Movimento Sem Terra

Caras amigas e caros amigos do MST,

Nesta carta, quinzenal, mais uma vez, socializamos nossas reflexões sobre a situação da luta pela Reforma Agrária no Brasil.

Estamos nos aproximando das eleições municipais. Em todo período eleitoral as lutas sociais diminuem sua intensidade naturalmente. Na cidade, os movimentos de trabalhadores urbanos e o movimento estudantil alteram momentos de mobilização com períodos de quietude. O meio rural espelha a mudança de ritmo da cidade.

Resultado: entramos num período de maior refluxo das lutas sociais.

Por que essa situação se repete em todo o período eleitoral? Isso acontece porque a sociedade se volta para as eleições como principal acontecimento da vida política. As campanhas tomam às ruas e os programas eleitorais invadem a tv e o rádio. Os gestores públicos, responsáveis por resolver problemas do povo, acabam reféns do período. Eles entram no clima das eleições, mas, ao contrário da agitação das campanhas, colocam o pé no freio e protelam decisões e atendimentos às demandas.

Entretanto, a situação da luta pela Reforma Agrária nunca perde sua complexidade. De um lado, seguimos com quase 200 mil famílias acampadas. Cerca de 70% delas tem vínculos com o MST. As demais, estão organizadas por outros movimentos sociais e pelos sindicatos de trabalhadores rurais. Apesar da dimensão do problema, o governo mantém o ritmo lento na adoção de medidas concretas para assentar essas famílias.

Números do MST indicam que o governo conseguiu assentar menos de 6 mil famílias acampadas neste ano. Não assentar os acampados significa exigir um grau de sacrifício muito grande das famílias e, portanto, manter um foco de tensão social. A Reforma Agrária no Brasil ainda vive resquícios da falta de ação da era FHC. Temos famílias que estão há mais de 5 anos acampadas, passando todo tipo de dificuldade. O governo não consegue nem distribuir com regularidade as cestas básicas para essas famílias. Cada atraso gera fome e motiva protestos, como a imprensa tem registrado em diversos estados.

A classe dominante, aliada com os grandes fazendeiros e latifundiários, continua sua propaganda sistemática de projetar o agronegócio como a solução para boa parte dos problemas do país. As fazendas se modernizam, aumentam suas exportações, produzem dólares, mas não produzem comida, empregos e nem renda para o povo brasileiro.

Apenas uma minoria de fazendeiros, que se dedicam à monocultura, com altos custos para o meio ambiente, está enriquecendo.

É importante observar que o estudo sobre as transformações tecnológicas promovido pela Fundação Seade (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados de São Paulo) e pela Unicamp (Universidade de Capinas), revelaram que a adoção dos métodos de cultivo do agronegócio em todo país provocaria uma redução de 70% do nível de emprego de mão-de-obra agrícola. Ou seja, o desenvolvimento do agronegócio gera mais desemprego.

A chamada grande imprensa brasileira representa fielmente os interesses da classe dominante e dos fazendeiros exportadores, cumprindo o papel de realizar sua pregação cotidiana contra o MST e a Reforma Agrária. Qualquer pessoa que acompanhasse a realidade brasileira somente por esses veículos de comunicação ficaria convencida de que no Brasil não tem mais latifúndio, pobres, desemprego e nem fome. Se convenceria também que o MST é composto por um bando de dementes, bolcheviques fora de seu tempo que merecem a cadeia!

Tudo isso não nos assusta. A classe dominante brasileira e seus porta-vozes sempre defenderam apenas seus privilégios atacando os que lutam por justiça social. Queremos apenas o que nos pertence: terra, dignidade e o direito sagrado de trabalhar todos os dias.

O Governo reafirma sistematicamente que tem o compromisso político de fazer a Reforma Agrária, mas na prática, a ineficiência da máquina burocrática impede a realização. Mesmo nesse cenário de inatividade, há algo de positivo: o governo anunciou a abertura do concurso público para 4.500 novos servidores para o Incra, voltando assim ao mesmo número de funcionários da década de 1970. A liberação de recursos para assistência técnica também é positiva, mas as desapropriações de latifúndios estão paradas. E, pior, o governo ainda não encarou a Reforma Agrária como parte de um novo modelo de desenvolvimento agrícola. No fundo, o que nos entristece é ver a repetição de ações de governos anteriores, quando se priorizava a adoção de medidas de compensação social.

O MST tem criticado duramente a atual política econômica que favorece apenas as multinacionais, exportações, capital estrangeiro e os bancos. Defendemos uma política econômica centrada na geração de trabalho e enxergamos a Reforma Agrária como instrumento de distribuição de renda, fixação das famílias no campo, produção de alimentos, e democratização da propriedade.

A política econômica do modelo em curso toma a direção oposta. Se não mudarmos a política econômica, se não debatermos um novo modelo, não haverá espaço para a Reforma Agrária. Estarão sepultadas as esperanças de fixação de milhões de famílias no meio rural e o resgate da cidadania.

Continuaremos lutando, cumprindo a missão de organizar os pobres do campo para que eles lutem por seus direitos, pela mudança da política econômica e pela Reforma Agrária. Esperamos que, passado o período das eleições municipais, o governo tenha a coragem de retomar o debate sobre o modelo econômico e que trilhe o caminho de construção de um projeto popular para o Brasil. De nossa parte, afirmamos que continuaremos firmes no caminho das lutas sociais, porque ninguém merece e agüenta viver debaixo de uma lona preta por muito tempo, iludido apenas por promessas que não enchem barriga. Os trabalhadores e trabalhadoras rurais necessitam de ações concretas e urgentes por parte dos governantes. E já.

Um forte abraço a todos e todas!

Secretaria nacional do MST

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