EcoTurismo e religiosidade no caminho da Estrada Real

EcoTurismo e religiosidade no caminho da Estrada Real

A tri-centenária Conceição do Mato Dentro busca retomar o título de Capital Mineira do EcoTurismo e não se esquece de reverenciar sua história e suas raízes, que são de uma mineiridade profunda 

Tudo é história e devoção em Conceição do Mato Dentro. Ali os primeiros desbravadores, cansados de ver tanta beleza, pararam para descansar e onde deixaram cair suas armas nasceram povoados, comunidades, distritos. Assim é Conceição do Mato Dentro, com a história das Minas Gerais espalhada em seus quatro cantos, escondida e protegida nas muitas dobras do maciço do Espinhaço.

Situada no meio da Estrada Real, os primeiros relatos dão conta de bandeirantes que vindos do Serro do Frio encontraram ali ouro, pouco, às margens do rio Santo Antônio, e fundaram o belíssimo e histórico distrito de Córregos, por volta de 1702. Pouco tempo depois, outros bandeirantes chegaram ao pé da Serra da Ferrugem, que circunda a cidade, e depararam em luta com índios Botocudos. Ali firmaram residência até que no ano de 1734 o escravo Antônio Angola encontrou no campo uma imagem do Cristo crucificado em madeira. Após receber um milagre, o português originário que habitava a cidade, José Corrêa Porto, cumpriu a promessa e construiu no alto do morro uma igrejinha para abrigar a imagem. A igrejinha foi construída onde hoje se encontra o Santuário do Bom Jesus do Matosinhos. Desde então o lugar se tornou ponto de peregrinação, chegando neste ano ao 230º Jubileu de Bom Jesus do Matosinhos, quando a cidade recebe romeiros vindos de todas as partes e de todas as formas de Minas Gerais e do Brasil.

Hoje Conceição sedia a maior peregrinação religiosa de Minas Gerais. Se não bastasse o histórico Jubileu, a quase 70km dali e em sua zona rural, no distrito de Capitão Felizardo, se encontra um dos lugares mais inusitados de Minas Gerais e talvez do mundo, o Cemitério do Peixe. Um lugarejo que é até mesmo difícil de descrever, pois existe uma capela, duas centenas de casas simples, o cemitério, o rio, o infinito e o nada, nada, nenhum morador. Distante de tudo e de todos, Cemitério do Peixe é quase impossível de se classificar, com sua beleza sui generis, improvável, embalada pelo silêncio dos que não estão mais aqui.

Quase um milagre, o povoado é a pura materialização da fé Humana. O lugarejo só existe uma vez por ano, quando para lá vão devotos para rezar para seus mortos e suas almas. Aquilo é a mais bela e profunda obra do inusitado. Tudo começou no século XVIII, quando a Coroa Portuguesa mandou instalar por ali um ponto de fiscalização, pois aquelas inóspitas paragens eram usadas como rota clandestina, paralela à Estrada Real, para o contrabando de ouro e diamante, aventureiros fugindo das taxas e tributos impostos pela Coroa na extração e comercialização dos minérios. Entre algumas versões, a mais plausível nos diz que por estar distante de tudo - aquilo até hoje é um ermo profundo - os fiscais da coroa teriam comido peixes estragados daquele pequeno rio e morrido. Ali foram enterrados, em cemitério improvisado, naquela região conhecida como Serra do Quartel.

Para aquelas almas perdidas em lugar desabitado, a igreja ia para lá anualmente rezar em missa pelas almas, debaixo de um bambuzal. O tempo foi passando, moradores dos arredores sendo enterrados ali, até que o herdeiro daquelas terras, senhor Antônio Francisco Pinto, resolveu construir uma pequena capela, consagrada a São Miguel Arcanjo e Almas, isso em 1916. O senhor Antonio Francisco também permitiu que os fiéis que iam para as missas e sem ter como voltar, construíssem pequenas casas como abrigo ao redor da capela. E algumas casas começaram a ser construídas, casas simples, abrigos mesmo, até que no ano de 1940 Antônio Francisco resolver documentar a doação daquela área que já contava com boas dezenas de casas. E assim foi redigido o documento de doação das terras às almas, registrado em cartório: "Adquirente: As almas do Cemitério do Peixe (...) Título particular de doação no valor de 200$000 (duzentos mil reis), sem condição". As primeiras casinhas, simples, de dois cômodos apenas, com janela e porta ainda estão lá, caiadas em branco pela fé humana. Quem conta essa história é o fazendeiro Luiz Rodrigues, guardião do Cemitério, juntamente com a diocese de Diamantina, há exatos 55 anos. Quando menino, recebeu do seu pai, já no leito de morte, a missão de cuidar do Cemitério até seus últimos dias. Ele é a memória viva de quase tudo que se passou ali e identifica uma a uma as casas das famílias que construíram e que para lá vão em romaria todos os anos. Não tem como não ficar tocado por toda aquela história e beleza. No cruzeiro que fica dentro do cemitério lê-se na placa: "Ó tu que vens a este cemitério, medita um pouco nesta campa fria: eu fui na vida o que tu és agora, eu sou agora o que serás um dia". O Cemitério do Peixe talvez seja o único lugar no mundo que pertence às almas. Para chegar lá é preciso ser acompanhado por guia da cidade, pois dos 67km saindo de Conceição, 25km são em estrada de terra.

De volta à cidade, uma boa dica para terminar o dia é um passeio ao Balneário da Água Quente, que fica em plena área urbana de Conceição, a exatos 700m da prefeitura. O Balneário fica aberto ao público e conta com uma piscina de água natural e pequenos poços no curso de uma extensa corredeira. Um pouco mais abaixo, uma formação rochosa como uma pequena gruta com queda d'água. Sua estrutura é simples, mas funcional para o visitante, com quiosques para fazer churrasco, receptivo e quadra poliesportiva de areia.

Cerveja e tira-gosto no curral

A 18km do centro de Conceição do Mato Dentro, em estrada de terra em boa conservação, encontra-se o distrito de Tabuleiro, badalado por sua cachoeira mundialmente conhecida, pois é a mais alta de Minas Gerais e a terceira mais alta do Brasil. Tabuleiro tem vida própria, secular, com seu povo simples convivendo com a beleza à sua volta em uma aconchegante vila. A bela igrejinha é consagrada ao Sagrado Coração de Jesus e dá um tom bucólico e de uma mineiridade profunda ao arraial. Lá tem uma boa estrutura para receber o turista, com bons restaurantes, bares e pousadas. Uma das pousadas é a Gameleira, com diária média de R$180,00 para casal (www.pousadadagameleira.com.br) outra é o Tabuleiro Eco Hostel, com diárias a partir de 150,00 para casal (www.tabuleiroecohostel.com.br). O restaurante Rupestre tem almoço ao preço médio de R$23,00 por pessoa (31) 99905-5152. Já no bar/restaurante da Ceci, a primeira indicação dos moradores, o almoço sai a R$ 25,00 por pessoa (31) 99748-5511. São muitos os atrativos nos arredores do distrito de Tabuleiro, entre cachoeiras, corredeiras e muitos poços.

Mas melhor de tudo que está ali é o bar conhecido como Bar do Crido, que é na verdade uma pequena mercearia, quando se toma uma cervejinha acompanhada por bons tira-gostos da roça dentro de um curral, distante 1,5km do centrinho da vila. O Bar do Crido é ponto de encontro dos moradores dos arredores e turistas, e fica rodeado pelas casas dos familiares do saudoso senhor Crido. Quando se olha com calma para tudo aquilo a sua volta se tem uma leve sensação de que ali o tempo parou para ficarmos apenas pensando nas boas coisas da vida. Bem ao lado do bar tem um alambique da família, onde se pode beber uma boa cachaça mineira na fonte, sendo o preço do litro a R$6,00. Dali organiza-se também passeios a cavalo, com vários roteiros, indo até a cabeceira da cachoeira Tabuleiro, ao preço médio de R$50,00 por pessoa (31) 99915-7226. Por mais 600 metros, chega-se ao engenho do senhor José Paca, onde se compra uma boa rapadura ao preço de R$10,00 a peça.

Rabo de Cavalo

Se encantar com as belezas naturais da Serra do Espinhaço no município de Conceição é histórico. Auguste Saint-Hilaire, o desbravador francês que andou pelo Brasil colônia no início do século XIX, se esmerou em seu relatório quando ali parou para divagar sobre aqueles maravilhas reunidas. Passando pela área que envolve a cachoeira Rabo de Cavalo relatou o Saint-Hilaire no distante ano de 1817: "Nenhum rio considerável aí nasce, é verdade, mas é aí que têm nascentes vários regatos, alguns dos quais correndo para oeste, como o Cipó, lançam-se direta ou indiretamente no São Francisco, e, outros, na vertente leste, tal o Ocubas, levam suas águas ao Rio Doce", lembrando que ali é um divisor natural entre as bacias do rio Doce e do São Francisco, quando se vê claramente pequenos cursos d'água descendo para uma ou outra bacia bem na crista da Serra.

A 11km do centro de Tabuleiro, em estrada de terra em bom estado de conservação, está a belíssima cachoeira Rabo de Cavalo, que fica dentro do Parque Estadual da Serra do Intendente. Com suas três quedas no fundo de um pequeno cânion de pedra, a beleza da cachoeira é descomunal. O nome se deve à queda d'água que devido a sua altura balança ao sabor dos ventos, fazendo um espetáculo à parte. O gerente do Parque, Marcos Santos, ressalta que "a cachoeira Rabo de Cavalo está em um paredão que tem cerca de 190 metros de altura. A queda se forma a partir de dois cursos d'água, originando duas quedas paralelas que depois se juntam formando uma só. O seu grande poço tem 50 metros de comprimento por 35 metros de largura. Já foram registrados pelo Corpo de Bombeiros trechos de 12 metros de profundidade". 

Não tem como não ficar tocado pela beleza das quedas que se descortinam ao final da trilha, pois é de deixar até o mais distraído aventureiro de queixo caído. A visão das três quedas, uma sobre a outra, é surpreendente. Devido à altura, essa imagem só pode ser vista à distância, pois quanto mais se aproxima da cachoeira ao fim do cânion, perde-se o ângulo de visão da cachoeira superior. Diante da queda da Rabo de Cavalo e abraçado pelo grandioso cânion, todo aquele cenário nos traz um momento de reverência e agradecimento, foi o que vimos acontecer espontaneamente entre os visitantes daquela vespertina visita. Verdadeiramente, tem-se a nítida sensação de estar diante de um santuário.

A trilha para a cachoeira tem 2,4km e é sem grau de dificuldade, sendo toda sinalizada, com pontes de madeira sobre riachos e vãos, além de escadarias nas áreas mais íngremes. É um proveitoso passeio para toda a família, sem restrição de idade.

A área de estacionamento dos carros também é utilizada para camping, sendo ela administrada pelo ex-guarda-parque Sérgio Rodrigues, que mora em uma singela casinha na entrada do estacionamento. Sergio lembra que no camping cobra-se uma diária de R$ 15,00 por pessoa e de R$ 10,00 para o carro. Como tudo está no começo, estão sendo construídos banheiros e lanchonete na área do camping. Para informações e reservas, o telefone do senhor Sérgio é 31 - 99886-5305.

História e tradição

Conceição tem hoje aproximadamente 20 mil habitantes e conta com uma boa cadeia de hotéis, indo de hotéis fazendas bem estruturados, pousadas aconchegantes e até as mais simples. Uma das pousadas aconchegantes é a Serra Velha, com diária média de R$ 200,00 por casal (www.serravelha.com.br).  Outra é a pousada Solar do Rosário, com diária média de R$100,00 para o casal (31) 3868-1463. A cidade conta ainda com bons bares e restaurantes.

A 170km de Belo Horizonte, tem-se ônibus diários em todos os períodos do dia saindo da rodoviária de Belo Horizonte, ao preço de R$57,00 a passagem. O serviço de Guia é estruturado na cidade e conta com apoio da Secretaria de Turismo, onde se fala com a Associação dos Guias pelo telefone 31-3868-2223.

Conceição tem orgulho de sua história e mantém ainda algumas de suas tradições. Uma delas é a confecção dos tapetes arraiolos, que tem na cidade uma associação. Lá é possível comprar os belos tapetes a preços bem mais em conta. O telefone da Associação é 31-99735-6563.

Outro orgulho de Conceição é o pastel de angu, quando se ouve dizer que ele nasceu ali. E todos sabem a história de cor e contam com orgulho que os escravos escondiam pedaços de carne e toicinho dentro do angu. Depois fritavam e comiam escondidos dos patrões nos dias de festas e comemorações. A verdade é que o pastel de angu é uma iguaria das mais saborosas da boa culinária mineira.

Capital Mineira do EcoTurismo

Pertencente a Associação das Cidades Históricas de Minas Gerais, Conceição vem lutando para recuperar o propalado título de Capital Mineira do EcoTurismo, como ficou conhecida nacionalmente na década de 2000. Hoje está sendo estruturado no município a "Rota das 10 Cachoeiras", que é formada por trechos de estrada de terra e trilhas, que totalizam 28Km, percorrendo as cachoeiras mais bonitas do município. O percurso começa na Comunidade Quilombola de Três Barras/Cubas e margeia o Parque Estadual Serra do Intendente e o Parque Natural Municipal do Tabuleiro. O caminho poderá ser percorrido de "bike", a pé ou a cavalo, atendendo a perfis diferentes de usuários, que podem optar por fazerem o trajeto em etapas de um, dois ou mais dias.

 É nítido o envolvimento da comunidade e dos poderes no resgate do título e da vocação natural da cidade, privilegiada pelo braço do Espinhaço que delimita todo o município.

Situada a 60km da Serra do Cipó e 40km do Serro, Conceição busca agora servir de sede para quem quer se embrenhar nos passeios e caminhadas do Espinhaço e na história dos diamantes e do ouro, bem no meio da Estrada Real. A grande vantagem dessa proposta é que ganhamos todos, os turistas, a natureza, a história e a cidade. 

 

Petrônio Souza Gonçalves é jornalista e escritor 

 

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