Direitos Humanos: Caso Gílson Nogueira de Carvalho

De 4 a 10 de fevereiro, uma equipe da militantes da Rede Estadual de Direitos Humanos do Rio Grande do Norte (REDH-RN), no Nordeste do Brasil, e representantes de organizações brasileiras e internacionais de defesa dos Direitos Humanos como a ONG Justiça Global do Rio de Janeiro e o Programa de Direitos Humanos da Harvard Law School, nos Estados Unidos, se deslocarão à San Josë da Costa Rica, sede da Corte Interamericana de Direitos Humanos, para acompanhar o julgamento do Caso Gílson Nogueira de Carvalho, advogado norte-riograndense assassinado em 1996 por membros do grupo de extermínio “Meninos de Ouro”, do qual estava investigando os crimes.

Formarão parte desta equipe Roberto Monte, coordenador do Centro de Direitos Humanos e Memória Popular (CDHMP) de Natal (Rio Grande do Norte), velho companheiro de Gílson Nogueira e principal responsável pelas denúncias dos crimes perpetrados pelo grupo de extermínio “Meninos de Ouro”; Daniel Pessoa, advogado norte-riograndense, parceiro do CDHMP, que acompanha o Caso Gílson na Comissão Interamericana de Direitos Humanos; Carlos Eduardo Gaio, advogado da ONG Justiça Global do Rio de Janeiro; e James Cavallaro, professor do Programa de Direitos Humanos da Universidade Harvard, Estados Unidos, membro da equipe jurídica que levará adiante o caso na Costa Rica e um dos principais responsáveis pelas denúncias e a divulgação internacional dos crimes dos “Meninos de Ouro”.

A demanda da REDH-RN contra o Estado brasileiro sobre o Caso Gílson Nogueira contra com um amplo apoio, seja da sociedade civil organizada como institucional, a nível nacional e internacional. Além do apoio do Justiça Global e da Comissão de Direitos Humanos de Harvard, destacam-se o do Conselho Estadual de Direitos Humanos do Rio Grande do Norte, o das mais de 300 entidades que integram o Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) no Brasil; o da Comissão Nacional para os Direitos Humanos e a Cidadania (CNDHC) de Cabo Verde (órgão misto que junta poderes público e sociedade civil); o da Rádio de Cabo Verde (RCV) e da Associação de Jornalistas de Cabo-Verde (AJOC); o da Asociación Civil por la Igualdad y la Justicia (ACIJ) de Buenos Aires (Argentina); o das onze ONG’s que integram a Rede de Operadores de Direitos Humanos da América Latina e o Caribe (R@DHALC); o da Rete Potiguara di Solidarietà Internazionale, a Associazione Adelante – Agenzie per la Cooperazione Decentrata e da Campanha Stop Sexual Tourism da Itália; o da Universidade de Paris 8, na França; o da Lawyers Rights Watch Canada; o da ONG Frontline – Defenders of Human Rights Defenders, da Irlanda; o da organização Solicitors International Human Rights Group, da Grã Bretanha.

Para sensibilizar à opinião pública brasileira e internacional sobre as demandas do movimento de Direitos Humanos na Corte Interamericana que julgará o Caso Gílson Nogueira, a REDH-RN realizará, em parceria com o Justiça Global, um amplo mutirão digital no qual uma equipe mixta com um núcleo na Costa Rica composto pelo grupo que se deslocará ao país centro-americano, um no Rio Grande do Norte, outro em Buenos Aires (onde se encontra atualmente o editor-chefe de Tecido Social, realizando um intercâmbio entre o CDHMP e a Asociación Civil por la Igualdad y la Justicia) e um terceiro no Rio de Janeiro, além do apoio de parceiros em vários Estados do Brasil, na Argentina, em Cabo Verde, na Itália, na França e na Bélgica, remeterá diariamente notícias e informações sobre o assunto em quatro idiomas (português, espanhol, italiano e inglês) aos principais médios de comunicação e a um abrangente leque de organizações da sociedade civil dos países envolvidos na campanha. A maiorias destas informações serão divulgadas na primeira página do portal DHnet – Rede Direitos Humanos e Cultura e em edições especiais do boletim eletrônico Tecido Social, da REDH-RN, que atualmente é recebido por mais de 58.000 endereços no mundo inteiro.

O Centro de Direitos Humanos e Memória Popular (CDHMP), com o apoio de todo o movimento brasileiro e internacional de promoção, defesa e garantia dos Direitos Humanos, pede que à Corte Interamericana que a República Federativa do Brasil seja considerada responsável pelo assassinato de Gílson Nogueira de Carvalho por ter violado direitos garantidos pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos: o direito à vida (Artigo 4), o direito a um julgamento imparcial (Artigo 8), o direito à proteção judiciária de pessoas ameaçadas ou que correm perigo de vida (Artigo 25) e a fundamental obrigação de respeitar os direitos (Artigo 1).

Por estas razões, o movimento de Direitos Humanos pede que o Estado do Rio Grande do Norte seja obrigado a repetir o processo contra os acusados do crime em condições de imparcialidade e independência do Júri, pague uma indenização à família do advogado assassinado e dedique a este último uma praça pública.

Entre outras solicitações, a acusação exige também que o Estado investigue os entecedentes e se processe o envolvimento em atividades criminosas de Maurílio Pinto de Medeiros, atual Sub-Secretário de Segurança Pública do Rio Grande do Norte, que era acusado por Gílson Nogueira de ser o mandante dos homicídios realizados pelos “Meninos de Ouro”; que suspenda dos cargos os policiais acusados de crimes e que monitore a independência e imparcialidade do Poder Judiciário. (Mais detalhes sobre a petição à Comissão Interamericana, clique aqui).

Após a absolvição dos acusados pelo assassinato de Gílson Nogueira em um processo repleto de irregularidades, graças à cumplicidade do Poder Judiciário do Estado do Rio Grande do Norte com a Secretaria de Segurança Pública e as altas esferas do Poder Executivo Estadual para manter a impunidade dos membros do grupo de extermínio “Meninos de Ouro”, o caso foi levado em 1997 à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, instância da Organização dos Estados Americanos (OEA) para as petições sobre violações de Direitos Humanos que não foram atendidas pelas instituições locais dos Estados membros e denúncias de violações cometidas por estes próprios. Esta emitiu umas deliberações que correspondiam às solicitações do movimento de Direitos Humanos, mas a atual Governadora do Rio Grande do Norte, Vilma Maria de Faria, escreveu uma carta ao órgão interamericano informando que o Estado não vai acatá-las, violando deste jeito os tratados internacionais.

Após vários anos transitando na Comissão, passou para o julgamento definitivo na Corte Interamericana.

Se a Corte acatar os pedidos da acusação, se trataria de uma das primeiras condenações internacionais do Estado brasileiro por violações de Direitos Humanos cometidas contra seus cidadãos. Por esta razão, representaria não apenas a possibilidade concreta de uma mudança de atitude dos poderes públicos do país sobre o respeito dos direitos fundamentais, mas um sinal de esperança no fim da impunidade para os assassinos, torturadores e criminosos institucionais.

Obter justiça para Gílson Nogueira não seria apenas um sinal de esperança de justiça para os defensores de Direitos Humanos assassinados ou perseguidos no Brasil, mas para todas as vítimas das atrocidades cometidas pelas classes dominantes do país, através dos poderes do Estado e as forças de segurança, contra os excluídos e marginalizados... um sinal de esperança para as vítimas da Candelária, de Eldorado dos Carajás, de Vigário Geral, da Baixada Fluminense e das centenas, milhares de barbáries cotidianas cometidas para manter a injustiça e a desigualdade.

Por isso, convidamos tod@s vocês a se juntarem a nós, colaborar neste mutirão digital difundindo o máximo possível as informações que receberem, manifestarem seu apoio à causa do Centro de Direitos Humanos e memória Popular (CDHMP) e fazer crescer esta onda de solidariedade em nome da justiça e a verdade para Gílson Nogueira e todas as vítimas da violência e a desigualdade no Brasil.

HISTÓRICO DO CASO GILSON NOGUEIRA

O julgamento dos assassinos de Gilson Nogueira: histórico de uma farsa

O advogado Gilson Nogueira de Carvalho foi assassinado em 20 de outubro de 1996 na entrada da sua casa, um sítio na comunidade Ferreiro Torto em Macaíba (RN), na região metropolitana de Natal. Gilson era, junto com Roberto Monte, coordenador do Centro de Direitos Humanos e Memória Popular (CDHMP) e estava investigando os crimes do grupo de extermínio "Meninos de Ouros", ativo no Rio Grande do Norte, e o envolvimento do então Secretário Adjunto de Segurança Pública e atual Sub-Secretário da Defesa Social, Maurílio Pinto de Medeiros, na formação e os homicídios deste esquadrão da morte.

Em junho de 1997, apesar de uma série de evidências do envolvimento de policiais no homicídio, as investigações sobre o assassinato de Gilson Nogueira foram encerradas a pedido do promotor de Justiça José Augusto Peres Filho, que solicitou o arquivamento do inquérito policial mesmo sem a indicação de nenhum indiciado. Este pedido foi acatado pela juíza Talita de Borba Maranhão e Silva e o inquérito policial foi arquivado em 19 de junho de 1997.

Indignadas com desta decisão, organizações de Direitos Humanos apresentaram à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) uma petição contra o Governo brasileiro por sua responsabilidade no assassinato de Gilson Nogueira. Em 14 de novembro de 2000, a Comissão Interamericana informou aos peticionários que declarara o caso admissível.

Em 1998, James Cavallaro, então diretor da Human Rights Watch e atual diretor do Centro de Justiça Global, e John Maier, jornalista-fotógrafo em trabalho para a revista Time e para a BBC de Londres, entraram em contato com um ex-policial atuante no esquadrão da morte "Meninos de Ouro", que revelou detalhes sobre dezenas de assassinatos e ocultação dos cadáveres das vítimas. O ex-policial informou que o assassinato de Gilson Nogueira tinha sido encomendado por Maurílio Pinto de Medeiros e realizado por quatro membros do grupo de extermínio: Maurílio Pinto Jr. (filho do atual Sub-Secretário da Defesa Social), Otávio Ernesto, Jorge Luis Fernandes (conhecido pelo sinistro apelido de Jorge Abafador) e Admilson Fernandes.

Com base em novas provas fornecidas pelo ex-policial, a Polícia Federal indiciou o policial civil aposentado Otávio Ernesto Moreira como um dos pistoleiros que mataram o advogado do Centro de Direitos Humanos e Memória Popular. Apesar dos indícios do envolvimento dos outros agentes policiais no assassinato de Gilson, Otávio Ernesto foi o único responsabilizado pelo crime. Os outros citados confidencialmente pela fonte como partícipes do assassinato não foram presos nem indiciados. Jorge Abafador, principal suspeito do assassinato, não foi indiciado porque na época do crime se encontrava sob prisão preventiva por dois outros homicídios.

Porém, o policial tinha tránsito livre na Delegacia onde estava preso, recebendo ordem judicial para se ausentar da prisão duas vezes por semana para "manter relações sexuais com sua esposa", coisa não permitida pela lei. No dia do assassinato de Gilson Nogueira, Jorge Abafador tinha recebido autorização para deixar a prisão sob o pretexto de necessitar de um médico. O próprio Maurílio Pinto Jr. o tinha escoltado para fora da Delegacia.

Após quase seis anos da morte de Gilson Nogueira e quase três anos da tramitação da ação penal contra Otávio Ernesto Moreira, o julgamento do ex policial foi designado para o dia 6 de junho de 2002 pelo Tribunal do Júri de Macaíba, cidade onde ocorreu o crime.

No entanto, naquele mesmo mês, a defesa do acusado solicitou a transferência do local da realização do julgamento de Macaíba para Natal, pedido que terminou sendo acatado. O pedido e a decisão de desaforamento, porém, apresentavam vícios de nulidade absoluta, pois violavam princípios constitucionais. De fato, apesar do pedido de desaforamento ter sido formulado pelo réu, nem o Tribunal de Justiça do Estado, nem a juíza da Comarca de Macaíba abriram oportunidade para o representante do Ministério Público da Comarca de origem ou para o advogado da assistência de acusação, Daniel Alves Pessoa, se manifestarem ao respeito do pedido.

A decisão foi questionada pelo advogado Daniel Pessoa, que interpôs ação de nulidade do processo de desaforamento em 5 de junho de 2002, juntamente com um pedido liminar de adiamento do julgamento. Porém, esta solicitação não foi apreciada em tempo hábil pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte. Assim, apesar da nulidade gerada gerada pela violação dos princípios constitucionais do contraditório e do devido processo legal, o julgamento do policial Otávio Ernesto começou em 6 de junho de 2002.

Entre outros fatos, a acusação demonstrou, através de exame de balística realizado em 1999, que uma das balas utilizadas para matar Gilson Nogueira pertencia à espingarda calibre 12 encontrada em uma granja de propriedade de Otávio Ernesto.

Quando o processo ficou pronto para julgamento pelo Tribunal do Júri de Macaíba, os advogados do policial acusado requereram o desaforamento para a Comarca de Natal. O processo de desaforamento tramita perante o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte. Porém, o acusado não juntou qualquer porva das condições e requisitos para que houvesse tal desaforamento do Júri e, o que é mais grave, o Tribunal de Justiça não ouviu nem o Ministério Público nem os assistentes de acusação a respeito do pedido. Segundo a Constituição, isto gera automaticamente a nulidade absoluta do processo de desaforamento, porque viola o princípio do contraditório.

Além, portanto, do julgamento de Natal ter sido completamente inconstitucional, este foi feito de forma apressada, passando por cima de muitos requerimentos que os assistentes de acusação fizeram e da mesma nulidade por inconstitucionalidade. Ou seja, o juíz Presidente do Tribunal do Júri de Natal na época do julgamento, Célio Maia, passou por cima da lei processual e da Constituição para realizar o processo a toda força. Aparece claro que a inteção tanto do desaforamento inconstitucional quanto do julgamento realizado às pressas era absolver o acusado, apesar das fortíssimas provas que o indiciavam como um dos autores do crime.

Durante o julgamento inconstitucional de Natal, que teve lugar em junho de 2002, o juíz Célio Maia favoreceu descaradamente o réu e prejudicou a acusação deixando de atender aos requerimentos de produção de provas que esta fez. As provas que a acusação pediu eram necessárias para contrapor um documento apresentado na última hora por Otávio Ernesto, um parecer acerca dos Laudos Oficiais que tentava minar a credibilidade destas provas. Deste jeito, o juíz Célio Maia violou os princípios do contraditório e de igual tratamento das partes.

Afinal de um processo que não foi mais do que uma grande farsa, o policial civil aposentado Otávio Ernesto foi absolvido em 7 de junho de 2002, após um processo que durou mais de 25 horas, pelo Júri de Natal. "O julgamento de Natal foi um espetáculo circense em que nós, a sociedade, estávamos lá para oferecer diversão aos detentores do poder", afirma Daniel Alves Pessoa, advogado dos pais de Gilson Nogueira, que estão atuando como assistentes de acusação no recurso para anular o desaforamento para Natal e o conseqüente julgamento inconstitucional.

Recentemente, em 6 de fevereiro de 2004, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte julgou e declarou indeferidos os recursos de Apelação do Ministério Público e da família de Gilson Nogueira para anular o processo de desaforamento do julgamento de Otávio Ernesto desde a Comarca de Macaíba (RN) para a de Natal. A primeira, sendo a cidade onde ocorreu o assassinato, é o único lugar onde pela Constituição pode ser realizado o processo.

O esquadrão da morte "Meninos de Ouro" é responsável também pelo assassinato do decorador Antônio Lopes, um travesti conhecido como Carla, em 3 de março de 1999, na porta da sua residência em Macaíba, com dez tiros disparados por dois desconhecidos que passaram de motocicleta.

Carla era amiga pessoal de Gilson e uma testemunha importante do seu assassinato. Estava realizando uma investigação paralela sobre o assassinato e tinha acumulado diversas informações ao longo dos meses, inclusive gravadas em fita, que foram entregues às autoridades policiais. Seu empenho contribuiu na reabertura do processo de apuração do homicídio, que já tinha sido encerrado pela Polícia.

Diversas páginas da agenda de Carla, onde anotava informações sobre suas investigações, foram rasgadas. As investigações sobre seu homicídio perduram até hoje..

Fonte: Centro de Justiça Global e Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH)

Antonino Condorelli Tecido Social Jornal Eletrônico da Rede Estadual de Direitos Humanos - RN

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