária particularmente pulverizada, característica que torna, desde logo, a agricultura particularmente vulnerável à contaminação pelo cultivo de plantas geneticamente modificadas.

Segundo dados oficiais do Instituto Nacional de Estatística, de todas as explorações agrícolas em Portugal continental, 19% dessas têm uma superfície inferior a um hectare e 56% estão compreendidas entre 1 e 5 hectares. Além disso, segundo o Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola, INGA, as explorações agrícolas encontram-se extremamente pulverizadas: em 2004, as 245 mil explorações subsidiadas correspondiam a 3 milhões de parcelas individuais. Com esta realidade presente, a contaminação por polinização cruzada entre campos de cultura próximos é uma inevitabilidade biológica.

A protecção de uma agricultura mais sustentável implica que qualquer introdução de culturas geneticamente modificadas seja enquadrada por uma aplicação rigorosa do princípio do poluidor pagador, isto é, todos os custos associados à introdução, monitorização, indemnizações e segregação destas culturas têm de ser suportados pelas entidades interessadas na sua utilização.

Além disso, de forma a proteger os direitos dos agricultores e dos consumidores à livre escolha, antes que haja qualquer cultivo de OGM em solo português, tem de ser previamente definida, em legislação aprovada para o efeito, que, à imagem do que já acontece para quase todos os outros aspectos da cultura e manipulação de OGM, garanta uma série de requisitos mínimos:

a) Que assegure que, apesar da coexistência de culturas, exista uma ausência de contaminação entre culturas;

b) Que garanta uma fiscalização apertada de toda a cadeia de produção com OGM, em particular das zonas de cultivo;

c) Que preveja a rastreabilidade e rotulagem dos géneros alimentícios e alimentos para animais produzidos a partir de organismos geneticamente modificados;

d) Que proceda a um inventário onde se identifiquem as medidas necessárias à prevenção efectiva da contaminação, assim como o seu custo para agricultores e demais intervenientes;

e) Que preveja o risco da contaminação transfronteiriça;

f) Que obrigue à celebração de um seguro de responsabilidade objectiva ou pelo risco por quem pretender comercializar e cultivar OGM;

h) Que reconheça explicitamente o direito de produtores e consumidores a não sofrer contaminação indesejada;

i) Que defina um sistema de indemnizações aos agricultores prejudicados que seja rápido, eficaz e justo para quem não emprega OGM, alargando a aplicabilidade deste sistema a todos os que vendem, utilizem ou manipulem esses produtos;

j) Que permita a definição de adendas nacionais e regionais mais exigentes ou pormenorizadas de acordo com as condições climáticas, riscos de polinização cruzada, estruturas fundiárias e objectivos políticos ou económicos específicos, incluindo a criação de zonas livres de transgénicos;

l) Que proíba o cultivo de OGM em Áreas Protegidas, zonas da Rede Natura 2000, regiões de cultivo de variedades tradicionais e todas as regiões onde a fraca incidência das pragas a controlar o justifique;

m) Que suspenda quaisquer autorizações de cultivo de OGM que não tenham ainda sido registados junto da Directiva 2001/18/CE;

n) Que fomente alternativas sustentáveis à utilização de OGM. Em Portugal vigorou, até à transposição da Directiva 2001/18/CE, a Lei 12/2002, de 16 de Fevereiro, sobre OGM. Este diploma consagrava a suspensão da ‘libertação deliberada no ambiente de produtos geneticamente modificados’. O que esta lei propugnava e aplicava era o chamado princípio da precaução para impedir a circulação de novos OGM enquanto o edifício legislativo nacional não estivesse plenamente funcional. Ora, em 2005 coloca-se uma situação em tudo semelhante à que motivou tal diploma: Portugal, em particular o Governo que o representa, não pode desleixar-se ao ponto de permitir o cultivo de OGM sem regras que disciplinem esse cultivo de forma a não penalizar a já depauperada agricultura nacional.

O que ora o Bloco de Esquerda defende já foi efectuado em outros países europeus (Itália, Hungria, Polónia e Áustria). Portugal deve suspender quaisquer autorizações de cultivo de OGM, sem que antes seja criada uma estrutura legal e institucional necessária para garantir todas as regras de segurança e especificidades técnicas que o cultivo de OGM obriga. Foram estas as razões, agora de novo invocadas, que levaram a que o Governo decretasse a suspensão de tais cultivos em 1999, motivos que, ressaltam à saciedade, mantêm-se inalterados. Nestes termos, no âmbito das disposições regimentais e constitucionais aplicáveis, dentro de uma perspectiva preventiva, com o intuito de garantir uma agricultura biologicamente sustentável e segura para o consumidor final, os Deputados do Bloco de Esquerda apresentam o seguinte Projecto de Lei:

Artigo 1º Objecto

O presente diploma assegura o pleno cumprimento, em matérias ambientais, do princípio da precaução, suspendendo a libertação deliberada no ambiente, bem como a colocação no mercado, de produtos geneticamente modificados.

Artigo 2º Definições

Para efeitos da aplicação do presente diploma, entende-se por:

a) «Organismo»: qualquer entidade biológica dotada de capacidade de se reproduzir ou de transferir material genético; b) «Organismo geneticamente modificado - OGM»: qualquer organismo cujo material genético foi modificado de uma forma que não ocorre naturalmente por meio de cruzamentos e ou de recombinação natural; c) «Libertação deliberada»: qualquer introdução intencional no ambiente de um OGM ou de uma combinação de OGM sem que se recorra a medidas específicas de confinamento com o objectivo de limitar o seu contacto com a população em geral e com o ambiente e de proporcionar a ambos um elevado nível de segurança; d) «Colocação no mercado»: a colocação à disposição de terceiros, quer a título oneroso quer gratuito.

Artigo 3º Suspensão

O disposto no Decreto-Lei n.º 72/2003, de 10 de Abril, com as alterações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 164/2004, de 3 de Julho, não produz qualquer efeito, ficando tais disposições suspensas até ao momento previsto no artigo 5º da presente Lei.

Artigo 4º Repristinação

O disposto nos artigos 1º a 5º da Lei n.º 12/2002, de 16 de Fevereiro, com as necessárias adaptações, entra em vigor no mesmo momento da entrada em vigor da presente Lei.

Artigo 5º Duração

A suspensão prevista na presente Lei mantém-se até que entre em vigor legislação que garanta o cumprimento taxativo dos seguintes requisitos e que aos mesmos faça expressa referência:

a) Ausência ou risco reduzido de contaminação entre culturas, prevendo o risco de contaminação transfronteiriça; b) Fiscalização sistemática e periódica de toda a cadeia de produção de OGM; c) Reconhecimento de «zonas livres de transgénicos» a pedido dos proprietários ou utilizadores dos terrenos agrícolas; d) Criação de um sistema de indemnizações por parte do Estado que garanta o rápido ressarcimento dos agricultores ou de outros prejudicados, directa ou indirectamente, pelo cultivo de produtos geneticamente modificados ou pela sua introdução no mercado, designadamente pela consagração da obrigatoriedade de um seguro de responsabilidade objectiva; e) Proibição de todo o tipo de cultivo de produtos geneticamente modificados em áreas protegidas e em zonas integradas na Rede Natura 2000; f) Definição de um mapa agrícola onde se registem as áreas onde exista uma forte incidências de pragas danosas para os tipos de cultura ali praticados; g) Dependência de autorização, pessoal e intransmissível, por parte do Ministério da Ambiente a quem queira cultivar produtos geneticamente modificados, tendo como base critérios objectivos, designadamente, a localização da propriedade em zona de forte incidência de pragas previamente declarada; h) Enunciação de regras precisas e obrigatórias para a produção, armazenamento e comercialização de produtos geneticamente modificados, garantindo, nomeadamente, que todos os produtos colocados no mercado, que contenham ou sejam constituídos por OGM, incluindo produtos a granel, sejam adequadamente identificados; i) Promoção de uma vasta campanha de informação junto do universo atingido com a introdução de OGM no ambiente.

Artigo 6º Recolha preventiva

1- O Estado, através da Direcção-Geral das actividades económicas, no prazo de 90 dias, procede à recolha ou à selagem de todos os produtos geneticamente modificados já existentes no mercado português. 2- O possuidor de produtos geneticamente modificados, até à entrada em vigor do diploma legal referido no artigo anterior, é considerado como fiel depositário dos mesmos. 3- Em caso de deterioração de produtos geneticamente modificados, com prejuízo para o possuidor, este tem direito a uma justa indemnização por parte do Estado.

Artigo 7º Entrada em vigor

O disposto no presente diploma entra em vigor no dia da sua publicação.

Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda Palácio de S. Bento, 19 de Abril de 2005

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