As transferências estatais para as autarquias e o controlo governamental

A grande dependência das autarquias face às transferências do Estado central é uma forma de controlo. A tradição centralista, mantendo o controlo financeiro da grande maioria das autarquias, evita a regionalização e mostra a sua aversão à democracia

O capitalismo gera, por natureza, desigualdades sociais e regionais, devido à sua paranoia pela acumulação, pela aceitação religiosa de que os mecanismos de mercado tudo resolvem, tudo equilibram, bastando para o efeito que cada pessoa inche de empreendedorismo e seja competitivo; o que só acontece com alguns, nomeadamente desde que possuam capital já acumulado e capacidade de obter favores do Estado. 

No âmbito de uma incessante e jamais satisfeita necessidade de meios financeiros, as várias instâncias do Estado desenvolvem lutas para a repartição do dinheiro dos impostos e do poder para o gastar, reproduzindo as desigualdades sociais e regionais; em regra, com prejuízo para a população, afastada dessa repartição, decidida pela classe política através de um não-democrático modelo de representação política. As próprias políticas de desenvolvimento regional, comportam particularmente os interesses de empresas de obra pública ou de algumas empresas interessadas na exploração de recursos naturais ou humanos, surgindo os interesses da população como subproduto de adorno dos estudos. Quando os governos ou os autarcas anunciam um investimento gostam de referir o número de "postos de trabalho", pouco referindo os níveis de qualificação e salariais ou os vínculos laborais; e, sobretudo, depois de realizado o investimento ninguém irá cotejar a propaganda ex ante com a realidade ex post.

1 - A distribuição do produto do saque fiscal

Vamos prosseguir a publicação de alguns textos sobre as finanças municipais, para que se observe a quantificação de alguns dos fluxos de fundos no seio das instituições do actual regime cleptocrático e empobrecedor da maioria. 

Toda a punção fiscal é exercida sobre a população, sempre através de uma máquina única, fechada, com uma burocracia kafkiana e centralizada junto do governo nacional; referimo-nos à Autoridade Tributária, entidade de caráter estratégico para o regime e para a vigência do típico centralismo do poder em Portugal. O produto da punção fiscal e de recursos financeiros com outras fontes, mormente provenientes da UE é objeto de uma cascata de redistribuições;

  • uma primeira redistribuição do pecúlio processa-se entre as instituições centrais, regionais e autárquicas, sob a suserania das primeiras, com elevado protagonismo do Ministério das Finanças e tendo, no seu conjunto, como agentes, as várias estirpes de membros da classe política;
  • procede-se, em seguida a uma segunda redistribuição, no seio de cada um daqueles níveis da administração estatal, no âmbito dos quais se observa uma luta acerada pelo aumento do respetivo quinhão, nomeadamente entre ministérios e também jogos de sedução exercidos por autarcas junto do poder central e das instâncias partidárias;
  • num terceiro círculo, contempla-se a satisfação dos interesses das estruturas partidárias locais, dasfamigliasque beneficiam de obras e serviços e ainda, no caso da administração central, dos negócios mediados porlobbysde advogados e de grandes empresas, habituais beneficiários de isenções, subvenções, contratos e despachos avulsos, a troco de corruptas transferências para os mandarins e partidos convenientes, para além de colocações em conselhos de administração a elementos das mafias.

Todas essas movimentações de fundos colocados à disposição da classe política, têm como garantida a inexistência de qualquer real avaliação da sua distribuição e aplicação por parte das vítimas da punção fiscal, da população. Aliás, a população é institucionalmente colocada à margem porque a Constituição empurra o direito de voto na direção de instituições nada modelares como os partidos, tratando, em simultâneo, de complicar com uma pesada burocracia o aparecimento de listas fora de chapéu partidário; a não ser quando esses independentes apresentam a sua ligação partidária encoberta ou se apresentam em rotura com as suas origens partidárias mas, com o mesmo propósito de rapina e manipulação.

As receitas correntes das autarquias cresceram - em valor - nos últimos quatro anos quase tanto como nos sete anos anteriores, em franco contraste com os rendimentos do trabalho e do PIB do país. Esse crescimento é mais elevado no capítulo das transferências do Estado, mesmo que tenha abrandado no último quadriénio, ao contrário do que se verificou com as receitas fiscais. (ver quadro abaixo)

Quanto às receitas fiscais, o IMI é a grande mina que o regime cleptocrático descobriu para principal receita fiscal das autarquias; em 2004 correspondia a um terço daquelas receitas e em 2015 chega aos 60% do total, numa evolução que se inicia antes das exigências da troika. Como há uma evolução aproximada na taxação dos veículos, não é difícil concluir o caráter senhorial da administração autárquica, vivendo do rendimento predial de casas que foram construídas totalmente ao arrepio de uma política de habitação que nunca existiu e a despeito dos encargos camarários faraónicos que oneram a construção de habitações. Com a mesma lógica, com autoestradas pagas em todo o lado, o regime participou no negócio privado das portagens e incentiva a compra de automóvel... para mais importados; não fomenta a utilização de transporte público (e onde fomenta, cobra em estacionamentos, camarários e privados); e ainda incide sobre o registo do automóvel um imposto único de circulação (IUC), com elevadas taxas de crescimento nos últimos onze anos. Toda esta azáfama tributária para munir as autarquias, não evitou o aumento da relevância das transferências vindas da administração central, nem se traduziu em melhorias substantivas nos serviços prestados.

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