Uma questao de soberania

Excelentíssimo(a) Senhor(a) Senador(a) ...

Projeto de Lei nº 4776 (Em trâmite no Senado Federal) – Quando, em 17.06.2003, o Presidente Lula mandou retirar o PL-7492/2002 (Anexo 1) enviado ao Congresso pelo então Presidente Fernando Henrique Cardoso, acreditávamos que assim o fizera considerando-o prejudicial à Soberania Nacional, ao povo brasileiro e, principalmente, aos 20 milhões de habitantes da Região Amazônica.

Em fevereiro de 2005 o referido projeto voltou ao Congresso, em sua terceira versão, sob o nº 4776 em regime de urgência, sendo, finalmente, aprovado pela Câmara dos Deputados, em 07.07.2005. Justamente num momento onde a credibilidade, a honradez e a ética de alguns de nossos Deputados começam a ser questionadas pela opinião pública por, supostamente, estarem sendo corrompidos pelo Partido do Governo. Se, neste momento, nos dirigimos aos ilustres Senadores, o fazemos por acreditar na magnitude ética e moral de Vossas Excelências no estabelecimento de leis que visem o interesse da nação e do povo brasileiro. Antes que possamos passar a idéia de que somos contrários aos projetos que visam salvar a Amazônia gostaríamos de adiantar que o nosso apelo se prende apenas na necessidade de estudar, mais profundamente, as questões que envolvem a “Gestão de Florestas Públicas para Produção Sustentável; a criação do Serviço Florestal Brasileiro-SFB e o Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal-FNDF”.

Não desejamos questionar os processos de privatizações passados e nem mesmo criticar a idéia das parcerias público-privadas. Mas, não podemos deixar de aproveitar a própria experiência quando, em nome do povo, disponibilizamos os bens que a ele pertencem.

Sabemos que o Programa de Governo do Presidente Lula tem cumprido agendas de governos passados: a Transposição das Águas do Rio São Francisco está na mensagem de Fernando Henrique Cardoso endereçada ao Congresso Nacional no ano de 2000; ali, também, encontram-se os mesmos argumentos defendidos para aprovação do Projeto de Lei 4776 (Anexo 2); a inserção de nosso povo humilde como clientes de Estabelecimentos Bancários, foi sugerida pela ONG Diálogo Inter-Americano uma instituição patrocinada pelo Congresso Norte Americano; o combate à fome e a miséria foi decisão da ONU para o Milênio tendo o Banco Mundial destinado ao Brasil 7,5 bilhões de dólares ainda não utilizados pelo Presidente. Na Mensagem do Presidente Fernando Henrique Cardoso, endereçada ao Congresso Nacional, em 2000, afirma que a Conferência das Nações Unidas Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento–ECO-92 “aprovou documento contendo compromissos, assumidos pelo Brasil, de mudança do padrão de desenvolvimento no próximo século, denominando-o Agenda 21” (Anexo 2).

Naquela mensagem, o então Presidente ressalta o acordo assinado pelo Governo Federal, para o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia, com o Banco Interamericano de Desenvolvimento -BID, em maio de 1999, no valor de US$ 75 milhões “dos quais US$ 45 milhões já estão comprometidos com projetos que serão executados nos próximos cinco anos (até 2005). Na primeira fase foram repassados US$ 30 milhões”.

Aquela mensagem ainda fala em projetos de conservação das Florestas Amazônica e da Mata Atlântica envolvendo os “Recursos para o Fortalecimento Institucional e Pesquisa Científica, estimados em US$ 250 milhões, oriundos dos paises do G-7, do Tesouro Nacional e da União Européia” (Anexo 2). Já o Banco Mundial informa que o Projeto Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil foi financiado com cerca de US$ 340 milhões de dólares (Anexo 3).

Temos dificuldades para entender se tais investimentos não exigem contrapartidas ou outros interesses além da ajuda humanitária. Nosso receio é de que o Projeto de Lei 4776 foi a solução encontrada pelo Governo para legitimar os acordos já efetivados e legalizar algumas situações já existentes.

Nosso temor é de que possamos estar atendendo aos interesses do capital internacional e das decisões do Banco Mundial conforme consta de seu Relatório 24182, de 20.05.02: “o Banco Mundial está preparando um relatório sobre o desflorestamento na Amazônia e os resultados dessa avaliação devem subsidiar a formulação da estratégia de assistência do Banco”.

Vinod Thomas, Diretor do BIRD sugeriu, em 17.06.2003 “a criação de direitos de propriedades como forma eficaz e duradoura de contribuir com a proteção do meio ambiente, por meio de incentivos de mercado que alterem o comportamento das pessoas em favor de atividades ambientalmente sustentáveis. O importante é criar incentivos, além de leis e regulamentações, que tornem o uso sustentável dos recursos mais atrativos, principalmente para os que podem obter ganhos imediatos com a má exploração dos mesmos”. (Anexo 4). Antes mesmo do Projeto de Lei 4776 dar entrada no Congresso, em entrevista ao Boletim Florestas Sustentáveis, (Anexo 5), Gregor Wolf, Coordenador da Unidade de Florestas Tropicais (RFU) do Banco Mundial, fala sobre o plano de trabalho da RFU para o ciclo 2005-2008: “Iremos atuar como facilitadores entre o Brasil e a Comunidade Internacional no sentido de aprimorar o diálogo e apoiar os doadores na otimização da Assistência Financeira e Técnica em Desenvolvimento Sustentável que eles oferecem ao Brasil”. No mesmo Boletim encontra-se em destaque: “Doze anos de Brasil – O Programa para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil é considerado o maior programa multilateral para a proteção de florestas tropicais em escala mundial. O Programa existe há doze anos (sic) e nele trabalham de forma integrada o Governo Brasileiro, a sociedade civil, a comunidade internacional e o Banco Mundial.

Com o apoio dos países do grupo G-7, o Programa vem mostrando caminhos para o uso Sustentável dos Recursos Naturais”.

Ainda, nesse mesmo Boletim – (importante ressaltar que sua divulgação é feita pelo próprio Banco Mundial através do site http://www.worldbank.org) – encontra-se a informação de que o Brasil assinou, no segundo semestre de 2004, empréstimo junto ao Banco Mundial para o Plano Amazônia Sustentável (PAS), sem a informação do valor financiado. Além disso, preocupa-nos a idéia de que é possível conciliar o crescimento econômico com a preservação ambiental e a distribuição de rendas, num mundo onde as desigualdades sociais se mostram tão evidentes.

Parece-nos que a falta de uma cultura ecológica na sociedade e na política não oferece sustentação a essa opção preservacionista. O paradigma mundial de produção de bens materiais, que se impõe a todos como modelo único, parece bater de frente com a proposta governamental.

Se nossos governos, há tempos, negociam nossa Floresta com Instituições Internacionais como o Banco Mundial, o BID, e o G-7, receamos que o Congresso Nacional possa estar sendo usado apenas para referendar o que já foi decidido ou negociado pelo Poder Executivo. Temos, ainda, a impressão de que só mesmo as grandes corporações nacionais e estrangeiras, bem como os seus consórcios, teriam condições técnico-financeiras para atender, pelo menos em tese, as exigências das concessões; Além disso, grandes projetos logísticos de interesse mundial já se encontram, na Amazônia, nas mãos da Alcan Alumínio do Brasil, empresa canadense, da Vale do Rio Doce, da Albras, da Nikon Amazon Aluminum, japonezas, da Alcoa, norte-americana, da Shell Billington, holandesa, entre outras. Não podemos, ainda, esquecer ou menosprezar a vontade dos madeireiros, fazendeiros e agricultores que desejam regularizar a “posse” das áreas ocupadas. Todos eles sabem que a madeira, a carne e a soja são produtos que se transformam nos dólares essências a todo e qualquer governo. Vale lembrar que o Projeto Jarí, apesar da eficácia na fabricação da celulose tem um espaço de 115 mil hectares abertos dentro da floresta.

Segundo Aluízio Lins Leal, economista e professor da Universidade Federal do Pará, “o problema é que muitos deles (madeireiros, fazendeiros, plantadores de soja, ONGs, etc) não têm, digamos assim, os documentos de garantia de propriedade. Com uma concessão dessas eles se tornam virtualmente proprietários durante todo o tempo em que durar a concessão, principalmente em virtude dos custos e das dificuldades de fiscalizar a imensidão da área a ser legalizada. O último regime de concessão de que eu tenho notícia, aliás, não é o último e sim o primeiro que já terminou, foi o da ICOMI Indústria e Comércio de Mineração, do grupo norte-americano Bethlehem Steel, uma das grandes controladoras do aço no mundo. Durante 35 anos a Steel retirou 37 milhões de toneladas de manganês no Amapá e foi embora, deixando uma miséria pior do que a que existia antes do começo da exploração mineral”. (http://www.adunb.org.br).

Na tentativa de justificar projetos da espécie na Finlândia e Costa Rica, o Banco Mundial afirma que “aqueles países conseguiram, em parte, tornar as florestas mais valiosas” (Anexo 4, fl.2).

Se em parte eles conseguiram algum sucesso, não se pode dizer o mesmo sobre a experiência realizada na Austrália, Indonésia, Malásia, África, etc.

Temos receio de que os futuros ocupantes da Floresta sigam o exemplo do Sr. Blairo Maggi que afirmou: “para mim, 40 por cento de aumento no desmatamento não significa nada, não sinto a menor culpa pelo que estamos fazendo aqui. Nós estamos falando de uma área maior do que a Europa que nem sequer foi tocada, portanto não há nada para se preocupar. Meu objetivo chave é triplicar a produção agrícola no Mato Grosso em 10 anos, e desenvolver a agroindústria para agregar valor à produção”. (Biblioteca-Textos Realidade Brasileira – Cobrindo o Amazonas de soja – Sasha Liley – 29.12.2004). O próprio Banco Mundial, através da WWF, confirma que “os pecuaristas tendem a avançar floresta adentro, causando mais desmatamento”. Eventuais multas de órgãos fiscalizadores, não intimidam e nem diminuem seus espetaculares lucros. Temos receio de que o Governo não consiga fiscalizar um mega-projeto dessa envergadura, frente ao contrabando, à biopirataria e toda sorte de sonegações e ilegalidades que poderão existir.

Temos receio de que nossa dependência externa nos faça reféns dos juros políticos impostos pelas Instituições Financeiras Internacionais, como o superávit primário, reformas de toda natureza, privatizações de toda sorte, Banco Central Independente e participação de suas ONGs nos projetos de gestão das florestas.

Temos receio de que seja verdade que em 2001 existiam 3.000 ONGs atuando na Amazônia e que só na questão indígena havia 350 ONGs cuidando de 325 mil índios, segundo o Senador Mozarildo Cavalcanti. De fato, é muita gente preocupada para, na verdade, não cuidar do meio ambiente nem de seus próprios índios. “Quando a esmola é grande o Santo desconfia”. O próprio Senador Mozarildo denuncia desvios de verbas federais efetuados por algumas dessas ONGs que poderão vencer algumas das licitações do PL 4776 por serem do interesse de nossos investidores internacionais. O então Ministro da Defesa, José Viegas, admitiu, na Câmara dos Deputados, a existência de ONGs nocivas à Amazônia. O General Cláudio Barbosa de Figueiredo, ex-Chefe do Comando Militar da Amazônia (CMA) admitiu que 80% das ONGs existentes na Amazônia são internacionais.

Diante de tudo isso, senhor Senador, temos receio de que nossa Amazônia seja, enfim, internacionalizada, não pela força das armas, mas pela força do poder econômico mundial e pela submissão imposta aos países do Terceiro Mundo.

Em nossas considerações finais, rogamos a Vossa Excelência considerar, além dos aspectos éticos e morais da medida, a possibilidade do Projeto ferir a Constituição Federal por pretender a “transferência de função exclusiva do Congresso Nacional e do Conselho de Defesa Nacional a órgão do Poder Executivo atípico, que seria dotado de absoluta autonomia administrativa e financeira e que não se sujeitaria a qualquer controle da sociedade.

Riscos evidentes à soberania brasileira em zonas isoladas do território nacional, onde o ingresso de órgãos fiscalizadores dependeria de autorização prévia do órgão cuja criação se propõe. Criação de fundo público com recursos orçamentários e receitas resultantes da exploração do patrimônio público, cuja gestão com absoluta autonomia ficaria a cargo do novo órgão do Poder executivo sem qualquer controle do Congresso Nacional ou da sociedade civil. Isso afronta os incisos XVII, do Artigo 49, e III do

Artigo 91 da Constituição Federal, alem de afrontar a ordem democrática, desrespeitar direitos já reconhecidos pelo Estado quanto à ocupação de terras pelas comunidades que residem em florestas públicas, e contrariar os princípios administrativos vinculados à gestão transparente da coisa pública” (Anexo 10).

Pensamos que a medida possa, ainda, afrontar o disposto no Decreto Lei nº 1001, de 21.10.1969: “Tentar internacionalizar, por qualquer meio, região ou parte do território nacional: pena – reclusão de quinze a trinta anos, para os cabeças; de dez a vinte anos, para os demais agentes” (art. 142, alínea III).

Não desconhecemos a importância de nossos recursos naturais e muito nos orgulharia o título de benfeitores se pudéssemos desenvolver projetos que nos permitissem usufruir dessa imensa dádiva em beneficio de toda a humanidade.

Se o mundo inteiro tem interesse na preservação de nossa Floresta, pelo que ela representa em termos de salubridade, depois de terem destruído as que existiam em seus próprios territórios, deve haver outras maneiras de se conseguir ajuda mundial sem ser essa que nos coloca com o sentimento de um povo incompetente ou submisso aos interesses mercantilistas.

Talvez esteja faltando ouvir aqueles que, de fato, desejam fazer do Brasil uma Grande Nação.

À consideração de Vossa Excelência, com o nosso mais sincero respeito, consideração e estima.

Movimento Nova Inconfidência – MNI Ivan Kardec Franco Presidente em exercício

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