A pressão social

Movimentos dessa natureza foram ou são naturais em qualquer país democrático. Portanto, não há nenhum motivo para a disseminação de paranóia ou do medo de descontrole social do país. De modo geral, medos e paranóias desse tipo sempre serviram aos interesses conservadores que, ao longo da história do Brasil, trataram as questões sociais como questões de polícia e não como demandas legítimas de grupos na luta por direitos.

Fosse outro o enfoque que as elites tivessem dispensado às questões sociais, muitos dos nossos problemas já estariam resolvidos. Não é demais repetir que é quase inconcebível que já no século XXI, o Brasil não tenha resolvido o problema da reforma agrária. A grande maioria dos países resolveu o problema da distribuição da terra ainda no século XIX ou nas primeiras décadas do século XX. A não resolução do problema da terra é um dos fatores que induziu ao crescimento desordenado de aglomerações nas periferias das grandes cidades, acarretando o surgimento de uma crise de moradia.

Registre-se que se trata de uma crise de grandes proporções porque, junto com ela, avolumam-se os problemas de transporte, de saneamento, de fornecimento de água, de segurança pública, de energia e de garantia de direitos como saúde e educação. Vê-se, dessa forma, que os problemas sociais do Brasil são interligados. Na base de todos eles está a precariedade da garantia do direito de propriedade, tanto no campo quanto nas cidades. Nesse contexto, o que os movimentos por terra e por moradia fazem, não é nada além do que lutar pelo mais elementar dos direitos capitalistas, que é o direito de propriedade. Uma das mais profundas reformas que o Brasil precisa fazer, portanto, é generalizar e democratizar o direito de propriedade, seja através da reforma agrária ou seja através de um amplo processo de regularização, legalização e urbanização de favelas. Esta é uma das condições essenciais não só para combater a pobreza, mas para alavancar o crescimento econômico e incrementar o mercado interno.

Com a eleição do presidente Lula era mais ou menos previsível que as pressões sociais e as reivindicações de grupos organizados aumentassem. Afinal de contas, a história de Lula e do PT se confunde e se entrelaça com a história da organização social e das lutas por reivindicações de direitos. Coerente com essa perspectiva, o governo do PT e de seus aliados fará tudo o que é possível para atender reivindicações justas e legítimas dos movimentos sociais. O governo, porém, agirá de forma firme para garantir tanto o direito de manifestação, quanto a ordem pública e legal.

Os movimentos sociais, por sua vez, se tiveram suas esperanças aumentadas com a eleição de Lula, precisam entender que o governo não pode tudo. O governo, em primeiro lugar, precisa agir e garantir a ordem democrática. Em segundo lugar, suas ações na esfera das políticas sociais estão limitadas pelos recursos orçamentários, que são escassos. Não pode restar dúvidas, porém, de que este governo terá como prioridade o enfrentamento da questão social, buscando reduzir a pobreza e promover o desenvolvimento com geração de emprego e distribuição de renda.

Pactuada essa prioridade com toda a sociedade, os movimentos sociais devem balizar seus procedimentos pelo respeito à ordem democrática e à lei. Afinal de contas, o Brasil dispõe de instrumentos legais para fazer a reforma agrária de forma pacífica e dispõe de instrumentos institucionais para mediar outros conflitos e reivindicações sociais. O problema maior não está no âmbito da legalidade ou ilegalidade dos movimentos ou na garantia do direito de reivindicar. O problema também não está na vontade política do governo de investir na resolução das demandas sociais. O grande desafio concentra-se na busca de recursos, na eficácia de sua aplicação e na busca de soluções inovadoras para enfrentar o enorme déficit social do país. Esse desafio só será enfrentado com a conjugação de esforços do governo, da sociedade e dos movimentos sociais.

Com isso, cabe dizer que se a pressão social é legítima, o estímulo de confrontos entre as partes e setores envolvidos não leva a nada. O que os movimentos sociais precisam fazer é construir uma agenda de reivindicações e negociá-la com os governos municipais, estaduais e federal. Somente assim, os governos terão condições de dizer de forma racional o que pode ser atendido. Poderão também mobilizar energias e forças sociais, com o objetivo de ir além das limitações orçamentárias mediante a convocação e a participação da sociedade. A resolução dos problemas sociais não passa pela exasperação dos conflitos, mas pela marcha da sensatez e pela conjugação de esforços de todos.

José Genoino Presidente nacional do PT

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