Desinformar o povo português

Quem olha para a imprensa nacional em Portugal hoje, dia 5 de Maio de 2004, tem uma péssima noção das questões que interessam a sociedade portuguesa: a saída de Carlos Cruz da prisão e a vitória do FC Porto na Liga dos Campeões.

As cenas fora da prisão em Lisboa na altura da saída de Carlos Cruz, um apresentador de televisão acusado (mas ainda nem julgado) de crimes relacionados com a pedofilia, mostraram o lado mais absurdo da sociedade portuguesa. Os jornalistas quase atropelavam uns aos outros na sua procura de obter uma frase ou palavra do Carlos Cruz, uns batiam nas janelas do carro, outros impediam sua marcha.

A cena repetiu-se mais tarde frente à casa do apresentador em Cascais, deste vez o circo mediático acompanhado pela merda humana do jet-seis portuguesa - que nunca chegará a Jet Set(e). Lá estavam todos, para serem vistos e para aproveitarem da situação, tal como aqueles necro-turistas que faziam excursões para o norte do país para fazerem piqueniques no local onde tinha havido uma catástrofe em Entre-os-Rios, com a queda duma ponte.

Que vergonha! Ninguém se lembrou que num país civilizado, uma pessoa é presumivelmente inocente até ser provado o contrário?

Mas ainda lá estão as equipas de jornalistas e as câmaras, bandos de abutres acampados frente à casa do Carlos Cruz. Falta só instalar um microfone na sanita da casa de banho dele e depois distribuir cassetes grátis como fascículos do jornal. Aumentaria as vendas, melhoraria a circulação e providenciaria mais dinheiro em termos de publicidade.

Mas é notícia? Isso é informar a sociedade portuguesa? Reclamam que nos tempos da ditadura, havia 20% de analfabetas em Portugal. Hoje há 40% de analfabetas funcionais. É isso um motivo de orgulho?

Para quem olhar para os cinco jornais que fazem mais que 80% da circulação dos jornais diários de notícias em Portugal, não é de ficar surpreendido. Carlos Cruz. Carlos Cruz. Carlos Cruz. Carlos Cruz. Carlos Cruz. FC Porto. FC Porto. FC Porto. FC Porto. FC Porto.

Que o Futebol Clube do Porto tem um lugar nas notícias do dia, com certeza, pois chegou de maneira brilhante ao final da Liga dos Campeões, depois de ter vencido a Taça UEFA no ano passado, dois campeonatos seguidos, a Taça de Portugal no ano passado e está no final deste ano, isso para juntar ao considerável número de troféus que é testemunho da excelente gestão do Jorge Nuno Pinto da Costa e do brilhantismo do grupo de trabalho, habilmente dirigido pelo treinador José Mourinho, entre os melhores do mundo neste momento.

Até colocar o FC Porto na mesma página que a história (ou histeria) de Carlos Cruz denigre o feito, não pela imagem do apresentador, mas sim pelo facto de colocar o quê é notícia desportiva com a não-história duma figura pública envolvido no que é até agora pura fofoqueira porque o homem ainda não foi julgado.

Mas será que a milhão de pessoas em risco de morrer em Darfur (onde?), que os centenas de milhares de desempregados em Portugal, vítimas da arguta liderança de José Barroso, Manuela Leite e companhia (extremamente) limitada, o acto de chacina dos Estados Unidos da América no Iraque, os actos de tortura perpetrados pelos soldados norte-americanos contra os prisioneiros… não são notícias mais importantes?

Parece que não. Viva o futebol, viva o Fado, viva a Pedofilia! Ceguem a população aos assuntos reais e mais importantes e como todos sabemos, quando a população está a viver num estado de ignorância feliz sem aperceber-se disso, é muito mais fácil de controlar.

Portugal ainda não está livre, pelos vistos, da coleira fascista a volta do pescoço colectivo do seu povo e os órgãos de (des)informação são parcialmente responsáveis por isso.

Timothy BANCROFT-HINCHEY PRAVDA.Ru

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