Imigração em Portugal: Paraíso ou Purgatório?

O artigo no jornal Público no Domingo passado acerca dos cerca de 100,000 brasileiros que vivem em Portugal enche as primeiras quatro páginas, trazendo como lead a frase “Cumplicidade linguística esconde casos de discriminação, miséria e exploração”. A investigação continua na página 2 com o título, em letras grandes, “A triste novela dos brasileiros que não sambam”. PRAVDA.Ru decidiu fazer sua própria investigação durante esta semana para ver se a situação é bem assim.

Falámos com 667 imigrantes (ucranianos, cabo-verdianos, angolanos, moldavos, brasileiros e guineenses), em dez cidades de Portugal: Lisboa, Porto, Coimbra, Faro, Amadora, Aveiro, Santarém, Setúbal, Alcácer do Sal e Beja, entre Terça- e Quinta-feira desta semana, utilizando cinco jornalistas associados à PRAVDA.Ru em Portugal mais cinco contratados.

Embora tenhamos verificado situações de exploração, a grande maioria dos imigrantes, embora vivendo muitas vezes em condições muito piores àquelas a que estavam habituados nos seus países de origem (excepto alguns casos entre a comunidade angolana, cabo-verdiana e guineense), diz-se estar a economizar e enviar dinheiro para o país de origem para melhorar a sua vida.

No entanto, verificámos também que quem quer viver em apartamento próprio, em condições semelhantes às que estava habituado, não economiza quase nada, como a maioria dos portugueses.

Os piores casos eram aqueles em que o imigrante estava ilegal, alguns dos quais perderam seus empregos sem remuneração e alguns destes ficaram sem casa, vivendo de caridade na rua. É aí o drama do imigrante sem legalização e nossos contactos nos fizeram mais convictos ainda da mensagem que PRAVDA.Ru tem estado a passar já há vários meses, que não vale a pena vir para Europa ilegal, pois os riscos são grandes demais.

Doravante, os imigrantes que querem vir trabalhar em Portugal terão de se apresentar no consulado de Portugal mais perto da sua residência e se inscrever. Todo o processo será depois encaminhado por esta entidade. Mesmo em caso do imigrante possuir uma carta de chamada, esta tem de ser registada com as autoridades em Portugal, na Inspecção-Geral do Trabalho. As condições nos restantes países da EU são semelhantes.

Poucos dos imigrantes convivem com cidadãos de Portugal, ficando nas suas comunidades onde encontram mais amizade e compreensão e a grande maioria tem uma opinião muito negativa dos portugueses, pois reclamam que estes não gostam de estrangeiros e que são racistas.

Apresentamos cinco casos que achamos “casos-tipo”, todos caindo mais ou menos dentro destas categorias.

Luís, Brasileiro. Engenheiro civil. Nasceu em Belo Horizonte, MG. Veio a Portugal com sua esposa e dois filhos. Trabalha numa firma de renome e ganha 2,000 Euros por mês. Pretende voltar ao Brasil quando os filhos (12 e 16 anos) terminarem os estudos. Há pouquíssimos imigrantes nesta categoria.

João, Cabo-verdiano. Carpinteiro. Nasceu em Santo Antão, veio a Portugal com 23 anos e está legalizado há mais do que 20. Trabalha 12 horas por dia, 7 dias por semana, ganha 600 Euros na firma e mais 600 em “biscates”. Sua esposa, Leonor, também de Santo Antão, é doméstica e trabalha como mulher-a-dias aos finais de semana. Trabalha 12 horas por dia, 6 dias por semana e ganha 750 Euros. Pagam 400 Euros por mês de renda e dizem que vivem bem e que não têm intenções de regressar a Cabo Verde. Nesta categoria há muitas pessoas dos países africanos de expressão portuguesa.

Edson, Brasileiro. Garçom. Minas Gerais. A grande maioria dos brasileiros se encontra nesta categoria. Edson tem 25 anos e conta sua história, que é igual a aquela contada por 85% dos brasileiros contactados por PRAVDA.Ru:

“Cheguei aqui porque a gente disse que isso dava grana. Dá é uma história ou duas, mas grana…depende. Conhecer gente, conhecer outro país, outro continente, foi legal, para isso dá. Dá também para saltar para a Inglaterra, onde vou a seguir. Muitos amigos estão na Itália, outros na Alemanha, aí se ganha sim. Aqui, se trabalha e se tentar viver mesmo, não manda nada para lá…mas se viver assim mal, com espírito de emigrante mesmo, aí dá para mandar para o Brasil uns 300 Euros por mês, sempre”.

Edson ganha 500 Euros por mês. Vive num pequeno apartamento com outros 10 brasileiros/brasileiras, pagam 990 Euros por mês, entre todos. Edson gasta mais cem Euros com as suas despesas e diz que nunca sai nem nunca se diverte, mas tem enviado 300 Euros para sua conta no Brasil todos os meses há 8 meses.

Como muitos brasileiros, Portugal para Edson é a primeira paragem numa longa viagem pela Europa, pois em Portugal os salários são os mais baixos da União Europeia e os preços não variam muito dos outros países. Quanto aos portugueses, acha que “São capazes de cuspir para um bocado de pão para não dar a quem precisa. Devem lembrar dos 350,000 portugueses no Brasil. A cada acção aqui, haverá uma reacção aí.”

Neste estudo, PRAVDA.Ru contactou os correspondentes na Alemanha, França, Inglaterra, Irlanda, Dinamarca, Suiça, Suécia, Espanha, Itália, Países Baixos e Bélgica, para pesquisar a relação salário/bens básicos e verificámos que após a introdução do Euro, Portugal é o pior país para viver em termos de nível de vida.

Os preços nos supermercados em Portugal já ficam acima da maioria dos países contactados, só ficando mais barato os transportes, cigarros e bebidas alcoólicas. De resto, para quem quiser viajar até Inglaterra, por exemplo, e comprar as mercadorias para o ano inteiro, ficaria mais barato e até pagaria a passagem, tanto seria a poupança no supermercado.

Oleksandr, Ucraniano. Assistente nas obras. Trabalha 14 horas por dia, 9 na obra e 5 fora, sete dias por semana. Na obra, ganha 400 Euros por mês. Fora, nos biscates, mais 400. Envia para casa 600 Euros por mês. Vive num container com outros cinco ucranianos, gasta 100 Euros em comida e outros 100 em “gozar a vida”, nomeadamente cigarros, cerveja e vodka. Quer passar mais cinco anos em Portugal, pois já tem sua fazenda na Ucrânia mas quer comprar terrenos ao lado e quer pagar os estudos dos filhos.

Diz-se satisfeito com sua escolha e afirma que hoje em dia, quem ficar apanhado nas redes da máfia, é porque é estúpido. Não se mistura com os portugueses, embora acha-os simpáticos.

Marília, Brasileira. Empregada doméstica. Ilegal. Entrou em Portugal a partir de Espanha, porque não há controlo na fronteira. Quem entra em Espanha e diz que vai viver em Portugal, passa o controlo e não é controlado em Portugal. Marília veio com seu filho de 17 anos. Ela ganha muito mal, 200 Euros por mês numa casa particular, tratada em condições de escravatura por uma “madame” portuguesa que se diz da “alta sociedade”. Quando Marília for legalizada, PRAVDA.Ru terá o maior prazer em expor essa “senhora” a quem quiser ler nossas páginas.

O filho não pode estudar porque ela é ilegal e o estado português não reconhece o direito à educação a aqueles que são ilegais. Por isso ele passa o dia no café com más companhias e ela passa o dia na escravidão, preocupada, desesperada.

Ou seja, passava. PRAVDA.Ru enviou a Marília a SOS Imigrante e se resolveu seu caso aí.

Conclusão: se quiser vir a Portugal passar uns anos a viver com privações, com o intuito de poupar dinheiro para comprar casa ou negócio, vale a pena legalizar-se e vir. Se pretender uma vida de luxo, ou até confortável, procure outro país.

Em qualquer caso, há que lembrar aos portugueses quer em Portugal, quer fora, que o português é historicamente um povo emigrante e deve lembrar que se há 100,000 brasileiros em Portugal, há muito mais portugueses no Brasil; se há 200,000 africanos em Portugal, já houve milhões de portugueses em África.

Há profissionais em Portugal que prestam os seus serviços para apoiar o imigrante:

Solidariedade Imigrante, na Rua da Madalena, 8-2º 1100-321 Lisboa Tel. 218 870 713 [email protected] www.solim.org

Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Ètnicas Palácio Foz, Praça dos Restauradores, Apartado 2596 1113 – 001 Lisboa Tel. 213 219 500 www.acime.gov.pt www.oi.acime.gov.pt

Linha SOS Imigrante 808 257 257

Centro de Informação Portas de Benfica Castelo Sul 1500-496 Lisboa 214 767 840 [email protected] http://www.oim.pt

Conselho Português para os Refugiados Av. Vergílio Ferreira, Lote 764 Loja D e E 1900 Lisboa Te. 218 314 372 www.cpr.pt

Se conhecerem qualquer caso de abuso de direitos, é favor contactar a linha SOS Imigrante e a Pravda.Ru no endereço [email protected], com o assunto IMIGRAÇÃO.

Timothy BANCROFT-HINCHEY PRAVDA.Ru

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