Depois do mar

Depois do mar

Na praia paradisíaca, quase deserta, frente ao azul sem fim, enquanto a renda branca das ondas beijava-lhes os pés, o casal de namorados se abraçava, quando ela, mirando o infinito, virou-se para ele: "é claro que eu gosto de você, mas não dá mais, entende?..." Não consegui ver o seu rosto, mas senti a sua dor, quando o vento que soprava benfazejo levou seu choro para além daqui. Continuei a caminhada imaginando a história daquele casal que ali se despedia.

Ela, natural de Vila Velha, Espírito Santo. Ele, do Mato Grasso do Sul. Encontraram-se naquela mesma praia do sul da Bahia, dois anos antes, durante o réveillon. Recém saída de um namoro duradouro, deixou na sua praia seu velho barco, seguia em busca de um outro mar. Mas algo se abriu dentro dela quando o jovem esguio de sotaque indecifrável lhe entregou a canga que o vento queria roubar. Ao agradecer, espontaneamente, ofereceu-lhe uma água de coco, como depois viria comentar. Ele, sem saber o porquê, se sentou sobre a canga, junto dela, antes mesmo de aceitar o convite, quando o silêncio revelou o que seus corações já sabiam.

Constrangidos, perguntaram juntos: de onde você é? Quando, entre risos, responderam ao mesmo tempo, como se recebessem do inesperado um longo e duradouro beijo. Se entreolharam, pausadamente, quando ele sugeriu entrar no mar. Na volta, se lembrou que sua irmã e o namorado dela o esperavam na próxima praia, como haviam combinado, quando o inesperado resolveu cruzar o seu caminho. Se desculpou, com o compromisso de apenas ir avisar a irmã, e voltou a passos largos, o que impressionou a menina. Ele esclareceu: "é que eu sou piloto de kart e para dirigir bem aquilo lá, tem que ter um bom preparo". Ela se lembrou que estava fazendo uma dieta à base de peixes e sementes, o que lhe ajudava na disposição e no poder de concentração.

De volta à pousada - os dois estavam hospedados na mesma - o comentário: "É, nós tínhamos mesmo que nos encontrar aqui! Se não fosse na praia, seria por esses corredores." Ela ponderou: "mas não haveria o mar e a paisagem... Seria um encontro comum. Ainda bem que o mar estava em nosso caminho..."

Dois anos depois, voltaram ao ponto original de tudo, ao início da história, depois de muitas viagens e alguns desencontros, como que se quisessem acordar dentro deles o que estava adormecido. Passaram o réveillon em Arraial d´Ajuda, na mesma praia, na mesma pousada.

Dessa vez, tudo estava combinado, não permitindo a participação do inesperado, esse deus que age nas entrelinhas tortas e incompreendidas da história. Nem o azul do céu e do mar foi capaz de dar uma nova cor ao que era velho e cansado. E apenas a lágrima da menina triste foi se juntar ao sal do mar de Portugal.

 

Petrônio Souza Gonçalves

 

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Author`s name Pravda.Ru Jornal
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