Agronegócio: a nova maquiagem para o velho latifúndio

Isto devido a possibilidade de negócios para o álcool combustível cada vez mais necessário em países que precisam cumprir o tratado de redução de CO2 na atmosfera e a introdução de nosso açúcar nos países europeus. Por exemplo o Japão que com a “pequena” mistura de 3% de álcool na gasolina, apenas nas cidades grandes, terá um consumo estimado em 1,8 bilhões de litros ao ano. O argumento usado, além da corriqueira necessidade de superávit na balança comercial, é sem dúvida a geração de empregos: neste caso 500 mil novos empregos para os próximos anos. Em nome das exportações e da geração de empregos cometem-se crimes que ficam propositadamente na surdina, talvez nem mesmo os países importadores se dêem conta da gravidade.

Na região de Ribeirão Preto-S.P., por exemplo, temos o que chamamos de “cenário futurista” do agronegócio brasileiro, por ser onde este setor está mais avançado e enraizado. Para se ter uma idéia a região responde por aproximadamente 26% da produção de álcool do país (mais ou menos 4 bilhões de litros ao ano) e em torno de 4 milhões de toneladas de açúcar, o que representa mais ou menos 20% da produção nacional, tudo isto ligado diretamente à modernização deste setor que conseguiu já o feito de deixar no campo apenas 0,4 % da população(IBGE, 1996).

A terra cada vez mais concentrada tanto no sentido da propriedade como na posse através de arrendamento se presta em sua totalidade, salvo os períodos em que se plantam soja ou amendoim para “recuperação do solo”, para o cultivo da cana de açúcar. Estamos falando dos melhores solos brasileiros, a terra rossa (vermelha) como falaram os italianos que para cá vieram na época do café. Dados do último censo agropecuário apontam que

98 % da área agrícola da região vem sendo cultivada com cana de açúcar. A monocultura seja ela de qualquer espécie de plantas é devastadora da biodiversidade; tende a esgotar a fertilidade do solo a médio e a longo prazo e traz para nossa paisagem a sensação do “deserto verde”. Ainda do ponto de vista ambiental temos o uso da queimada como prática comum para a colheita da cana; nesta época do ano (junho a outubro) aumentam muito os casos de problemas respiratórios pela presença em nosso ar de substâncias tóxicas emitidas pelas queimadas, além da fuligem que “chove” diariamente sobre nossa cidade.

Ribeirão Preto tem o privilégio de ser talvez uma das únicas cidades grandes brasileiras a ser abastecida 100% com água de poços artesianos; estamos num dos pontos de afloramento do aqüífero guarani (o maior depósito subterrâneo de água do planeta, que vem desde a Cordilheira dos Andes, somente para se ter uma idéia da sua dimensão) e é exatamente nestas paragens que ele passa por um processo de recarga. Técnicos da EMBRAPA de Jaguariúna em estudo feito na bacia do Espraiado, área de recarga do aqüífero, encontraram já a presença de metais pesados pelo uso indiscriminado de agrotóxicos na cana de açúcar.

O mito de ser essa a atividade geradora de empregos no interior do país tem atraído muitas pessoas, às vezes até bem intencionadas a considerarem que o agronegócio é o “salvador da pátria”, aquele que exporta e gera empregos. O que verificamos na realidade é a aplicação maciça de alta tecnologia que deixou dois caminhos principais para o trabalho: o primeiro foi de delegar à máquina, o árduo trabalho do corte da cana, que na década de oitenta atraiu milhares de famílias do nordeste brasileiro para a chamada Califórnia brasileira, onde, segundo a propaganda feita na época, o bóia fria ganhava tanto dinheiro que tinha até que pagar imposto de renda, pasmem! Época que também foi marcada por grandes lutas do sindicalismo rural pela melhoria salarial e das condições de trabalho. Para o empresário, resta agora adquirir com empréstimos suntuosos do BNDES (conhecido como MODERFROTA) o maquinário necessário para a colheita, eliminando a cada máquina 200 trabalhadores; com isso não quero defender que o corte de cana seja trabalho digno a um ser humano, pelo contrário este talvez esteja a frente da lista de trabalhos degradantes na agricultura; o fato é: este é o único trabalho encontrado durante 6 meses do ano. O segundo caminho é o da precarização do trabalho; o restante do trabalho necessário contrata-se via “cooperativas de prestação de serviço” (conhecidas aqui como coopergatos) que eliminam qualquer responsabilidade do empregador sobre o empregado colocando o trabalhador numa situação das mais humilhantes depois da escravidão. Em muitos casos os trabalhadores recebem apenas meia diária pois o serviço que fica para traz, onde a máquina não colhe, não dura o dia inteiro.

As cidades, típicas agrovilas do agronegócio, vivem abarrotadas de seres humanos sedentos por trabalho e dignidade que certamente por aqui, com esse modelo, não encontrarão mais. Sem citar ainda, os milhares de trabalhadores trazidos do nordeste, que se submetem a trabalhar por qualquer preço, morando em alojamentos e tendo que pagar pela sua comida. Quando conseguem, voltam para casa com algum trocado.

Desta maneira, a tal geração de empregos alardeada pelos defensores deste modelo é tão enganosa em seu conteúdo que chega a serem ridículas as defesas que vem sendo apresentadas. Enquanto o bom senso aponta para o aumento do desemprego por conta da tecnificação da produção rural, os representantes deste setor insistem em casar competitividade e tecnologia com geração de empregos; isto representa um atentado à economia política.

Por outro lado, não se discute mais o problema da exploração do trabalho. Parece que a busca é apenas por empregos e quase ninguém mais se atreve a falar sobre mais- valia e luta de classes; em nome de se criar empregos, pisoteamos as históricas lutas dos trabalhadores. E para pensar sobre isto não precisa-se, necessariamente, ser marxista, mas simplesmente questionar onde de fato mora a contradição que leva milhares de pessoas a não ter trabalho. Não trato aqui do trabalho puro e simplesmente assalariado, mas o trabalho como transformador da natureza em benefício dos seres humanos, como atividade primeira do ser social, aquele que nos diferencia no reino animal.

Portanto, fica cada vez mais presente o legado teórico de muitos que se desafiaram a pensar que: quanto mais avançada a tecnologia, quanto mais trabalho abstrato for empregado na produção, mais pobre o trabalhador fica, mais se brutaliza o trabalho manual que resta, menos se paga pela força de trabalho, mais animaliza o trabalhador. Por isso este mito da geração de empregos tende a se esfacelar assim que a história percorrer seu caminho.

Isto tudo reflete-se na ideologia dominante na região, que prega: “e se não fosse a cana?”, ou melhor ainda, “Agronegócio: sua vida depende dele!” . O endeusamento desta planta e deste negócio cresce no mesmo ritmo em que se deprecia o trabalhador. Se atribui ao agronegócio dons divinos, quanto mais atributos coloco neste ser divinal menos atributos deposito no movimento social, no sindicato, na reforma agrária, em meu companheiro, em mim . O ser supremo é inexorável isto legitima toda a super exploração do trabalho, devastação do ambiente, concentração da terra, poluição do ar. A brutal propaganda deste novo Deus se utiliza de todos os artifícios que lhe estão colocados a disposição, desde os meios de comunicação de massa, introdução de manifestações da indústria cultural de péssimo gosto e de um atraso cultural jamais imaginado, no trabalho tranquilizador e adestrador das igrejas evangélicas, no surgimento na política eleitoral dos município de seres patéticos sem história, que são meros enfeites projetados pelos que dominam a economia regional para que cumpram o que interessa ao “agronegócio”.

Este grande barril de pólvora aqui descrito foi criado por este modelo que carrega em si todas as contradições imagináveis entre capital e trabalho. A elite sucroalcooleira se valeu das possibilidades encontradas nesta região: de infra-estrutura privilegiada, de solos férteis, de calor o ano inteiro para implantar este modelo. Através de grandes incentivos estatais como foi o proálcool no passado e baseado no trabalho escravo de migrantes nordestinos se estabeleceram. Pelo aparato militar do estado contiveram os que ousaram a questionar a situação escrava, como foi o caso de Guariba e Leme *, e implantaram com isso a cultura do medo de se levantar contra, ou ao menos de “falar mal” da usina ou questionar a sua situação.

O discurso escravocrata moderno encanta pela facilidade que alardeiam suas conquistas, sua influência decisiva no PIB, a âncora verde que mantém nosso país com superávit primário na balança comercial, record de produtividade e de crescimento do agronegócio. Continuamos assim como há 500 anos, plantando o que interessa a “metrópole”, a velha economia agroexportadora como é ensinado nas aulas de história. Mas agora com alguns agravantes: compramos as máquinas das multinacionais da “metrópole” a preço de ouro, compramos seus adubos, compramos seu agrotóxico, compramos suas sementes e pagamos royaltes por sua pesquisa e ainda assim acham que estão fazendo bons negócios para o Brasil.

O alto preço deste modelo está sendo pago por cada brasileiro.

...mas um dia acabo com isso, viro gente, viro a mesa ponho fim a escravidão...”

Fragmento da poesia “Baticum do bóia fria” Do poeta francano, Carlos Assumpção

*Duas cidades da região de Ribeirão Preto que foram palco na década de oitenta de grandes greves por melhores salários e condições de trabalho, reprimidas violentamente na época pela polícia militar. Era então governador do Estado de São Paulo o Sr. Franco Montoro.

mão-de-obra empregada em todo o Brasil 12.956.214 (95%)pequena propriedade 565.761 (4%)média propriedade 45.208 (0,3%)agronegócio Dados do Censo 2003 e do PN de Reforma Agrária

Edivar Lavratti Militante do MST - Reg. RP

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