A Previdência e a coerência do PT

Esse também tem sido o mote dos chamados parlamentares radicais, que fazem oposição sistemática do partido e ao governo. Um levantamento do histórico do PT na sua relação com o tema da reforma da Previdência revela que a acusação de incoerência não procede. O que houve foi uma evolução das posições do partido, fato normal na vida política. O contato com a realidade, a interação com os outros agentes políticos e com a sociedade, a mudança do ângulo de visão e os processos de negociação inerentes aos temas políticos produzem, em todos os partidos, mudanças parciais ou profundas de suas abordagens sobre determinadas questões.

O PT vem-se manifestando sobre a necessidade da reforma da Previdência desde 1991, quando da CPI que investigou os desvios de dinheiro do sistema previdenciário. Na época, o então deputado Eduardo Jorge elaborou um consistente projeto de reforma da Previdência, que serviu de referência para a atuação da bancada. Em 1996, quando a reforma estava na ordem do dia, o Diretório Nacional do PT aprovou uma resolução da qual destacamos aqui dois pontos:

"Regime Básico Universal, com piso de benefícios de um salário mínimo e teto de dez salários mínimos para todos os trabalhadores, sem qualquer exceção, com iguais direitos e deveres explicitados no texto constitucional.

Previdência Complementar para os benefícios acima de dez salários mínimos, pública, privada ou na forma de Fundos de Pensão fechados."

Entre outros pontos, a resolução indicava ainda a recusa de uma reforma que cristalizasse a exclusão social de enormes parcelas do povo trabalhador. E terminava apelando para que o governo abrisse negociações, flexionando a intransigência dogmática em torno de sua proposta.

O programa de governo da candidatura Lula é inequívoco na defesa da necessidade de reforma da Previdência. O programa reafirma que o sistema previdenciário deve ter "caráter contributivo, com benefícios claramente estipulados e o valor do piso e do teto de benefícios de aposentadorias claramente definidos". O programa também propõe um sistema de previdência complementar.

Em reunião realizada pelo Diretório Nacional do PT em março, a primeira depois da posse de Lula na Presidência da República, o partido voltou a se manifestar sobre a necessidade e a urgência da reforma da Previdência. Além de reafirmar a posição histórica do PT por um sistema previdenciário básico universal com piso e teto, a resolução posiciona-se contrária à contribuição dos inativos do sistema privado (INSS).

A proposta de reforma da Previdência encaminhada pelo governo ao Congresso é compatível com o núcleo da posição histórica do PT sobre o tema. Em relação à proposta de reforma previdenciária do governo Fernando Henrique Cardoso, o PT nunca tomou posição contra a reforma em si, mas contra alguns de seus aspectos. Mesmo assim, a bancada e o partido nunca se recusaram a negociar com o governo. A reforma da Previdência só não foi aprovada no governo passado pela ausência de condições políticas que favorecessem a construção de um consenso maior em torno da proposta. Uma diferença significativa da proposta do governo Lula em relação à proposta do governo anterior reside em que a proposta atual fixa um piso de R$ 1.058 para os aposentados do setor público. Na proposta anterior não existia esse piso.

Quanto à taxação dos benefícios dos inativos do setor público, o PT foi percebendo sua necessidade num processo evolutivo. O exercício do governo em municípios e em alguns Estados como Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul e Acre, no período 1999-2002, foi determinante para o amadurecimento dessa compreensão.

Uma análise criteriosa e histórica das resoluções do PT revela que é falsa a acusação de que o partido mudou radicalmente ao se tornar governo. Na verdade, o PT preserva uma fidelidade básica às definições de um partido de esquerda, que consistem na luta pela promoção dos direitos e da cidadania dos mais fracos, dos excluídos e dos trabalhadores. Trata-se de uma luta que busca garantir a existência de uma sociedade equilibrada na distribuição dos bens materiais e das rendas, uma sociedade justa, democrática e solidária. O PT preserva também uma fidelidade radical aos valores que historicamente promoveram o humanismo, a civilização e a paz.

A fidelidade inexcedível a princípios e valores históricos, no entanto, não deve impedir que o partido proceda a mudanças nas suas concepções políticas e nas suas abordagens táticas e estratégicas. Sem essas mudanças um partido se torna dogmático e ossificado. Desde a realização do seu primeiro congresso, em 1991, o PT vem atualizando sua agenda de ação, compatibilizando-a com as mudanças cada vez mais velozes que se processam na sociedade e no mundo. Nesse primeiro congresso se empreendeu uma crítica aos conceitos de partido único, ditadura do proletariado e ruptura revolucionária. O congresso lançou as bases para a construção de um partido de esquerda democrático, moderno, aberto e antidogmático. É sob o patrocínio da fidelidade a princípios e valores e da necessidade de renovação derivada das determinações da vida e do tempo que o PT define o conteúdo e os métodos de sua ação política.

José Genoino Presidente Nacional do PT

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