ALEGRE JANELA ABERTA

Discorrendo sobre a formação do povo mineiro em famosa conferência proferida no ano de 1953, Paulo Pinheiro Chagas comparando Artur Bernardes, sobre quem disse “ser grave com um teorema”, a Juscelino Kubitschek, cunhou formoso apotegma que reflete com precisão a personalidade do menino nascido em Diamantina, tangido pelo destino a promover a mais profunda transformação no Brasil do século XX: “Juscelino era alegre como uma janela aberta”.

Hoje, 31 de janeiro, faz cinqüenta anos que JK se empossou na Presidência da República, data comemorada com saudades pelo povo brasileiro, vivendo a nostalgia de dias soturnos num país de melancólicas janelas fechadas. Muito se falou e escreveu sobre a trajetória de Juscelino, agora popularizada pela série de televisão apesar dos equívocos históricos nela contidos.

É provável não haja no Brasil homem mais biografado. Seu governo e suas obras foram esquadrinhados, estudados, analisados e comparados. Por ter sido autor e personagem da grande epopéia nacional do último século, assinalada pelo intenso dinamismo resultante da inconformidade com a mesmice e a rotina paralisante em que vivia o Brasil, os tempos de Juscelino despertaram apaixonados e apaixonantes debates, fosse para exaltação de suas qualidades ou projeção de seus defeitos, razão de ser de sua glória e de seus tormentos. Ganhou os mais variados apelidos.

Nônô de mestra Júlia, seresteiro, presidente pé-de-valsa, governador estradeiro, presidente voador, cigano, presidente bossa-nova, visionário, contemporâneo do futuro, artista do impossível, apodos a que reagia com seu fascinante e encantador sorriso. Às duras invectivas dos adversários, às injustas aleivosias sofridas durante sua vitoriosa marcha para a glorificação histórica, jamais lhes deu respostas ou revides, a tudo esquecendo e perdoando. Alegre como uma janela aberta, assim foi Juscelino durante todo o tempo, homem de Diamantina sabedor que se não levar dentro dele a poesia e a beleza será inútil percorrer o mundo, pois em nenhum lugar as encontrará.

Numa crônica escrita em 1976 e chamando Juscelino de “menino grande”, Carlos Drummond de Andrade conta que numa noite chuvosa de Ipanema, no Rio de Janeiro, no lançamento de um livro de Adélia Prado, “apareceu Juscelino lépido como se emergisse de uma manhã de sol e seu espírito se banhasse em claridade dourada”. Nos nascidos em Diamantina, naquelas serras azuladas, o destino acumulou virtudes características: a alegria contagiante, o espírito aberto à comunicação universal, a formação democrática, a invencível crença no povo e na formação da nacionalidade, o otimismo, a palavra fácil e eloqüente. Quem ouve estas palavras, imediatamente pensa em Juscelino, o mais autêntico diamantinense, que em seu sonho ensandecido conseguiu vislumbrar para o Brasil a “alvorada de seu grande destino”. Ao tomar posse na Academia Mineira de Letras, no dia 3 de maio de 1975, Juscelino se confessava amante da poesia.

Para ele a poesia não era apenas verso e concluía: “Os homens de ação, os que planejam, inventando, construindo o amanhã, não seriam de todo estranhos ao paraíso das musas”. Poeta é aquele para quem o mundo como existe não basta. Foi neste sentido que JK se definiu como poeta, afirmando que a “Pampulha, na verdade, é poema que a luz do sol aquece e que as estrelas incansadamente velam”. Nos poetas há um certo grão de loucura, bendita loucura que o impulsionou a erigir monumentos imperecíveis como Brasília. Alegre como uma janela aberta, Juscelino nunca odiou, espargiu amor, perdoou sempre, jamais guardou ressentimentos em sua alma livre e aberta, estuante de alegria e confiança no futuro. A crescente recordação e seu nome e seus gloriosos feitos é uma espécie de milagre nascido na consciência popular de que o Brasil, país de tristes janelas fechadas, precisa recobrar a alegria dos tempos de JK, afastando da imagem da nação a face taciturna e sorumbática que tanto a faz triste. *Presidente da Academia Mineira de Letras

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