A saúva e o Brasil

Na curva dos meus dez ou doze anos, vivendo o descompromissado tempo dos estudos primários, entrando de sola na década de 40, com os professores batendo na tecla de um velho chavão – ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil – a turma ria e fazia parodias e gozações sem nenhum respeito pelo significado daquela manifestação popular, cabocla mesmo, do comportamento coletivo.

A molecada, com o passar do tempo, na esteira de vários colégios e cursos que freqüentava, acabou vendo ser apagada na memória dos anos a antiga história da saúva. Para a geração moderninha de hoje a gente lembra que a saúva era ( e acho que ainda é) uma formiga ágil, carregadeira e cortadora, com um bundão redondo que a identifica como devoradora das plantações, comendo sem limite as culturas da época, em sua maioria, ditas de subsistência. Não era a toa que o naturalista Auguste Saint-Hilaire, no século passado, cunhou a sua famosa advertência sobre o perigo da saúva.

Talvez o medo das saúvas daquele tempo tenha viabilizado o surgimento de uma indústria de defensivos agrícolas , hoje bem sucedida num conjunto de empresas de alta tecnologia, muitas das quais ainda ameaçam o meio ambiente e a própria saúde dos sofridos e esquecidos homens do campo.

São passados muitos e muitos anos e o combate às saúvas perdeu prioridade. Mas um tipo delas continua existindo, pois tradicionalmente as saúvas são sociáveis, vivem em grupo, em grandes formigueiros, escondidos, mas ativos, formados de panelinhas, canais internos e externos e não dispensam olheiros.

O Brasil está correndo perigo novamente, mas sai da garganta das ruas e praças um novo grito de alerta e inconformismo, parodiando o passado: ou o Brasil acaba com a corrupção ou a corrupção acaba com o Brasil.

Vivemos um momento muito grave e inseguro. O clima do debate e a enxurrada de denúncias deixam as vísceras da Nação expostas. O Poder em todos os níveis, com raríssimas exceções, não está conseguindo combater o estrago provocado pelas saúvas deste novo tempo. Parece que não há nos laboratórios de nossa vida pública um antídoto, um pesticida poderoso para matar esta sede imensa de ganância, safadeza, molecagem, evasivas sofismas, mentiras e o descaramento com que as saúvas de hoje desfilam pelos plenários de todas as regiões do país.

Os boquirrotos já são numerosos e identificados pela troca de acusações, crimes, falcatruas, assalto aos cofres públicos e privados e parcerias estranhas, agasalhados por esquecimentos matreiros e proteções originárias de inoportunas decisões judiciais, favorecendo, cinicamente, que eles ostentem a face de grandes injustiçados.

Filigranas jurídicas e soluções advocatícias espertas são tecidas na calada dos gabinetes , criando figuras vestidas de uma candura que agride a sociedade, os homens de bem e a própria história das tradições mais puras e caras do País. Por agora, eles julgam que estão seguros e que mais uma vez tudo vai acabar na maior pizza do mundo. Eles dizem, de ouvido para ouvido de seus parceiros, que é uma questão de tempo. Tudo cairá no esquecimento e a imprensa – reforçam – vai acabar cansada e para não cair no vazio descobrirá ou inventará outras vítimas. Em seu favor, ainda, está a nossa tradicional cultura da impunidade. Eles estão pagando para ver. Confiando nela.

Esta quadrilha, a maior que já passou pela vida pública brasileira, não deve estar sentindo o eco de protesto e condenação das ruas, que começa a marcar as pesquisas pré-eleitorais com os números do arrependimento.

Desta vez vai ser para valer, pois o Brasil está preparado e amadurecido para vencer estas novas saúvas, inquilinas deste verdadeiro formigueiro que ainda está abrigando esta legião de larápios que transformou a vida pública brasileira num autêntico picadeiro.

É preciso não esquecer, parodiando o passado, que este momento de definição é fundamental para o futuro: ou o Brasil acaba com a corrupção ou a corrupção acaba com o Brasil.

J.C.Monjardim Cavalcanti é jornalista e ex-Secretário de Comunicação do ES

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