Resolução da Mesa Nacional do BE

1. As eleições de 20 de Fevereiro à Assembleia da República ditaram uma maioria absoluta do PS e um governo monocolor. O posicionamento centrista do PS recolheu o resultado dos apelos à estabilidade. Por isso, convergiram no PS apoios muito destacados de grupos económicos, interessados no modelo privatizador, e largos sectores populares desejosos de manter conquistas sociais. A base eleitoral é heterogénea e contraditória. Sem prejuízo de muitos votantes do PS quererem mudanças face aos governos de direita pode confirmar-se a inexistência de uma ruptura na questão essencial a jogo: o plano liberal para a economia. Daí as eleições ditarem um estado de expectativa mas sem ondas. O PS ocupa, agora só, todo o centro. Não admira, por isso, que as mesmas sondagens que prenunciaram a maioria absoluta do PS indicassem uma eventual vitória de Cavaco Silva nas presidenciais.

2. A derrota das direitas atingiu níveis de desastre. Três anos da política mais violenta contra os direitos do trabalho e do emprego, da brutalidade do crescimento da pobreza, e do recuo para valores retrógrados, somados ao absoluto erro da nomeação do executivo liderado por Santana Lopes, redundaram na mais baixa votação de sempre das direitas. O julgamento popular fez ruir o governo, a coligação, e as lideranças dos respectivos partidos. Foi o dominó da catástrofe. A direita ultra-conservadora ficou sem horizonte de governo. O PSD procura em pânico um reposicionamento mais centrista. O perfume dos seus próximos congressos exala do pântano.

Trata-se de um momento perfeito para levar a novos patamares o afundamento de PSD e CDS. A desgraça eleitoral da direita não pode ser atribuída apenas à incompetência santanista e ao desconchavo do seu governo. Derrotados nas urnas, para além de Santana, foram Barroso, Manuela Ferreira Leite, Bagão Félix e Paulo Portas.

Derrotadas nas urnas foram as políticas de austeridade, de precarização do trabalho e dos serviços públicos, de criminalização do aborto, da guerra. Derrotada nas urnas foi a política de indiferença com o desemprego. As eleições europeias já tinham vaticinado a sorte da coligação PSD/CDS: Barroso fugiu do governo e fugiu das eleições legislativas.

A greve geral, as manifestações, os protestos variados, a grande manifestação contra a guerra de Bush, foram importantes para este desfecho.

3. O ligeiro reforço do PCP/CDU, se bem que em valores inferiores às eleições de 1999, indicam a estabilização eleitoral desta área política. Desta vez, de forma assumida, o PCP fez a oferta pública e condicional de governar com o PS e tomou um perfil sectário face ao BE. De modo confuso, o PCP quer abrir espaço político entre o PS e o Bloco e chegou ao ponto inédito de desqualificar os eleitores e eleitoras do Bloco. O sectarismo só impele a fragmentação das esquerdas na oposição. Sentimento oposto têm os eleitores da CDU.

4. O aumento extraordinário da votação no Bloco de Esquerda de 2,7% para 6,4%, mais 215 mil votos, traduz a simpatia pela oposição combativa à direita, pela marca de uma esquerda plural e aberta, pela adesão à ideia de que podemos influenciar políticas de viragem. Premiou também a acção do Grupo Parlamentar. O voto no Bloco é um voto exigente num partido que já não está à experiência.

O crescimento eleitoral do BE demonstra um voto mais uniforme no país e um voto largamente popular, socialmente mais representativo. A responsabilidade política representativa do Bloco é realmente muito superior ao aumento de 3 para 8 deputados. O saldo de confiança é elevado: presença, rigor e alternativas de oposição. Os resultados mostram que eram acertados os objectivos de derrota da direita, duplicação de votos e deputados. O apelo à confiança teve um extenso crédito. E esse é um facto novo nas esquerdas em muitos anos. Viemos em seis anos da esperança do novo à confiança de uma alternativa. Há que insistir sempre que os votos não são dos partidos mas das pessoas: essa é a cultura democrática que é recompensada.

5. A convocação das eleições antecipadas para a Assembleia da República revelou-se crucial para as escolhas democráticas e a clarificação da política. É oportuno salientar que se trata de uma decisão própria, ilimitada e irrenunciável do órgão de soberania Presidente da República.

6. A composição do governo confirmou as piores expectativas. Em particular do continuísmo das políticas liberais e de submissão ao Pacto de Estabilidade e Crescimento. Os tecnocratas guindados às principais pastas prometem retracção do investimento público e aumento de impostos indirectos. As políticas sociais estão congeladas. Em variados domínios as decisões do governo serão uma incógnita dado o vazio de compromisso anterior. Apenas a fiscalização e acompanhamento da actividade do executivo permitirá caracterizar muitas das suas orientações. As promessas de diálogo social e de diálogo parlamentar estão a teste, mas a maioria absoluta de um só partido não augura índices substanciais de concessões.

Pela importância democrática, de respeito por direitos, pelo simbolismo que extrai da nossa sociedade, a questão da despenalização do aborto é pedra de toque. As hesitações da nova maioria e a propensão para o adiamento representam um fôlego para a direita, um inadmissível castigo para as mulheres. Tempo perdido e mais tempo perdido. Tempo perdido também sem responder ao desemprego e à qualificação dos serviços públicos. Tudo indica que o tempo de graça deste governo será o percurso do tempo perdido para as urgências sociais.

7. Fiel aos compromissos eleitorais, o Bloco de Esquerda levantará na Assembleia da República as propostas que enunciou como prioridades na sua campanha. Desde logo as propostas de revogação do Código de Trabalho, apresentando nova legislação, sem prejuízo da nomeação de uma comissão para a sistematização das leis de trabalho e consequente revogação final do Código Bagão.

Igualmente, e de imediato, apresentamos à AR um projecto de lei de despenalização do aborto e um projecto de resolução tendente à realização de um referendo sobre a matéria antes do verão. Também desde já apresentamos uma iniciativa para reconstruir o rendimento mínimo garantido como um dos instrumentos de combate à pobreza e exclusão social.

Em consequência, a oposição comprometida a que nos vinculamos no parlamento e fora dele só pode ser uma oposição socialista e popular. Para o regresso à política, para que a política invada a discussão dos quotidianos. Essa é a territorialidade do Bloco e o modo da sua identificação progressiva.

8. O Bloco de Esquerda solicitará uma revisão extraordinária da Constituição da República para tornar possível o referendo sobre a Constituição Europeia. É necessário garantir que as e os eleitores possam votar o tratado como tal, reduzindo o espaço da manipulação dos e das cidadãs. Esta revisão pontual deveria ocorrer a curto prazo para clarificar o quadro das consultas democráticas ao povo português.

9. O novo quadro político estimula e propicia um impulso de participação social. Da luta dos movimentos sindicais e associativos. De todas as redes de intervenção social. Todo o potencial de queixa, particularmente o do desemprego e da pobreza, que estava abafado pelo poder das direitas tem agora a oportunidade e a emergência de vir ao de cima. Apenas a luta social tem o nosso compromisso exclusivo, apenas a luta social poderá conquistar vitórias face a um governo de maioria absoluta.

Um governo PS não é um tranquilizante da luta social. Pelo contrário, o combate a esse governo é o espaço democrático do conflito. Especialmente, na conjuntura que se avizinha, a defesa e ampliação do Estado social – na segurança social, na saúde, na educação – configuram a expressão dos antagonismos mais prementes com a retórica de Sócrates.

10. A próxima Convenção do Bloco de Esquerda, a 7 e 8 de Maio, é um momento importante de participação, debate político e impulso às candidaturas autárquicas do Bloco. Aliás, desde já, a elaboração de programas locais facilita esse objectivo. Um salto na representação autárquica será seguramente factor de mais cidadania, de intransigente luta contra a corrupção e pela qualidade de vida.

A Convenção decidirá a intervenção nas eleições presidenciais. A tarefa das tarefas é hoje a mobilização de todas e todos no processo da Convenção.

11. A Mesa Nacional do Bloco de Esquerda saúda os e as candidatas e aderentes, apoiantes, e especialmente as pessoas que concorreram como independentes nas listas do BE às eleições para a AR. A sua prestação dignificou o projecto e a imagem de futuro que nos juntou numa Esquerda de Confiança. Todos e todas, cada um e cada uma, somos nomes como as 364 mil pessoas sem as quais não haverá mudanças em Portugal. Todos e todas, cada um e cada uma, ajudaremos a abreviar o tempo do neo-liberalismo na Europa de que somos parte.

Lisboa, 13 de Março de 2005

A Mesa Nacional do Bloco de Esquerda

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