Marina destaca trabalho à frente do Ministério do Meio Ambiente

Nela, a ministra fala sobre a posição que tomou em relação aos transgênicos, ressalta que "em nenhum momento pensou em pedir demissão do cargo" e sobre a importância que o Meio Ambiente vem tendo no governo Lula, entre outros assuntos. Leia a seguir, a íntegra da entrevista.

Ministra, para quem viveu as pressões que a senhora viveu nas últimas semanas, deve ser confortante, rever amigos e familiares e sentar, mesmo que por alguns instantes, na sala da casa onde viveu por tantos anos. É assim que a senhora se sente?

Marina Silva – É verdade, é muito nutritivo para mim. Desde que assumi o ministério, essa é a terceira vez que eu volto aqui. Vim aqui na instalação na Secretaria dos Povos Indígenas, vim com o presidente Lula e estou vindo agora para essa conferência (Conferência de Meio Ambiente, que está sendo realizada no Teatro Plácido de Castro). São quase 10 meses e, nesse tempo, só estive aqui por três vezes, o que é muito tempo de ausência – nem no tempo em que eu fiquei muito doente eu fiquei, por tanto tempo, longe do Acre, dos meus amigos e da minha família. Portanto, vir aqui é nutritivo do ponto de vista emocional, pelo reencontro com a minha família, poder comer uma galinha caipira com a Socorro (irmã mais nova), com meu pai, meus irmãos e a Matilde (tia), que estava reclamando que eu estava demorando muito para vir.

E quanto às pressões a respeito dos transgênicos?

Na verdade, há uma situação meio ambígua em tudo isso. Do ponto de vista da questão ambiental, pensando ela no sentido latu sensu, é a primeira vez que meio ambiente assume o centro da disputa política no país – e isso não é pouca coisa. Nós estamos há quase dois meses em que todos os grandes espaços de mídia que estão debatendo a questão do meio ambiente. Foi feita uma pesquisa pela revista Seleções sobre quais os temas setoriais mais importantes para população brasileira. Em primeiro lugar, por razões óbvias, está o Fome Zero, pela exposição de mídia que tem, e o segundo vem o Meio Ambiente, com 37%, ganhando de Educação e Saúde. Isso nunca aconteceu no país. Meio Ambiente sempre era um tema marginal. Então, do ponto de vista de ter uma consciência preocupada com o meio ambiente, eu diria que isso já é uma vitória do governo Lula.

Mas na questão dos transgênicos, há quem diga que a senhora foi derrotada e que uma derrota sua significa uma derrota do povo brasileiro, da decência na política. O que a senhora diz sobre isso?

Por onde eu ando nesse país sinto que tenho uma base social de apoio muito grande. Agora é uma base difusa, sobre a qual eu digo sempre: olha, todo mundo defende meio ambiente desde que seja no meio ambiente do outro. Aqui da Amazônia, há quem nos apóie na luta em relação aos transgênicos e lá no Sul há quem nos apóie pela luta contra as queimadas. Duro é defender meio ambiente no seu próprio ambiente. As pessoas são solidárias comigo, com o ministério, cada qual no seu tema, mas longe de sua realidade imediata.

Mas na questão dos transgênicos, quem ganhou e quem perdeu nessa história?

Eu acho que ainda está em processo de disputa. O fato de haver uma medida provisória, e eu inclusive fui favorável em relação à comercialização (da soja transgênica já em fase de colheita) – porque nós pegamos uma política de fato consumado, com uma produção de quase 60% de soja geneticamente modificada no Rio Grande do Sul – e a gente precisava escoar aquela produção. Então, a primeira medida provisória a sociedade brasileira entendeu. Na segunda medida provisória, já não há um entendimento de acordo em relação a ela.

Qual é o seu posicionamento enquanto ministra em relação a isso?

O Ministério do Meio Ambiente divergiu quanto a este instrumento e eu mesma pedi ao presidente Lula que eu pudesse dizer publicamente que eu divergia do instrumento. Eu divergia – o governo tomou a decisão de fazer a liberação para o cultivo de 2004 com a medida provisória, mas não desisti de colocar as salvaguardas que eu achava importante para o meio ambiente. E foi uma conquista da questão ambiental ter colocado na medida provisória que as áreas indígenas, os mananciais de abastecimento público, as unidades de conservação e as áreas de altíssima relevância para a conservação da biodiversidade ficaram fora da medida provisória. Isso foi uma contribuição porque nós não partimos do princípio de que, já que politicamente a posição que prevaleceu foi outra, agora teríamos que ficar assistindo e não contribuir. Fiz isso de uma forma muito consciente. Eu jamais iria sair dizendo: olha, a proposta era assim e porque o Ministério do Meio Ambiente apresentou sugestões ficou assim e assado. Eu decidi que iria discutir isso dentro do governo. O problema é que há um erro. Foi publicada (a primeira medida provisória) a primeira versão que ainda não contemplava as contribuições do ministério. Depois, quando foi publicada as contribuições que o ministério deu, ficou público que havia uma proposta diferenciada, mas nem foi eu que falei isso.

Mas por que então a senhora ameaçou sair do governo e voltar para o Senado?

Em nenhum momento eu ameacei sair do governo. Acho que essa coisa não se faz. Uma pessoa que prima pela ética e o respeito político para com aquele que te convidou, não faz ameaça. Você apresenta uma carta e sai.

A senhora chegou a fazer uma carta de renúncia ou de demissão?

Não, não fiz. O que falei foi outra coisa. O presidente Lula estava viajando e quando ele retornou tive uma reunião com a coordenação de governo para tratar das questões importantes para a política ambiental do governo, numa reunião de duas horas e quarenta minutos, incluindo a coordenação de governo, o presidente o vice-presidente.

Depois eu tive uma conversa em separado com o presidente Lula, na qual requeri algumas questões. O que eu tenho dito para o governo é em relação ao projeto de lei – e é por isso que digo que ainda é cedo para dizer que há derrotados e vencedores, se é que se pode ter vencedores numa situação de disputa dentro de governo – é que nós temos ainda um processo de discussão que pode ser feito, combinando a implementação da medida provisória, que precisa ser implementada, com o termo de ajustamento de condutas por parte dos produtores, e o projeto de lei que dê à CTNBio (a Comissão Técnica de Biossegurança) os poderes que legitimamente ela deve ter. Ou seja, de ser vinculante no caso de ser negativo o seu parecer em termos de biossegurança, se é não biosseguro, e não deliberativo quando afirmativo. Se disserem: tudo bem, é biosseguro, aí precisa do pronunciamento e a manifestação do Ministério do Meio Ambiente em relação ao licenciamento ambiental, do Ministério da Agricultura em relação às questões agronômicas e do Ministério da Saúde, através da Anvisa, em relação às questões de saúde. São poderes e competências diferenciados que não podem, de forma alguma, ser desconsiderados. O Ministério do Meio Ambiente não abre mão do licenciamento ambiental.

O que está em jogo, ministra, é que a Monsanto, a empresa que representa os interesses da soja transgênica, não quer submeter-se ao licenciamento? É isso?

É isso. Não abrimos mão do licenciamento para os organismos geneticamente modificiados e para outras ações. A gente tem que fazer licenciamento para infra-estrutura, para investimentos nas mais diferentes políticas e não poderíamos agir de forma diferente em relação aos transgênicos - até porque é um assunto mais complexo. E aí tem uma discussão falsa que é a seguinte: os que são contra são fundamentalistas e os que são favor são a favor da ciência. Isso é falso. Alguns que são favoráveis dizem assim: as pesquisas feitas nos Estados Unidos, elas servem para o Brasil. Isso para mim é um ato de fé. Os Estados Unidos são um país com uma diversidade biológica em termos de biodiversidade completamente diferente do Brasil. É baixíssima a biodiversidade americana e canadense e o Brasil é um país mega-diverso, com bioma altamente importante e diferenciado. Só para se ter uma idéia nós temos o cerrado, a caatinga, temos a mata atlântica e temos a Amazônia. Se você pegar essa diversificação e comparar com a mesmice em termos de recursos dos Estados Unidos, se constitui num ato de fé querer transportar essas pesquisas para a realidade brasileira. Constitui-se num ato de investigação e respeito à ciência dizer: nós não conhecemos a realidade brasileira em termos da sua biodiversidade e o Brasil precisa de pesquisas específicas. É isso que o Ministério do Meio Ambiente está dizendo: para viabilizar os organismos geneticamente modificados, é preciso o licenciamento ambiental. A Monsanto nunca entrou com pedido de licença para sua soja. Essa empresa tem uma postura muito estranha. Não fez pedido de licença na África do Sul, na Argentina, nos Estados Unidos, não fez no Canadá e não quer fazer no Brasil. E o Brasil precisa dar o exemplo de que aqui há uma Constituição e uma legislação que precisa ser respeitada.

Qual é o balanço de sua gestão do Ministério do Meio Ambiente? Quais os avanços e quais os pontos negativos?

Em nove meses de governo são prematuras as avaliações. Mas eu posso dizer que nós encontramos muitas dificuldades e também muitas oportunidades interessantes – eu preciso fazer justiça ao meu antecessor. Logo de cara tivemos que enfrentar um problema gravíssimo, que foi o incêndio em Roraima, e fizemos um trabalho espetacular, juntando sete ministérios sobre a liderança do Ministério do Meio Ambiente numa verdadeira operação de guerra contra o fogo. Nós chegamos a ter 1.600 na linha de fogo. Num determinado momento, eu fui a Roraima para, junto com o Exército, comandar as operações e acho que foi uma das situações exemplares. Depois nós tivemos a questão de Cataguases e a liberação dos pneus, que foi uma decisão do tribunal arbitral do Mercosul, que no entendimento do Itamaraty tinha que cumprir essa decisão e isso criou um problema do ponto de vista político para o ministério e em seguida tivemos a polêmica dos transgênicos. Esses são os passivos que estamos processando. Do ponto de vista das coisas positivas, posso dizer que nesses nove meses nós resolvemos, há sete meses, um problema gravíssimo que vinha se arrastando há muitos anos no país, a questão da exploração ilegal de madeiral, principalmente de mogno. Nós já temos todo o programa nacional de florestas, que prevê um aumento fantástico em termos de manejo comunitário para pequenas comunidades. Nós vamos sair de 2.000 manejos comunitários na Amazônia para 30 mil comunidades manejadoras na Amazônia.

Mas apesar dos avanços dos quais a senhora fala, o Ministério do Meio Ambiente está sob intensas críticas de governos como o de Rondônia. O que a senhora acha desse debate que está sendo travado em Rondônia, que coloca as políticas de seu ministério como entrave ao de desenvolvimento do Estado e nessa briga acaba sobrando para o Acre, para o governo do Acre?

O que o Ministério do Meio Ambiente tem feito é procurado ajudar o governo de Rondônia a implementar o seu zoneamento ecológico e econômico. Agora, para isso, é preciso que o zoneamento seja respeitado. E para ser respeitado, tem que cumprir a legislação. Um dos pontos fundamentais da legislação é o Código Florestal. Sem o cumprimento do código fica difícil viabilizar qualquer proposta. O que o Ministério tem feito é apresentar sugestões de regularização do zoneamento ecológico de Rondônia, mas sem que isso signifique o descumprimento da lei, nem da medida provisórias que estabeleceu os 80% de reserva legal na Amazônia e nem do Código Florestal. A divergências é quanto às áreas degradas. Mas nós estamos abertos à discussão. É claro que essa abertura vai até o limite da lei. Sem a lei, o Ministério do Meio Ambiente não dará um passo.

O que a senhora acha dessas denúncias que têm chegado à grande imprensa dando conta de que o Acre voltou a desmatar, mesmo o governo do Estado reafirmando o discurso de "governo da floresta"?

Nós lidamos com informações. É isso que pode fazer a aferição do que está sendo dito. Inverter desmatamento não é algo que se faça de uma hora para outra. É um processo complexo que exige um forte diálogo entre meio ambiente e desenvolvimento. O que o governo do Estado está fazendo é responder isso na prática. O Ministério do Meio Ambiente vai ajudar, através do PPG-7, do Ibama e da Secretaria de Florestas, assim como está fazendo em outros estados, na implementação das políticas sustentáveis. Por exemplo, ampliar as áreas manejáveis tanto para pequenos manejadores comunitários como para empresários do bem interessados em trabalhar de forma manejável e procurando dar um maior apoio aos agricultores familiares para que eles possam ter atividades produtivas rentáveis nas áreas que já estão convertidas e fazer a recomposição das áreas degradas, além de fazer a demarcação das unidades de conservação que precisam ser feitas e concluir o zoneamento ecológico e econômico na sua segunda fase. É isso que o Governo está fazendo. O bom é que isso pode ser feito em parceria com o Ministério. Eu acho que o que a gente está sofrendo é uma crítica porque existem aqueles que acham que os resultados podem ser obtidos de forma imediata. O importante é que este processo está em curso. Esse é o compromisso do governador Jorge Viana e é isso que ele está fazendo porque essas são as metas da sua nova gestão nesse segundo mandato, porque, num primeiro momento, ele teve que arrumar a casa, realizar o essencial e agora está partindo para implantação dessas políticas que representam a nossa bandeira de toda uma história que é esse modelo de desenvolvimento sustentável.

Há uma série de especulações de que o senador Tião Viana (PT-AC) não poderia vir a ser a candidato à sucessão do governador Jorge Viana por impedimentos legais. Nesse caso, seu nome começa a ser ventilado como uma possível candidata ao governo. A senhora pensa em disputar o governo do Acre? Há chances de a Marina vir a ser governadora do Acre?

Eu sou sempre dada a responder a missão para a qual sou convocada. Neste momento estou convocada para fazer a política ambiental do país e isso para mim já uma coisa fantástica e espetacular. No caso do governo do Estado do Acre, é diferente. Em se tratando da política ambiental, muito embora nós tenhamos muitos quadros bons no país, eu sei que minha contribuição é muito importante. Do ponto de vista do governo do Acre, a minha atribuição é mais uma contribuição. Isso me deixa muito tranqüila porque eu sei que temos muitos nomes...

Inclusive para enfrentar uma campanha eleitoral para o governo?

Não atrele minha saúde à campanha. Eu posso dizer que estou bem e o que estou fazendo no Ministério do Meio Ambiente é o reflexo disso. Antes de ontem eu estava no Rio Grande do Sul, depois no Paraguai, no Uruguai e hoje já estou aqui e depois de amanhã vou estar no Piauí e em seguida na Bahia. É uma agenda ensandecida. E não são temas fáceis e tranqüilos. Aonde chego tenho que debater isso...

A diferença de uma agenda numa disputa eleitoral para o governo do Estado é que, em vez de ir ao Uruguai, Paraguai, a Bahia, a senhora teria que ir a Santa Rosa, Jordão etc.

Eu não quero... Veja bem, eu estou muito feliz que a gente tenha aqui no Acre um processo político em que o PT tem muitos quadros. Você sabe que sou uma pessoa de processo. A pior coisa que tem é a política do taxi, aquela árvore em que não nasce nenhuma outra debaixo dela. Eu não quero virar a cacique Marina. Acho que a gente tem muitos bons quadros. Ou seja, faço aquilo que eu tenho que fazer. Agora, se tem mais gente que pode fazer, então vamos discutir quem é melhor para fazer. Eu gosto muito de fazer assim: num punhado de milho na mão, há várias sementes. A gente aduba a terra, joga os grão e deixa nascer. Quando nasce, a gente escolhe o que é o melhor broto e é aquele que será selecionado para semente. Eu me coloco como uma das sementes.

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