DECLARAÇÃO POLÍTICA NO PARLAMENTO DE JOÃO TEIXEIRA LOPES SOBRE A GUERRA E MOÇÃO DE CENSURA

Conversas vagas entre guardas-republicanos, acusações sem nenhuma base material, mistura de factos passados com factos presentes, fotografias inconclusivas e acusações desmentidas pelos serviços secretos americanos e britânicos ainda antes de serem feitas. Para acusar um país de intenções belicistas em larga escala, convenhamos que é muito pouco. Para quem procurava um arsenal de armas de destruição massiva, deve ser frustrante não encontrar nem um exemplar, nada que dê o mínimo dos mínimos de credibilidade às acusações feitas. De resto, Colin Powell não sabia nada. O que tinham a dizer ao Mundo era nada. Mas Colin Powell merece ser elogiado. Conseguiu mostrar as poderosas provas dos Estados Unidos sem nunca se rir. Merece aplauso. Uma coisa é certa, na história da manipulação de informação, nunca se viu trabalho tão desajeitado. Os Estados Unidos estão, definitivamente, a perder qualidades. Portugal não pode ter nada a ver com esta encenação. Até porque a encenação foi de tal forma desastrosa que não deu espaço de manobra a nenhum dos aliados dos Estados Unidos para recuar um centímetro que fosse nas suas posições. Os Estados Unidos não conseguiram o apoio de ninguém, a não ser do sempre diligente Reino Unido. A posição do governo português está, assim, ao lado de uma minoria isolada e extremista. As ditas provas não mereceram sequer comentários dos diplomatas nas Nações Unidas. Aznar, ontem, e Blair, antes de ontem, tiveram dificuldades e explicar o inexplicável nos seus parlamentos nacionais: por quê, afinal, esta guerra? Já discutimos aqui o facto do primeiro-ministro ter assinado um texto de opinião, da autoria de Blair e Aznar, sobre a guerra, oficializando a posição de Portugal sobre o assunto. O método desta autêntica declaração de guerra está errado. Esquece o Presidente da República e o Parlamento. Institui que, hoje, a guerra, por aqui, se decide pelo telefone, entre amigos. Bastou ver o primeiro-ministro esta semana a levar pancadas amigas do senhor Berlusconi, a rir-se em conjunto de piadas de mau gosto sobre outro dirigentes europeus, para perceber a dimensão do disparate. Mas o método é só a menor parte da asneira. O problema está na substância. A guerra é um erro, e a opinião pública de todo o Mundo tem sido clara em condena-la. O manifesto dava como adquirida a existência de armas de destruição massiva. O mínimo que se pode dizer é que puseram o carro à frente dos bois. Senhoras deputadas e senhores deputados, O senhor primeiro-ministro acusou todos os que estão contra a guerra de serem advogados de Saddam. Nelson Mandela, o Papa, o Parlamento Europeu, Schroeder, Mário Soares, Freitas do Amaral, quarenta prémios Nobel, centenas de escritores, dezenas de Bispos. Se assim fosse, senhoras e senhores deputados, Saddam teria o maior escritório de advogados do Mundo. Mas não é. Saddam é um ditador e um sanguinário. É-o agora como era no tempo em que os Estados Unidos o armavam contra os curdos e os iranianos. Não ficou nem melhor nem pior. Apenas deixou de servir. Saddam era um ditador quando Portugal lhe vendeu urânio e armas para que melhor matasse os seus opositores. Nós, a quem o senhor primeiro-ministro chama de advogados de Saddam, manifestávamo-nos contra ele e pelo povo curdo. Onde estavam então todos os que eram coniventes com a chacina? E onde estão hoje? Onde estão hoje quando o povo curdo é reprimido pelo aliado turco. Onde estão os sentimentos humanitários neste caso? Terão os princípios fronteiras e bandeiras de conveniência? Para nós não. Entre o Rei Fahd, da Arábia Saudita, e Saddam Hussein, do Iraque, não escolhemos. Entre Saddam e Musharraf, do Paquistão, não escolhemos. Entre as ditaduras pró-americanas e as ditaduras anti-americanas, não escolhemos. Condenamos todas elas, sem qualquer dúvida. Possam todos dizer o mesmo. Senhoras deputadas e senhores deputados, Esta guerra é um crime. Ao associar-se a ela, Portugal será cúmplice de um crime. Não podemos assistir parados a este seguidismo sem critério, que contraria a posição largamente maioritária da opinião portuguesa. Os assuntos da guerra e da paz são os mais importantes em qualquer Estado. Não assistiremos, sem reacção, à participação de Portugal nesta guerra injusta. Por isso, no mesmo dia em que o governo português decida participar em acções militares ou de ocupação (e insisto: ou de ocupação) contra o Iraque o Bloco de Esquerda irá apresentar uma moção de censura ao governo. A gravidade da participação de um país numa guerra exige uma reacção da mesma dimensão. A moção de censura é a única figura institucional que pode transmitir a nossa indignação e a nossa oposição frontal a este seguidismo. Traremos para este parlamento a indignação que em todo o país se opõe a esta guerra. Participaremos na rua, como aqui, num larguíssimo movimento de opinião pela paz. E de nada valem todos os argumentos do governo português. Um a um, vão sendo desmentidos pelos factos. O que era seguro ontem, já todos sabemos que não é verdade. Para o primeiro-ministro português, era indesmentível a ligação entre o Iraque e a Al-Qaeda. Foi desmentida pelas próprias agências de informação americanas e britânicas. As provas de existência de armas de destruição massiva eram indiscutíveis. Como se pode ver ontem, elas pura e simplesmente não existem. Sabemos que quando chove em Washington este governo abre o guarda-chuva, mas não seria má ideia arrepiar caminho. O Mundo, o que conta, o que é feito de cidadãos e cidadãs, está contra esta guerra. Os portugueses também. Saiba este governo compreender os sinais. Se não souber, cá estaremos para o combate.

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