Insegurança alimentar

Considerado pela Organização das Nações Unidas (ONU) referência internacional no combate à fome e aos problemas relacionados às carências nutricionais, o Brasil dispõe hoje de 81 programas associados à alimentação e nutrição, conforme estudo elaborado pelo governo federal e representantes da sociedade civil.

O Estudo de Caso Brasil, divulgado durante a 32ª Sessão do Comitê Permanente de Nutrição das Nações Unidas, realizada em Brasília, de 14 a 18 de março, também mostrou um aumento no acesso aos serviços sociais no país, bem como uma redução em 70% da prevalência de desnutrição infantil nos últimos 30 anos. Em entrevista ao Em Questão, a Coordenadora da Política Nacional de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde, Fátima Carvalho, relata a experiência brasileira no combate a má nutrição e os avanços, lacunas e desafios a serem enfrentados nesse contexto.

Em Questão - A Organização das Nações Unidas reconhece o Brasil como destaque internacional no combate a fome e na adoção de ações relacionadas à alimentação e nutrição. Como o País alcançou esse patamar?

Fátima Carvalho - O Brasil é uma referência internacional porque, além de ser signatário de vários acordos internacionais, o Estado brasileiro reconhece que tem a obrigação de garantir o direito humano à alimentação adequada. Além disso, possui programas de grande alcance, como o de merenda escolar, os de transferência de renda e ações variadas de alimentação e nutrição, que atuam em dimensões diferentes da segurança alimentar e nutricional. Mais recentemente, o que deu visibilidade ao Brasil nessa área foi o fato de o governo, imediatamente no primeiro ato, ter constituído o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e estabelecido o combate à fome e a pobreza como política prioritária.

EQ - Qual o principal desafio a ser enfrentado pelo Brasil no que diz respeito a garantia da segurança alimentar?

Fátima - No caso brasileiro não temos indisponibilidade de alimentos. O nosso problema alimentar e nutricional é determinado pela desigualdade no acesso a alimentos de qualidade e outros bens e serviços básicos por parte de grande parcela da população. No Brasil, a insegurança alimentar e nutricional tem duas faces muito características: uma é a desnutrição. A outra é a obesidade e as doenças crônicas não transmissíveis (hipertensão, diabetes, doenças cardiovasculares etc), que vêm crescendo de forma alarmante e são causas importantes de mortes hoje no país. Estas duas expressões da insegurança alimentar estão intimamente relacionadas. Os estudos são incontestáveis em mostrar que uma criança na fase precoce da vida, que tenha sofrido deficiência nutricional, têm um risco muito maior de vir a desenvolver obesidade e doenças crônicas não transmissíveis. Esse é o grande desafio que temos pela frente de não só garantir o acesso à alimentação. É fundamental ainda municiar a população, por meio de informações adequadas, para a seleção de uma alimentação saudável. Por isso, são necessárias políticas públicas que possibilitem o acesso físico e financeiro a alimentos saudáveis e a informações adequadas e, por outro lado, assegurar instrumentos aos quais a população possa recorrer quando o seu direito à alimentação não é atendido.

EQ - Hoje há uma tendência mundial de se condenar os alimentos muito calóricos e trata-se de uma questão bastante veiculada pela mídia. O acesso à informação ainda é um problema?

Fátima - Na visão da saúde e de muitos dos nossos parceiros ainda falta informação sobre o que é uma alimentação adequada. A tendência de mudança de padrão alimentar no nosso país, assim como em todo mundo, é de diminuição no consumo de alimentos saudáveis. Estes vêem sendo substituídos, principalmente, por alimentos processados com alta densidade energética, ou seja, muito ricos em gordura e em açúcar. Adicionalmente, o avanço tecnológico da sociedade resultou em uma redução do nível de atividade física. Esses dois fatores se refletem de forma prejudicial na saúde da população. Com certeza, a questão da informação é muito importante nesse contexto.

EQ - Como convencer a população de que a alimentação saudável, sem cair na tentação de padrões estéticos e sem exageros, é crucial para a qualidade de vida?

Fátima - É possível com ações que levem até os lares brasileiros a informação correta. No Ministério da Saúde, por meio das equipes de Saúde da Família, que hoje atendem a cerca de 50% da população, são introduzidos no cotidiano das famílias hábitos saudáveis. O material que produzimos para os profissionais da atenção básica à saúde, com ênfase na promoção da alimentação saudável, também já está sendo distribuído nas escolas formadoras de recursos humanos, como nutricionistas, enfermeiros e médicos. Este ano será lançado o guia alimentar da população brasileira. É a primeira vez que o Brasil vai ter diretrizes nacionais sobre a alimentação para a população em geral na perspectiva de se promover hábitos alimentares. Também vamos elaborar materiais para as crianças nas escolas, em parceria com os Ministérios do Desenvolvimento Social e da Educação, e há ainda uma proposta em construção para o governo regulamentar a comercialização de alimentos em instituições de ensino. Algumas experiências locais já mostram que a mudança de hábito dentro do ambiente escolar produz resultados positivos na evolução do peso da criança e até influência os hábitos de toda a família.

EQ - Brasil, Angola, Moçambique e Bolívia apresentaram nesta 32ª sessão estudos de caso para mostrar suas realidades atuais. Quais os principais resultados em relação ao Brasil?

Fátima - O estudo de caso foi um esforço de se identificar quais ações, programas e setores têm vinculação com a questão alimentar e nutricional de forma mais direta ou indireta. A intenção era saber quais avanços conquistamos e quais lacunas ainda temos a partir dessas ações, considerando a incorporação da nutrição nesses programas, sob a ótica do direito humano à alimentação adequada. O primeiro resultado bastante otimista foi a identificação de 81 programas no país distribuídos em 23 ministérios que de alguma forma têm relação com alimentação e nutrição. O estudo mostrou que essas ações e programas atendem a vários tipos de grupos populacionais e a diferentes dimensões da determinação da insegurança alimentar e nutricional, tais como as relacionadas ao acesso a alimentação, a prevenção e combate de doenças ocasionadas por carência alimentar, a promoção da alimentação saudável, o acesso à renda e à educação. Também foi detectada a necessidade de se incluir de forma mais efetiva nos programas, as comunidades quilombolas, índios, assentados, população de rua. Ainda identificamos a necessidade de maior articulação intersetorial e entre governo, em suas três esferas, e sociedade civil e a produção de indicadores que subsidiem o aperfeiçoamento das ações.

EQ - Quais os avanços brasileiros mais significativos apontados pelo estudo?

Fátima - O Brasil avançou na ampliação do acesso a algumas ações e serviços sociais. Por exemplo, a cobertura populacional da saúde que aumentou bastante e a cobertura vacinal que para crianças de cinco anos é excelente. Tivemos uma redução muito significativa da desnutrição infantil em 30 anos, em cerca de 70%, o que se refletiu também na queda da mortalidade infantil. Hoje, 97% das crianças têm acesso ao ensino básico e a previdência é universalizada. Trata-se de ações que tem impacto na nutrição e, portanto, na qualidade de vida. Há ainda a universalização da transferência de renda para famílias de renda baixa. O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome unificou os programas de transferência de renda que existiam e criou o Bolsa Família. Isso possibilita uma racionalização de recursos e um melhor resultado desse programa que tem a projeção de atender 11,2 milhões de famílias até o final de 2006. E o acesso a renda produz impacto na segurança alimentar e nutricional das famílias. A avaliação do Programa Bolsa Alimentação, unificado no atual Bolsa Família, mostrou que as crianças beneficiadas tiveram resultado positivo na curva de crescimento e a variabilidade de alimentos adquiridos pelas famílias aumentou e melhorou. Elas passaram a ter acesso a grupos de alimentos que antes não tinham (carnes, verduras e frutas) o que causou uma melhoria na dieta dessas famílias. Isso mostra que é importante a transferência de renda com vistas a inclusão social e a redução da extrema pobreza no país, associada a garantia dos direitos à saúde e à educação.

EQ - Há uma deficiência nos indicadores brasileiros relacionados ao tema, inclusive apontada pelo estudo de caso como um dos empecilhos para se avaliar e aperfeiçoar as medidas existentes. O que o governo pretende fazer para sanar esse problema?

Fátima - Estamos implantando o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional que tem por objetivo monitorar o estado nutricional da população atendida pela rede do Sistema Único de Saúde, desde a criança até o idoso. O sistema vai acompanhar usando indicadores simples: peso, altura, idade e sexo. Essas informações são importantes porque mostram de imediato situações de risco, tanto de pessoas como de regiões e permite aos estados, municípios e ao governo federal intervir de forma oportuna para o não agravamento da situação. De outubro de 2003 a dezembro de 2004 foram capacitados cerca de quase dois mil técnicos em 2.009 municípios, tanto no manuseio do sistema como na tomada das medidas antropométricas. Esse sistema também vai permitir o acompanhamento das crianças das famílias que são atendidas pelo Bolsa família. O Ministério da Saúde também vai realizar, este ano, a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde que entre outros indicadores vai trazer informações importantes sobre a prevalência da má nutrição em crianças e mulheres, além da prevalência de anemia por carência de ferro e Hipovitaminose A, dois problemas nutricionais muito preocupantes no Brasil. Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica da Presidência da República

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